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12 anos sem Daniel Bensaïd: Irredutível

Filósofo de rara criatividade, em larga medida teve essa vivacidade catalisada pela vida militante.

12 de janeiro de 2022

Por Gustavo Seferian, professor da UFMG e militante da Insurgência.

Não há motivos para não escrever – ou ao menos iniciar – esse texto na primeira pessoa do singular.

Li, poucos dias atrás, um texto que ridicularizava o envolvimento apaixonado que alguns intelectuais guardam com suas referências teóricas. Não vejo em princípio grande problema nisso. E mais, não tenho papas na língua (ou trava nos dedos) para dizer o quanto Daniel Bensaïd me apaixona. A cada linha que me chega, a cada referência de sua trajetória que me impulsiona.

Filósofo de rara criatividade, em larga medida teve essa vivacidade catalisada pela vida militante. Desde jovem articulado em células políticas, muito embora relate que tenha começado a militar de forma mais ativa após deixar o PCF, figura como um dos fundadores da Jeunesse Communiste Révolutionnaire (1966). Teve papel crucial nos eventos de 1968 que abalaram a França e o mundo. Fruto da adesão política ao marxismo revolucionário, que o liga desde então até o fim da vida à IV Internacional, torna-se um dos fundadores e principais dirigentes da Ligue Communiste (1969-1973), da Ligue Communiste Revolutionaire (1973-2009) e do Nouveau Parti Anticapitaliste, seções francesas da organização idealizada e fundada por Trotsky.

Juntamente à intensa atividade militante, destacou-se como grande intelectual. Professor da Université de Paris VIII – Saint-Denis, tomou como grandes temas a estratégia revolucionária e o partido, a temporalidade dos processos sociais, a crítica da cientificidade burguesa – seja em suas expressões positivas ou pós-modernas –, o enfrentamento às opressões desde uma perspectiva classista, a popularização da obra de Karl Marx, a gênese, efetividade e instrumentalização dos Direitos Humanos. Manejou de forma erudita e heterodoxa referências tão dispares e aparentemente desconexas como Marx, Pascal, Réguy, Derrida, Benjamin, Blanqui, Joana D’Arc e outrxs para formular teoria da mais alta inflamabilidade.

Olhou atentamente para o Brasil por mais de metade de sua vida, cumprindo tarefas da IV Internacional, visitando o país constantemente, vertebrando a Democracia Socialista, à época corrente do PT, e depois o Enlace, tendência do PSOL. Merece, porém, ser mais conhecido e repercutido no país.

Lutou contra o HIV desde o início dos anos 1990. Deixou-nos sem deixar, seguindo como densa e apaixonante inspiração neste grande trabalho para a incerteza que é a revolução socialista.

Tem diversas obras traduzidas para o português, como o clássico “Marx, o intempestivo”, o pequeno e pujante “Os irredutíveis”, o delicioso “Marx, manual de instruções”, o absurdamente apropriado “Os despossuídos”, publicado no Brasil como um livro de Marx, e sua última obra, incompleta, “Fetichismo, espetáculo, ideologia”.

Buscando saber mais? Sua auto-biografia “Une lente impatiance” (Paris: Stock, 2004) é na certa a primeira indicação. Mais breve e acessível, de Michael Löwy, “A heresia comunista de Daniel Bensaïd” e o video sobre a atualidade de seu pensamento.