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A odisseia política de Arthur Rosenberg

O autor de História do bolchevismo foi um pensador central do marxismo da primeira metade do século XX.

1 de fevereiro de 2021

Arthur Rosenberg foi um historiador marxista brilhante. A sua análise dos movimentos de extrema-direita merece ser lida ainda hoje.

Jairus Banaji, Esquerda.net, 31 de janeiro de 2021

Arthur Rosenberg foi um dos mais notáveis historiadores marxistas do século XX, contudo permanece largamente desconhecido no mundo anglófono. Rosenberg começou a sua carreira intelectual como historiador do mundo antigo antes de se ter radicalizado com a experiência da I Guerra Mundial e se ter tornado um ativista da esquerda radical alemã, tendo-se juntado ao Partido Comunista da Alemanha (KPD) e representado-o no Reichstag.

Depois de ter desempenhado um papel significativo na liderança do KPD durante grande parte dos anos 1920, Rosenberg saiu do partido mas manteve as suas convicções marxistas, nas quais apoiou o seu trabalho de historiador.

Escreveu livros importantes sobre a história moderna da Alemanha e compôs uma análise fundamental do fascismo que ainda se distingue pela sua presciência quase noventa anos depois. Apesar de ter morrido numa relativa obscuridade como um exilado empobrecido do nazismo nos Estados Unidos, deixou-nos um brilhante legado intelectual que ainda hoje pode ajudar o trabalho dos socialistas.

O caminho de Rosenberg para o socialismo

Rosenberg nasceu em Berlim a 19 de dezembro de 1889 numa família judia de classe média. Numa retrospetiva que escreveu como parte de um exame de fim de ciclo escolar, descreveu a “impressão inesquecível” que a “História de Roma” de Theodor Mommsen lhe causou quando era um jovem aluno. A erudição de Mommsen era prodigiosa, escrevia um estilo vivaz e lidava com a história de Roma de forma modernista.

Sem dúvida, a admiração de Rosenberg pelo grande académico clássico provinha de todas estas facetas, entre as quais a última, uma vez que o seu próprio trabalho enquanto historiador da Antiguidade era desavergonhadamente modernista na sua conceção de Antiguidade, opondo-se a qualquer noção de que as sociedades do mundo antigo não tinham conhecimento do capital e dos capitalistas.

O seu respeito por Mommsen pode também ter sido influenciado por outro fator: nos anos 1880, durante o que foi chamado o Antisemitismusstreit, o historiador opôs-se ativamente às tentativas de Heinrich von Treitschke de instilar ainda mais o anti-semitismo na vida académica alemã.

Durante a I Guerra Mundial, Rosenberg foi recrutado para o setor de relações públicas do aparelho militar germânico. Quando este foi dissolvido, em novembro de 1918, aderiu ao Partido Social Democrata Independente (USPD). O USPD tinha sido fundado em abril de 1917 a partir de uma cisão de esquerda dos Sociais Democratas maioritários e pró-guerra e incluía a Liga Spartacus de Rosa Luxemburgo como corrente. Pode ter sido o biógrafo de Marx, o historiador Franz Mehring, quem iniciou Rosenberg no marxismo; contudo, quando os espartaquistas, incluindo Mehring, abandonaram o USPD para formar o Partido Comunista, no final de 1918, Rosenberg permaneceu naquele.

Rosenberg terá visto nos conselhos de trabalhadores e soldados que emergiram aos milhares por toda a Alemanha os órgãos de uma democracia direta, um “verdadeiro auto-governo das massas”. No seu penúltimo trabalho, Uma História da República Alemã (1935), Rosenberg referia-se ao dirigente do USPD, Kurt Eisner, que dirigiu brevemente a República da Bavara depois da guerra como “o único homem de Estado de algum valor que emergiu de novembro de 1918”. Prosseguia descrevendo Eisner como um apoiante ativo da “democracia direta fundada nos conselhos”. “Os conselhos de trabalhadores serão o parlamento de todos os envolvidos no trabalho manual e até dos intelectuais”, dissera Eisner ao Congresso dos Conselhos de Trabalhadores da Bavaria em dezembro de 1918.

Em Uma História da República Alemã, escrita em retrospetiva numa década trágica e em rápida mudança, Rosenberg clarificava a importância destes órgãos políticos: “nenhum partido único durante a Revolução Alemã era capaz de exercer uma ditadura despótica sobre os conselhos”.

Um nacionalista de direita assassinou Eisner em fevereiro de 1919. No final de 1920, uma maioria de delegados do USPD votava a adesão ao KPD numa convenção em Halle, unificando-se num clima de otimismo com a esperança de criar uma organização de massas da esquerda revolucionária. Contudo, pouco tempo do novo partido unificado ter sido formado dividiu-se num conflito interno derivado das diferentes avaliações sobre se os trabalhadores alemães estariam motivados para uma revolução.

O dirigente comunista húngaro Béla Kun desenvolveu a sua teoria da ofensiva revolucionária (que era suposto galvanizar os trabalhadores para a ação) numa tentativa desesperada para colmatar a lacuna entre uma situação que era suposto ser “objetivamente” revolucionária mas que “subjetivamente” o era menos. O Comité Executivo da Internacional Comunista (CEIC) encorajou estas ilusões. As tentativas falhadas do KDP de iniciar greves gerais por todo o país em março de 1921 levaram o despromovido líder do partido Paul Levi a afirmar publicamente: “O CEIC tem pelo menos parte das culpas desta catástrofe”. Rosenberg mais tarde escreveu que aos esquerdistas no partido, que tinham força particularmente na região de Berlim-Brandenburgo, faltara coragem para culpar abertamente o Comintern pelas vacilações que tinham dominado a história do parido ao longo dos anos fatídicos da década de 1920. O próprio Rosenberg era uma peça firme desta tendência de extrema-esquerda desde 1921 até à sua saída do KPD em 1927.

A esquerda comunista alemã

Nos meses que se seguiram ao 10º Congresso do Partido Comunista Russo em março de 1921, foi em casa de Rosenberg que os representantes da esquerda de Berlim se reuniram com representantes da corrente Oposição Operária, que se tinha oposto à liderança bolchevique lançando um apelo a dar poder aos sindicatos. Todos os presentes terão tido conhecimento de desenvolvimentos políticos preocupantes através dos relatórios de Alexander Shlyapnikov.

Nos assuntos domésticos, a extrema-esquerda alemã defendia posições que atacavam bolcheviques como Leon Trotsky em 1921 por “subjetivismo revolucionário desenfreado”. Quando ex-oficiais nacionalistas do exército assassinaram o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Walther Rathenau, em meados de 1922, o KPD fez a sua primeira tentativa séria de trabalhar com outros partidos da classe trabalhadora, mas Rosenberg descreveu a campanha Rathenau como encorajando “ilusões reformistas”. Também rejeitou o slogan “governo dos trabalhadores” avançado pelo Comintern como um substituto malfadado de uma verdadeira revolução dos trabalhadores baseada, como ele queria, nos conselhos de fábrica.

Em 1923, Rosenberg acreditava que a Alemanha “objetivamente” nunca tinha estado mais perto de uma revolução do que esteve no verão desse ano. Preocupava-se que a não ser que os comunistas alemães interviessem para ganhar os trabalhadores, a desilusão das massas com as políticas dos governos pós-guerra liderados pelo SPD levariam a uma viragem brusca à direita para forças como o emergente Partido Nazi de Adolf Hitler. Em junho de 1923, Rosenberg escreveu que de entre 12 milhões de assalariados na Alemanha, apenas um milhão estava com o SPD e que competia aos comunistas “conquistar” os restantes onze milhões.

Ao longo destes anos, Rosenberg excluía qualquer trabalho conjunto entre comunistas e social-democratas, descrevendo o SPD como um “partido do desespero” e “politicamente morto”. O seu biógrafo italiano, Lorenzo Riberi, escreve que a ideia dos conselhos, sinónimo de democracia de massas, continua a ser a ideia política de Rosenberg nesta altura. Ele via no KPD o único partido alemão empenhado numa socialização completa da economia.

Nas eleições de maio de 1924, o KPD obteve 3,7 milhões de votos, 12,6% do total, tornando-se o quarto maior partido. Mas 1924 foi também o ano em que o Comintern permitiu à fação de extrema-esquerda controlar o KPD, em troca daquilo que Rosenberg pesarosamente caracterizaria mais tarde como o seu “compromisso” com o CEIC – nomeadamente a sua recusa de criticar publicamente o Comintern ou os desenvolvimentos ocorridos na URSS, apesar de estarem plenamente conscientes destes.

A saída de Rosenberg do KPD

Nos inícios de 1926, o grupo de esquerda do KDP tinha-se desintegrado. A eleição de Paul von Hindenburg, um nacionalista conservador, como presidente da Alemanha em abril de 1925, combinada com o apelo da dirigente do KPD, Ruth Fischer, aos social-democratas para uma “frente vermelha” despoletou amargas divisões entre os comunistas, que acabariam por levar à própria demissão de Rosenberg do partido.

Em junho de 1925, Fischer tinha conseguido que Rosenberg e outros fossem removidos da direção do distrito de Berlim. No congresso do partido em julho, ela acusou-os abertamente de terem planos para formar uma plataforma internacional de oposição de extrema-esquerda ao Comintern.

O representante soviético Grigory Zinoviev deu força a isto com o seu próprio ataque no qual descrevia Rosenberg e o seu grupo, de forma pouco precisa, como uma “caricatura do bolchevismo”. Contudo, de volta a Moscovo, Zinoviev culpava do declínio de influência do KPD não apenas Rosenberg e os seus companheiros Karl Korsch e Werner Scholem mas também os seus opositores Fischer e Arkadi Maslow. No final de 1925, o Comintern substituiu Fischer por Ernst Thälmann na liderança do partido. A nomeação de Thälmann significava uma subordinação mais estrita do partido a Moscovo.

Uma purga de grandes dimensões levou a uma série de expulsões de figuras proeminentes (Korsch, Maslow, Fischer, Scholem e Hugo Urbahns). Rosenberg saiu incólume e recusou assinar a “Carta dos 700” em setembro de 1926, uma declaração de solidariedade com Zinoviev e a Oposição de Leningrado contra Estaline na luta de fações dos bolcheviques e que também protestava contra o estado de sítio dentro do partido alemão. Contudo, no verão de 1926-7, Rosenberg tinha-se tornado abertamente crítico da interferência soviética nos assuntos do KPD.

No 11º Congresso do KPD, em março de 1927, apontou que o partido ainda estava fraco nas fábricas e sindicatos, defendendo que a sua “fraseologia pseudo-radical” era um obstáculo a qualquer trabalho sustentado. O que mais preocupava Rosenberg era o isolamento do partido e o seu falhanço em apoiar os trabalhadores de formas concretas contra as pressões massivas que estavam a sofrer no processo de racionalização da indústria alemã.

O golpe sangrento de Chiang Kai-shek na China, a 12 de abril de 1927, contra os seus outrora aliados comunistas foi a gota de água – Estaline tinha encorajado os comunistas chineses a manter o seu pacto com Chiang Kai-shek apesar dos sinais de alarme, até que acabou num desastre. Para Rosenberg, este desenvolvimento impeliu-o para se demitir do KPD assim como da sua fação parlamentar.

Numa carta ao Comité Central do KPD, explicou que passou a considerar a própria existência do Comintern como não tendo sentido e referia-se às suas “vacilações táticas repetidas, erros e derrotas”, excluindo qualquer perspetiva de reforma séria da organização. No Reichstag, passou a ser designado como “socialista sem partido”.

Previsivelmente, Rosenberg foi atacado de todos os lados – não deixando de ser atacado pelo grupo que tinha saído do KPD, liderado por Hugo Urbahns, a Leninbund, que agora incluia o seu amigo íntimo Werner Scholem bem como Ruth Fischer. O único seu defensor foi Carl von Ossietzky, o destemido crítico do militarismo alemão, que se tinha tornado editor do Die Weltbühne, um jornal de esquerda, anti-militarista.

 

A caminho do exílio

Rosenberg encontrava-se agora duplamente ostracizado, por um sistema académico profundamente conservador e pelos comunistas. Voltou a dar aulas na Universidade de Berlim, dando cursos sobre materialismo histórico. O anti-semitismo estava bastante disseminado nos círculos académicos germânicos, tanto entre alunos quanto entre professores, e não tinha nenhuma possibilidade de alguma vez vir a ter um contrato regular – apesar do novo ministro da Educação prussiano, Adolf Grimme do SPD, ter forçado que a faculdade o tornasse “professor extraordinário” em março de 1930, tendo ficado impressionado pelo sucesso do livro de Rosenberg, Alemanha Imperial: O Nascimento da República Alemã, 1871-1918.

 

No final dos anos 1920, Rosenberg fazia parte de um círculo informal que se reunia na casa de Karl Korsch. Descreviam-se como “socialistas libertários” e o grupo incluia figuras como o romancista Alfred Döblin, Bertolt Brecht, o irmão mais velho de Karl Liebknecht, Theodor, assim como o marxista indiano M. N. Roy e o fotógrafo Jenö Friedmann – mais tarde conhecido como Robert Capa.

 

Os seus dois trabalhos principais deste período (1927-33) foram O Nascimento da República Alemã, 1871-1918 (1928) e Uma História do Bolchevismo: De Marx até ao Primeiro Plano Quinquenal (1932). O cientista político Franz Neumann observou mais tarde que os anos finais da República de Weimar foram um período de desespero para muitos intelectuais alemães, o que pode explicar porque é que Rosenberg deixou em larga medida de escrever artigos e ensaios nesses anos.

 

Quando os nazis tomaram o poder, Rosenberg fugiu para Zurique no final de março de 1933 e depois para o Reino Unido no final de setembro. Entre 1933 e 1936, surgiram traduções da sua história do Bolchevismo na Grã-Bretanha, Noruega e França, bem como em Florença, Varsóvia e até no kibbutz de Merhavia na Palestina.

 

Em Londres, Rosenberg tentou encontrar-se com os intelectuais de esquerda Harold Laski e R. H. Tawney para ver se lhe conseguiam arranjar emprego na London School of Economics. Disse ao Conselho de Assistência Académica da Grã-Bretanha que estava disponível para ensinar em qualquer ponto do Império Britânico. Em fevereiro de 1934, a Universidade de Liverpool informou o Conselho que poderia aceitá-lo por um ano no seu departamento de História.

 

Uma anatomia do fascismo

O primeiro trabalho de Rosenberg publicado no exílio, O Fascismo como Movimento de Massas (1934), foi também o primeiro ensaio comparativo sobre o fascismo a surgir. Este notável ensaio dirigia-se a uma esquerda desmoralizada que tinha falhado em estabelecer qualquer espécie de entendimento crítico do que enfrentava. Começava por rejeitar um conjunto de ideias que provavelmente estavam disseminadas no início dos anos 1930: que o fascismo desafiava as explicações; que era essencialmente conduzido por ou uma emanação da pequena-burguesia e assim por diante.

 

Por seu lado, Rosenberg enfatizava a fraqueza congénita do liberalismo na Europa nas últimas décadas do século XIX. Um novo tipo de capitalismo tinha emergido então, baseado em empresas gigantes concentradas, que abandonava as noções inglesas de livre-comércio em favor do protecionismo, um Estado forte que apoiaria os interesses das grandes empresas e mais amplamente o que Rosenberg chamava um “novo autoritarismo conservador”.

 

O desafio para o capital era agora manter o poder na era da política de massas. O mínimo denominador comum das várias estratégias que emergiram na Europa continental era o descrédito das ideias liberais. O novo conservadorismo identificado por Rosenberg gerou toda uma vaga de ideologias que rejeitavam a ideia de igualdade em favor das formas tradicionais de hierarquia e de opressão racial e étnica.

 

Esta era uma forma de conservadorismo que era fundamentalmente irreconciliável com a democracia, mas forçada a adaptar-se à sua extensão gradual através de uma mobilização controlada das massas. Na sua versão continental, era um conservadorismo que exaltava o poder e autoridade do Estado acima de tudo.

 

Rosenberg parecia sugerir que o racismo (ele falava em “frenesim racial”) era parte integrante do tipo de nacionalismo demagógico que começava a mobilizar as massas tomando minorias por alvos (dentro da Europa, os judeus). Era uma parte central do seu argumento que o fascismo não continha nada de especialmente novo: simplesmente colava um pastiche de correntes ideológicas de finais do século XIX e era neste sentido apenas a forma mais moderna dos movimentos reacionários, anti-liberais que tinham emergido na Europa nos últimos cinquenta anos.

 

O que era novo e distinto no fascismo era o uso calculado de tropas de choque como meio de conter o avanço da democracia (como na Alemanha depois de 1918) ou de responder à insurgência de uma classe trabalhadora ameaçada (como na Itália). Rosenberg salientava o quão pouco as autoridades estatais existentes (incluindo os tribunais) tinham feito para refrear as atividades violentas destes bandos armados de extrema-direita.

 

Ideologia Autoritária

O ponto principal que se tira do pequeno livro de Rosenberg é que o fascismo apenas é bem sucedido como movimento de massas; portanto, do ponto de vista da esquerda, era crucial perceber os fatores que contribuiam para criar e estabilizar um tal movimento de base. Esta é uma lição que não perdeu a sua relevância hoje, quer se olhe para os Estados Unidos sob Donald Trump ou a Índia sob Narendra Modi. As duas últimas secções do ensaio lidavam em detalhe com as situações respetivamente da Itália e da Alemanha, mas eram as páginas iniciais que mapeavam a conceção de Rosenberg de porque é que o fascismo surgiu, em primeiro lugar, o que lhe permitiu emergir e ter sucesso na Europa dos anos 1920 e 1930.

 

Para Rosenberg, o papel principal foi desempenhado pela “ideologia” - sobretudo o uso do nacionalismo como ferramenta para mobilizar as massas para apoiar movimentos que eram manifestamente opostos aos seus interesses económicos e políticos. A única outra análise marxista que chegou de alguma forma do poder de penetração do ensaio de Rosenberg foi o esboço original da Psicologia de Massas do Fascismo de Wilhelm Reich, publicado um ano antes, em setembro de 1933. A diferença entre eles era que Reich, enquanto psicanalista, estava mais diretamente preocupado com os fundamentos “biopsicológicos” do tipo de ideias que Rosenberg considerava vitais para a política fascista.

 

Reich via a família autoritária/patriarcal como o teatro dos ensaios mais precoces do fascismo, no sentido em que a preparação ideológica para a política fascista essencialmente ocorria aí, na família. A ideologia autoritária, inculcada nas reprimidas/repressivas famílias patriarcais, providenciava o que ele chamava “o alicerce para a receção da propaganda Nacional Socialista”. Estas não eram dimensões de análise que Rosenberg explorava, uma vez que a sua perspetiva era meramente histórica e focada mais na política do que na cultura.

 

Num aspeto pelo menos, contudo, o livro de Reich expressava a visão de Marx de forma mais lúcida do que Rosenberg, através da sua conceção de ideologia como uma força material (o próprio título do primeiro capítulo de Reich). Esta é uma noção pressuposta da importância que Rosenberg atribuía às patologias culturais, tais como a subserviência à autoridade e as genuflexões face ao nacionalismo. Muitos países do mundo atualmente evidenciam ambas estas características em abundância.

 

O bolchevismo e o Comintern

Na História do Bolchevismo de Rosenberg, os últimos quatro capítulos apresentam o que provavelmente é a nossa mais antiga história da Revolução Russa entre os anos 1921 e 1932. É um documento de valor excecional, tanto porque Rosenberg era um bom historiador quanto porque estes capítulos foram escritos por um socialista europeu que testemunhou as vicissitudes da Revolução Alemã de perto.

 

Rosenberg estimava de que de entre 1,2 milhões de membros do partido bolchevique no início de 1927, aproximadamente metade eram empregados do Estado e burocratas do partido (“Angestellte und Apparatleute”). Apesar de muitos deles serem ex-trabalhadores, estes dominavam as massas através da maquinaria do partido e do Estado e portanto, tanto psicologicamente como na prática, já não eram parte da classe trabalhadora. Mais, estimava-se na altura que apenas um décimo das pessoas em níveis da liderança partidária eram ex-trabalhadores fabris.

 

Rosenberg argumentava que, desta forma, “um aparelho dominante de capitalismo de Estado estabeleceu a sua independência face aos estratos produtivos”. Escrevendo em 1932, o que ele via na União Soviética era um “absolutismo do dogma” que bania qualquer discussão do marxismo ou do socialismo crítico e independente. A conceção de Estaline do “socialismo num só país” santificava o mito de que um socialismo puramente nacional russo era possível e que facto este não era diferente do socialismo no verdadeiro sentido marxista.

 

Apesar de nunca ter sido trotskista, a simpatia de Rosenberg por Leon Trotsky fica clara nestas páginas finais. Escreveu o seguinte, por exemplo, ao discutir a expulsão de Trotsky da URSS em 1929 e o exílio na Turquia: “Nos últimos anos ele demonstrou uma habilidade tremenda como escritor. Ele luta implacavelmente contra a teoria do socialismo num só país”.

 

Rosenberg reservava sempre as suas críticas mais aguçadas para o Comintern, que ele considerava ter desempenhado um papel desastroso. Quando Victor Serge se encontrou com ele nos escritórios do Die Rote Fahne em 1923, Rosenberg perguntou-lhe: “Pensas verdadeiramente que os russos querem uma revolução na Alemanha?” Serge ficou chocado ao descobrir que Rosenberg duvidava disso. Em Uma História do Bolchevismo, argumentava que nos casos da Alemanha (1923) e da China (1927) o Comintern nunca acreditou seriamente que uma revolução independente dos trabalhadores fosse possível e portanto “paralisou” a atividade dos partidos comunista alemão e chinês.

 

Interessantemente, em forte contraste com as posições que ele tinha tomado no início dos anos 1920, Rosenberg agora lamentava o facto de os comunistas alemães terem falhado ao trabalho conjunto com os sociais democratas de forma transparente, graças às diretivas que tinham recebido do Comintern. De qualquer forma, parecia-lhe claro que as posições do Comintern eram sempre motivadas pelas bruscas e drásticas mudanças de política da própria URSS e tinham pouco que ver com a situação internacional.

 

A proclamação súbita de um “Terceiro Período” pela direção do Comintern no verão de 1928, e a consequente proibição de trabalho conjunto com outras partes não comunistas da esquerda, deixou o KPD mais dependente do que nunca de uma base de recrutamento entre os desempregados da Alemanha. Rosenberg via os trabalhadores desempregados como um elemento politicamente instável, capaz de mudar da esquerda para a extrema-direita quase imediatamente. Defendia que era uma catástrofe para o KPD não ter quase nenhuma base entre os trabalhadores organizados – ou seja, aqueles ainda com um emprego ativo.

 

Últimos anos

Em fevereiro de 1937, os nazis retiram a toda a família de Rosenberg a sua nacionalidade alemã. Sem nenhuma outra perspetiva de emprego no Reino Unido, ele e a sua família saíram para os Estados Unidos em outubro de 1937, nas vésperas da onda massiva de refugiados da Europa Central ter começado em 1938. O grande historiador social Hans Rosenberg, ele próprio um refugiado, alegava que o anti-semitismo americano chegou a um ponto alto na Grande Depressão dos anos 1930.

 

E, claro, quanto mais raivoso o nazismo se tornava, mais imigrantes alemães chegavam aos Estados Unidos, deparando-se com sentimentos de hostilidade. Era praticamente impossível para Rosenberg encontrar uma posição adequada numa universidade, portanto contentou-se com o lugar de tutor num Colégio no Brooklyn College, ensinando história com tanta paixão quanto o tinha feito em Berlim. Muitos dos seus estudantes tinham descendência irlandesa, italiana e da Europa do Leste. Hans Rosenberg, que também ali deu aulas por um breve período, lembra nas suas próprias memórias que durante os anos terríveis da Depressão, muitos destes estudantes “ainda se denominavam orgulhosamente marxistas ou leninistas, estalinistas, trotskistas ou socialistas de um tipo ou outro.”

 

Uma das últimas referências que temos é de uma palestra que Rosenberg deu numa escola de verão organizada pela Avukah, a organização estudantil judaica, em 1941. Figuras como Zellig Harris, Seymour Melman e Noam Chomsky tê-lo-ão encontrado lá. De acordo com Robert Barsky, Rosenberg “servia como uma espécie de líder intelectual” para os jovens judeus americanos que gravitavam à volta do Avukah como uma rede de esquerda, antifascista – apesar desta ter contribuído para a mitologia sionista que acreditava que a imigração de judeus para a Palestina iria ajudar a “libertar” as massas árabes.

 

Arthur Rosenberg morreu em Nova Iorque em 7 de fevereiro de 1943, tendo vivido a maior parte da sua estadia nos EUA numa pequena casa em Brooklyn, na Rua 1316 East 26. Existe atualmente literatura abundante sobre intelectuais de esquerda que procuraram refúgio da Alemanha nazi nos Estados Unidos, quer tenham regressado a um dos dois Estados alemães depois da guerra (Ernst Bloch, Theodor Adorno, Max Horkheimer), ou continuado a trabalhar nas universidades americanas (Herbert Marcuse), ou permanecido de todo de fora da vida académica dos EUA (Paul Mattick Sr). Contudo, Rosenberg permanece uma figura injustamente negligenciada – talvez refletindo um maior interesse académico naqueles cujos trabalhos se concentraram em questões filosóficas ou estéticas ao invés da análise política e histórica.

 

O ensaio pioneiro de Rosenberg sobre o fascismo tem relevância particular hoje. As suas ideias sobre as bases comuns entre os movimentos fascistas e as formas mais amplas de conservadorismo autoritário e a relação de conluio entre os gangues de rua da extrema-direita e as forças de segurança do Estado não ficarão perdidas para os observadores do cenário político contemporâneo. A ascensão do fascismo na Europa entre as duas Grandes Guerras pode nunca se repetir na sua forma exata, mas o estudo desta experiência permanecerá atual enquanto o perigo do autoritarismo de direita não tenha sido exorcizado – e Arthur Rosenberg será um dos nossos guias mais valiosos.

 

Jairus Banaji é professor no SOAS da Universidade de Londres e autor de A Brief History of Commercial Capitalism, Exploring The Economy of Late Antiquity e Theory as History: Essays on Modes of Production and Exploitation. Texto publicado originalmente na revista Jacobin. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.