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A luta contra as "fake news": a Fiocruz e o Instituto Butantan

29 de dezembro de 2021

O jornalista Edison Veiga, do Deutsche Welle Brasil entrevista Alisa Andries e Vivian Retz, responsáveis pela comunicação social respectivamente da Fiocruz e do Instituto Butantan sobre a luta contra a covid-19 e contra o negacionismo da ciência organizado pelo governo Bolsonaro. 

"Não caímos em polarização, nosso foco é a ciência"

Responsável pelas redes sociais da Fundação Oswaldo Cruz fala sobre os desafios da comunicação em tempos de pandemia, negacionismo e brigas ideológicas. Instituição foi apontada como uma das mais influentes no Twitter.

Edison Veiga entrevista Elisa Andries, Deutsche Welle Brasil, 21 de dezembro de 2021

Funcionária concursada há quase 20 anos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a jornalista Elisa Andries, como coordenadora de comunicação social, tem sob suas rédeas a ferramenta que é vidraça constante de críticos — ao mesmo tempo que ganha afagos de apoiadores — do trabalho realizado pelos cientistas da instituição: as redes sociais.

"Somos alvo o tempo todo [de críticas], mas nosso foco é a ciência", diz ela. "Não postamos nada para falar do negacionismo, por exemplo. Postamos sempre um artigo, um pré-print, uma informação científica de qualidade. Não caimos nessa armadilha da polarização."

Andries conta que muitas vezes os usuários "criticam a vacina", dizendo que é "coisa do demônio" e outros achismos infundados. "Não respondemos, não entramos nesse tipo de questão. O debate em que entramos é o qualificado, o da ciência."

Um estudo divulgado na semana passada, a partir de análise desenvolvida pelo monitor Science Pulse em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), qualificou dois perfis da entidade (@agencia_fiocruz e @fiocruz) como primeiro e segundo lugares num ranking das instituições mais influentes na divulgação científica dentro do Twitter.

As redes sociais mantidas pela Fiocruz (Twitter, Instagram, Facebook e TikTok) são alimentadas por uma equipe de quatro pessoas, gerenciados por Andries. Durante a pandemia, a audiência aumentou — o Twitter saltou de 55 mil seguidores para 150 mil; o Facebook, de 146 mil para 1,4 milhão; o Instagram, de 62 mil para 556 mil; o TikTok foi criado em outubro.

Em entrevista à DW Brasil, a jornalista falou sobre os desafios de informar nas redes sociais em tempos de covid-19 e negacionismo.

DW Brasil: Qual a maior dificuldade em cuidar das redes sociais de um instituto científico em meio a esse contexto de pandemia e polarização ideológica?

Elisa Andries: Somos alvo o tempo todo [de críticas], mas nosso foco é a ciência. Não postamos nada para falar do negacionismo, por exemplo. Postamos sempre um artigo, um pré-print, uma informação científica de qualidade. Não caimos nessa armadilha da polarização. Com o crescimento das redes da Fiocruz, percebemos que a interação dos usuários cresceu. E eles volta e meia criticam a vacina, a gente vê de tudo, gente falando que vacina é coisa do demônio

E vocês respondem?

Não respondemos, não entramos nesse tipo de questão. O debate em que entramos é o qualificado, o da ciência.

Quando a vacinação começou no Brasil, essa polarização se tornou mais visível no trabalho de vocês?

Sim, com certeza. Passamos a ser questionados. Janeiro deste ano foi um dos meses mais difíceis, porque estava exatamente naquela polarização entre [o governador de São Paulo, João] Doria e [o presidente Jair] Bolsonaro para ver quem aplicava a primeira vacina. Naquele momento, a Fiocruz estava se preparando para produzir a [vacina] da AstraZeneca, mas os primeiros lotes de IFA [o ingrediente farmacêutico ativo] atrasaram, chegaram só em fevereiro, eram para ter chegado em dezembro. Por conta disso fomos muito atacados nas redes sociais. A própria população dizia: o [Instituto] Butantan [ligado ao governo de São Paulo] está entregando... E aí começou aquela narrativa do "atraso da vacina". Mas, na verdade, um processo de fabricação com transferência de tecnologia, que antigamente demorava de cinco a dez anos, estava acontecendo em dez meses. Isso na emergência, na urgência. Fomos muito criticados até abril, quando aumentamos o número de doses entregues. A partir de maio a Fiocruz passou o Butantan [no número de doses]. Mas também nunca caímos nessa esparrela de ficar dizendo que "nós estamos entregando mais".

Não era hora de rivalizar.

Exatamente. Quando nós divulgávamos qualquer coisa referente a esse assunto, sempre colocávamos a produção do Butantan e da Fiocruz juntas, mostrando a importância dos dois. São dois produtores públicos, brasileiros. E o momento é de exaltar, de mostrar a importância que isso tem, que esses produtores tiveram e têm nessa pandemia. O que seria se não tivéssemos nem o Butantan nem a Fiocruz?

Mas nem só de ódio foram as redes sociais. Muita gente marcou vocês na famosa foto tomando a vacina, elogiou o trabalho, interagiu positivamente.

Até hoje recebemos isso, e valoriza em nossas redes. Foi bem bacana. A covid-19 veio reavivar na memória das pessoas a importância da vacinação como prevenção. Foi maravilhoso isso [as pessoas elogiando], mas não só o reconhecimento da Fundação Oswaldo Cruz. Também percebemos que hoje a população tem um entendimento diferente sobre o SUS [Sistema Único de Saúde, o sistema público de saúde brasileiro], a imagem do SUS mudou. As pessoas entendiam o SUS como fila de hospital, emergência, pessoas morrendo na fila. Hoje as pessoas têm uma noção diferenciada. Entendem o SUS como vacinação, vigilância, epidemiologia. Antes, nós tínhamos dificuldade para comunicar isso. A Fiocruz é uma instituição que trabalha para o SUS. Somos uma instituição do Estado, vinculada ao Ministério da Saúde, que trabalha para o SUS, faz pesquisa, atua no campo da educação. 

Durante a pandemia, a base de seguidores de vocês nas redes sociais aumentou muito. Acredita que isso agora ajude a divulgar mais informações científicas de qualidade e interesse público?

Neste ano nós sentimos a possibilidade de entrar com outros temas [depois de um 2020 postando exclusivamente sobre a pandemia]. Aconteceu mas não teve impacto nenhum. Quando publicávamos sobre um evento, por exemplo, era algo como três curtidas. Quando publicamos sobre vacina são 5 mil. Espaço tem, mas não repercute. Agora no segundo semestre trabalhamos outros temas, como a luta contra a aids.

O crescimento das redes sociais foi muito orientado pela necessidade que as pessoas sentiam de se informar, ter informação de qualidade, em relação à covid-19. Quando publicamos coisas fora da covid-19, o engajamento é muito baixo. E isso deixa claro que agora precisamos pensar de que maneira vamos manter esse público cativo, entender o que esse público está querendo. É um público muito variado, de todos os lugares do Brasil

"Túnel das fake news na pandemia parece cada vez mais fundo"

Gerente de comunicação do Instituto Butantan fala sobre desafios de comunicar ciência em tempos de negacionismo e extremismo ideológico. "O governo federal bate o tempo todo, e nossa única arma é a informação correta."

Edison Veiga entrevista Vivian Retz, Deutsche Welle Brasil, 28 de dezembro de 2021

De acordo com um levantamento publicado neste mês, o perfil oficial do Instituto Butantan é um dos mais influentes dentre as instituições divulgadoras de ciência no Twitter. O estudo, desenvolvido pelo monitor Science Pulse em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), posicionou o @butantanoficial, com seus mais de 200 mil seguidores, em terceiro lugar nesse ranking: atrás dos perfis @agencia_fiocruz e @fiocruz, ambos da Fundação Oswaldo Cruz.

Segundo a gerente de comunicação da entidade, a jornalista e publicitária Vivian Retz, o engajamento alcançado nas redes se explica pelo interesse atual do público pelo tema — em decorrência da pandemia de covid-19, é claro. Mas há um esforço constante em informar adequadamente e apresentar conteúdos de qualidade.

A jornalista trabalhava na comunicação da Secretaria de Estado da Saúde quando, no fim de 2019, foi convidada para assumir o cargo. Entrou em janeiro de 2020, quando o coronavírus era uma "história ventilada lá na China, longe…."

Hoje, sob a responsabilidade dela, há quatro pessoas que atualizam o material hoje publicado em Twitter, Facebook, Instagram, Linkedin, TikTok e Youtube. E a proposta é responder diretamente a todas as dúvidas que venham a aparecer.

"Temos um FAQ [uma lista de Frequently Asked Questions, ou ‘questões frequentemente perguntadas'] no qual colocamos respostas mais frequentes de determinado assunto e, aí, vamos interagindo com as pessoas que estão mais escrevendo sobre esses temas", conta em entrevista à DW Brasil.

"Tem muita crítica [ao Butantan], uma rejeição muito grande à vacina [Coronavac] por ela ser chinesa. As pessoas xingam", comenta Retz. "Atrás do computador todo mundo é muito mais agressivo e corajoso, então os ataques vêm."

DW Brasil: Qual era sua missão quando assumiu o cargo no Butantan?

Vivian Retz: Eles me pediram para ajudar a mudar a imagem do instituto. Porque todo mundo falava de Butantan e lembrava de cobras, tinha gente que nem sabia que o instituto também fazia vacina. Veja você: eu vim para cá nessa situação.

O plano era internacionalizar o instituto, torná-lo mais conhecido, fazê-lo virar referência na América Latina. [Na época] eles estavam fazendo várias parcerias com farmacêuticas do mundo todo para fabricação de vacina, e o objetivo era torná-lo um centro não só para [fornecer vacinas para] o SUS [Sistema Único de Saúde], mas para toda a América Latina. Aí veio a pandemia, mas [em janeiro de 2019] era uma história ventilada lá na China, longe

Quase dois anos depois, a mudança de imagem foi uma coisa natural por conta da própria pandemia? Agora ninguém mais está se lembrando das cobras?

Sempre tem a brincadeirinha: cuidado com o que vocês pedem. Mas, sim, todo mundo sabe hoje [das vacinas]. E vamos ter uma nova fábrica, vamos produzir outros tipos de produtos, vai ter [vacina contra] chikungunya, dengue, HPV, uma série… É uma chance que estamos tendo que nunca houve antes: falar sobre a importância de uma produção nacional [de vacinas]. Porque, veja, a [vacina contra covid-19 produzida pela] Pfizer demorou para chegar [ao Brasil] porque, claro, antes eles iam privilegiar a população deles [dos Estados Unidos].

Então, quando a pessoa fala da China para criticar, tem de lembrar que [o contrato com a China] é de transferência de tecnologia. Agora estamos desenvolvendo a Butanvac e que bom que temos essa tecnologia com uma fábrica aqui capaz de atender ao SUS com rapidez. Porque numa próxima epidemia, e sabemos que terão outras, precisaremos ter rapidez. É isso que temos de fazer: e não comprar vacina ao triplo do preço de um país que não vai priorizar a gente. Cada um vai olhar para o seu umbigo.

Pelas redes sociais, são muitas as críticas que chegam?

Sim. Tem muita crítica, uma rejeição muito grande à vacina [Coronavac] por ela ser chinesa. As pessoas xingam. Atrás do computador todo mundo é muito mais agressivo e corajoso, então os ataques vêm. Os ataques vêm, a gente sabe quando tem robô, quando o perfil é falso. A pandemia revelou esse momento histórico que a gente vive, o das fake news.

E não só no Brasil. E a pandemia chegou em um momento em que existe uma rejeição a vacinas, um movimento antivacina muito grande pelo mundo. E aqui no Brasil não é diferente. A gente já vinha de coberturas vacinais baixas, já estava com o sinal vermelho aceso. […] O brasileiro pode não admitir que se vacinou, mas a maioria se vacinou. Na dúvida, ele vai e se vacina.

E como informar corretamente o público?

A única arma que a gente tem, e eu nem gosto de usar a palavra arma porque ela é muito usada hoje por esse governo [federal], é a informação correta. Se a pessoa fala mentira, a gente põe um especialista, um cientista para rebater, mostrar que não é verdade por causa disso e daquilo. E damos material para a pessoa compartilhar. Porque tem gente que faz isso [produzir fake news] de má fé, mas isso acaba chegando a pessoas que vão achar que é verdade. Então temos de rebater o quanto antes, enfatizar que "o Butantan diz que isso não é verdade".

Vocês respondem um a um? A ideia é sempre interagir com todos?

Temos um FAQ [uma lista de Frequently Asked Questions, ou ‘questões frequentemente perguntadas'] no qual colocamos respostas mais frequentes de determinado assunto e, aí, vamos interagindo com as pessoas que estão mais escrevendo sobre esses temas. Quando vemos que um assunto está circulando muito, aí fazemos um post para rebater. Tem a interação pessoa a pessoa. Deixamos umas respostas prontas sobre o assunto e vamos tentando responder à medida do possível, porque é muita gente. […] E às vezes a gente apanha, né?

Houve algum momento em que foi mais difícil por conta dessas reações?

Olha, toda semana a gente tem um momento de falar "meu Deus do céu". É muito difícil. Porque a gente tem um governo federal que bate o tempo todo. E vêm coisas muito inacreditáveis. Parece que o fim do túnel não chega, é cada vez mais fundo.

A gente apanha, apanha, apanha. Porque existe uma rejeição por conta de [a vacina] ser chinesa, as pessoas têm essa fantasia de que por ser de lá é pior. […] A gente tem de pôr a informação de que a Coronavac salvou muitos idosos, já que os idosos quase todos tomaram a Coronavac. Quando acontece alguma coisa com a Coronavac, a história é hipervalorizada. E quando alguém tem alguma reação grave a qualquer vacina, a gente vai para o mesmo balaio, no discurso de que "nenhuma vacina presta".

Qual o plano para manter o público engajado depois da pandemia?

Infelizmente, está longe de acabar a pandemia. Mas eu acho que a ciência está um pouco mais popularizada. Eu fiz um trabalho aqui criando porta-vozes para falar de assuntos de forma clara. Qualquer assunto falado de forma leve atrai público. As pandemias vão ser mais frequentes, e vamos precisar comunicar.

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