Voltar ao site

A Internacional faz 150 anos

12 de setembro de 2021

A Internacional é um poema escrito em 1871 por Eugène Pottier, operário e poeta, participante destacado na Comuna de Paris. Só em 1888, Pierre Degeyter compõe a música do hino que se tornará símbolo universal das lutas dos trabalhadores. Em Portugal foi traduzido em 1909, pelo anarcosindicalista Neno Vasco.

Álvaro Arranja, Esquerda.net, 12 de setembro de 2021

Primeira publicação da letra e música da Internacional. Imagem: wikimedia commons.

Os acontecimentos da Comuna de Paris foram o caldo de cultura revolucionária na origem do poema da Internacional. Eugéne Pottier militante “communard” foi eleito membro da Comuna no 2º bairro de Paris e “Maire” até 28 de maio de 1871. Combate durante a semana sangrenta contra as tropas do governo de Versalhes que esmagou a Comuna com o sangue de milhares de mortos. Apesar de ser dado como morto por fuzilamento, consegue sobreviver à terrível repressão.

Foi escondido nesta Paris maltratada que escreveria A Internacional. Conseguirá fugir para a Bélgica, depois para a Inglaterra e finalmente para os Estados Unidos. Só voltou a França em 1880, após a amnistia dos “communards”.

O poema é publicado pela primeira vez, em 1887, na coleção intitulada “Les Chants Révolutionnaires”. Pottier morre nesse ano e milhares de parisienses acompanham o cortejo fúnebre ao “Mur des Fédérés” (onde tinham sido fuzilados os últimos resistentes da Comuna), no cemitério do Père Lachaise, com o grito de "Vive la Commune!" Quando morre, Pottier é uma figura reconhecida, mas, paradoxalmente, o seu texto hoje mais famoso, A Internacional, era quase ignorado.

Só em 1888 é que o poema de Pottier foi musicado. Gustave Delory, líder socialista de Lille, procurava um texto suscetível de se tornar a música oficial da seção de Lille do Partido Operário Francês (POF). Escolhe A Internacional, que tinha descoberto na edição de 1887 dos “Chants Révolutionnaires”.

Pede a Pierre Degeyter, trabalhador e membro da "«La Lyre des Travailleurs », coral da Federação Norte do POF, para compor a música para o poema. Pierre Degeyter começou imediatamente o trabalho e em 23 de julho de 1888, A Internacional foi interpretada pela primeira vez em público pela “Lyre des Travailleurs”, durante uma festa organizada em Lille.

Inicia-se então o caminho que levará a canção de Pottier e Degeyter a tornar-se um hino internacional.

Em 1896, o congresso do POF, reúne milhares de militantes franceses e de partidos socialistas estrangeiros. No último dia do congresso, um desfile é organizado nas ruas de Lille. Os operários da cidade, acompanhados por uma banda, cantam A Internacional. Ao coro juntam-se os militantes socialistas estrangeiros presentes. A Internacional torna-se o hino dos partidos socialistas franceses e, em 1905, no congresso unificador, é o hino da SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária), partido que agrega todos os socialistas franceses.

Gradualmente vai-se tornar num hino universal.

Em 1900, no congresso socialista internacional realizado em Paris, os delegados vindos do mundo inteiro separam-se cantando A Internacional.

Em Copenhaga, na abertura do congresso socialista internacional de 1910, é cantada por 500 coristas, acompanhados por uma orquestra.

Depois da revolução de 1917, A Internacional torna-se o hino oficial da República Soviética da Rússia, depois URSS, até 1944. É também o hino da Internacional Comunista.

Será ainda cantada durante a revolução spartakista na Alemanha de 1918-1919, na efémera República dos Conselhos na Hungria de 1919, na Espanha republicana de 1936-1939 ou nas manifestações e assembleias gerais durante o Maio de 68.

Torna-se um hino comum aos diversos movimentos de esquerda, anarquistas, comunistas, socialistas e sociais-democratas.

A Internacional em Portugal

Em Portugal o poema de Pottier é traduzido em 1909, por Neno Vasco (pseudónimo literário e político de Gregório Nazianzeno Vasconcelos), destacada figura do movimento anarquista e sindicalista, em Portugal e no Brasil. Nascido em Penafiel, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, vive muitos anos no Brasil, regressando a Portugal após a implantação da República. Colabora em vários órgãos da imprensa anarquista e sindicalista, como O Sindicalista, A Aurora ou A Sementeira. Publica vários livros, destacando-se A Concepção Anarquista do Sindicalismo. A sua tradução de A Internacional, com ligeiras alterações (designadamente no terceiro verso, por “Da ideia a chama já consome”), é a mais usada em português: 

A pé, ó vítimas da fome!

A pé, famélicos da terra!

Ruge a razão, ruge e consome

A crosta bruta que a soterra.

Cortai o mal bem pelo fundo!

A pé! A pé! não mais senhores!

Se nada somos em tal mundo,

Sejamos tudo, ó produtores!

Bem unidos façamos

Nesta luta final,

Duma terra sem amos

A Internacional.

Messias, deus, chefes supremos,

Nada esperemos de nenhum!

Unamos forças e tornemos

A Terra-Mãe livre e comum!

Para não ter protestos vãos,

Para sair deste antro estreito,

Façamos nós por nossas mãos

Tudo o que a nós nos diz respeito!

Bem unidos…

Crime de rico a lei o cobre,

O Estado oprime o desgraçado.

Não há direitos para o pobre,

Ao rico tudo é tolerado.

À opressão não mais sujeitos!

Somos iguais todos os seres.

Não mais deveres sem direitos,

Não mais direitos sem deveres!

Bem unidos…

Abomináveis na grandeza,

Os reis da mina e da fornalha

Edificaram tal riqueza

Sobre o suor de quem trabalha!

Todo o produto de quem sua

A corja rica o recolheu.

Querendo que ela o restitua,

Reclama o povo o que é bem seu!

Bem unidos…

Fomos de fumo embriagados,

Paz entre nós, guerra aos senhores!

Façamos greve de soldados:

Somos irmãos, trabalhadores!

Se a raça vil, cheia de galas,

Nos quer à força canibais,

Logo verá que as nossas balas

São para os nossos generais!

Bem unidos…

Somos o povo dos activos

Trabalhador, forte e fecundo.

Pertence a Terra aos produtivos;

Ó parasitas, deixai o mundo!

Ó parasita que te nutres

Do nosso sangue a gotejar,

Se nos faltarem os abutres

Não deixa o sol de fulgurar!

Bem unidos…

O movimento operário português de inspiração predominantemente anarcosindicalista, particularmente ativo após o 5 de Outubro de 1910, vai adotar A Internacional nas suas diferentes ações, antes que passe a ser um hino clandestino com a ditadura, entre 1926 e 1974.

Diversas são as referências dessa adoção.

Logo em novembro de 1911, no 1º Congresso Anarquista Português, os participantes terminam as sessões entoando A Internacional(1).

Depois, quer em momentos de luta, quer em momentos de festa, A Internacional, acompanhará o movimento operário na 1ª República.

Vemos isso na cobertura que a A Batalha, jornal diário da CGT de grande tiragem, faz da manifestação do 1º de Maio de 1919:

“Corriam tétricos boatos acerca do dia 1º de Maio. A burguesia acreditava plenamente numa jornada sangrenta, em que os sans-cullotes sairiam das suas alfurjas e viriam atravessar os bairros chics, provocando e ameaçando as pessoas de respeitabilidade. Visionavam-se já os assaltoa à propriedade do honrado comércio da nossa praça e às própria residências particulares. Nédios e anafados, capitalistas acordaram sobressaltados na madrugada do grande dia, cuidando ouvir ao longe o ulular das multidões esfaimadas. Mas afinal, as comemorações do 1º de Maio decorreram serenamente.

Foi em Lisboa que a manifestação atingiu o máximo de intensidade. A paralisação foi absoluta e ao comício monstro efetuado nas terras do Parque Eduardo VII, acorreram cerca de 30000 operários, que depois, em grande número, atravessaram a cidade, vindo saudar A Batalha, cantando bem alto A Internacional e hasteando bandeiras vermelhas”(2)

Em 1922, A Batalha noticia uma “velada social” (uma festa de convívio e atividades culturais) da Juventude Sindicalista, dos operários do calçado, couro e peles onde:

“a Tuna da Construção Civil abrilhantou o acto executando, além de excelentes trechos do seu repertório, A Internacional, que a assistência acompanhou em coro”.(3)

José Rodrigues Miguéis, no seu romance O Milagre Segundo Salomé,transmite a força do hino operário, durante uma greve da construção civil de junho de 1919:

“A construção civil desfila, electrizada de unidade, homogénea, esmagadora e ressonante(...)As janelas fecham-se. Os taipais das lojas protegem as vidraças e as mercadorias(...) Desembocam no Rossio, vasto e vazio como a arena do Colosseum. A voz abre as formidáveis asas, assusta as pombas do Libertador: Duma terra sem a-a-a-amos, a In-ter-na-cio-nal!..”(4)

Notas:

  1. Rodrigues, Edgar, O Despertar Operário em Portugal 1834-1911, Lisboa, Sementeira, 1980, pág. 243.
  2. A Batalha, 3 de maio de 1919.
  3. A Batalha, 11 de fevereiro de 1922.
  4. Miguéis, José Rodrigues, O Milagre Segundo Salomé II, Lisboa, Estúdios Cor, 1974, págs 37,38.

Álvaro Arranja é professor e historiador.