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Acadêmica mapuche presidirá Constituinte do Chile

5 de julho de 2021

Elisa Loncón, da etnia indígena chilena mais numerosa, vai comandar 155 representantes que terão no máximo um ano para acertar o texto que permita ao país superar sua crise política.

Rocío Montes, El País Brasil, 4 de julho de 2021

A Constituinte chilena de 155 membros, que terá no máximo 365 dias para redigir uma nova Constituição, foi instalada neste domingo no Chile e elegeu uma indígena mapuche, a médica e acadêmica de 58 anos Elisa Loncón, como sua presidenta. É um sinal político para as mulheres, em um órgão conjunto formado por 77 mulheres e 78 homens graças ao impulso do movimento feminista. É um sinal sobretudo para os povos indígenas, sempre excluídos das grandes decisões do Estado, que enfrentam um conflito histórico de terras no sul do país. A nova líder, nascida em uma comunidade humilde de Araucanía, agradeceu por sua nomeação com uma bandeira mapuche nas mãos e suas primeiras palavras foram em mapudungún, a língua mapuche.

“Uma grande saudação ao povo chileno do norte da Patagônia e do mar até a cordilheira”, disse Loncón em seu primeiro discurso, que depois proferiu em espanhol. Prometeu “mudar a história deste país” e fez um apelo à unidade: “Esta força é para todas as pessoas, para todos os setores e regiões, para todas as nações originárias que nos acompanham, para todas as organizações de diversidade sexual. Esta saudação é para as mulheres que caminharam contra qualquer sistema de dominação”. A dirigente da Constituinte assegurou que o órgão que vai presidir “transformará o Chile em um país multinacional e intercultural” e pediu o cuidado com a “mãe terra e das águas”, algumas das principais demandas buscadas pelos povos indígenas “Este sonho é o sonho dos nossos antepassados. É possível, irmãos, irmãs, colegas, refundar o Chile”, disse a doutora em Linguística, que em seu primeiro discurso se referiu aos crimes contra crianças indígenas descobertos recentemente no Canadá.

Loncón obteve 96 votos, com o apoio dos indígenas, dos socialistas e da Frente Ampla de esquerda, a que posteriormente se juntaram no segundo turno os constituintes do Partido Comunista e da Lista Popular, formada por independentes que se dizem contra o sistema capitalista.

A Constituinte será composta por 155 membros, eleitos em meados de maio. Como nunca antes no mundo, mulheres e homens são representados igualmente. Tem uma segunda peculiaridade: as 17 cadeiras reservadas para as 10 nações originárias, o maior número já estabelecido internacionalmente para os povos indígenas em uma assembleia desse tipo. Com a direita encurralada, a centro-esquerda diminuída e a forte irrupção da esquerda independente, os constituintes terão um ano máximo para chegar a acordo sobre um novo texto que permita ao Chile canalizar a crise política, institucional e social que ameaça seu caminho rumo ao desenvolvimento.

Alguns representantes, como o acadêmico Agustín Squella, chegaram sozinhos aos jardins da sede do Congresso. Mas muitos chegaram com seus companheiros de lista, assim como os representantes dos povos indígenas. Os sete constituintes mapuches, por exemplo, realizaram uma cerimônia tradicional no Cerro Santa Lucía, um parque urbano no centro da capital. Os 27 integrantes da Lista Popular convocaram uma manifestação no local onde surgiram, a Plaza Italia, epicentro dos protestos. Eles marcharam pelo centro de Santiago, em uma convocatória que foi autorizada pelo Governo de Sebastián Piñera, apesar da complexa situação de saúde devido à covid-19. Esses constituintes não apenas fizeram um chamado às marcha, como também a caminhar até as portas do Congresso.

Foi no âmbito desta concentração que ocorreram incidentes entre os manifestantes e a polícia, os chamados Carabineros. Representantes da Lista Popular interromperam o início da solenidade, chegando a gritar com o representante do Tribunal de Qualificação Eleitoral, que tinha a missão de chefiar provisoriamente a Constituinte neste domingo até a eleição da presidência. Eles deixaram a sede do Congresso denunciando repressão policial, pois argumentaram que a cerimônia não poderia continuar nessas condições. Enquanto a Juventude Comunista informava que um de seus representantes havia sido agredido pelos Carabineros, a instituição policial indicou que dois de seus funcionários ficaram feridos. Após acusações cruzadas, no entanto, o estabelecimento da Constituinte continuou quando o chefe da cerimônia anunciou que não havia repressão, nem detidos, nem feridos. Depois das 13h, os constituintes assumiram seus cargos, com uma juramento verbal conjunto que todo o Chile pôde observar, através das transmissões ao vivo de todos os canais de televisão.

De imediato, os 155 representantes começaram a votar para eleger a presidência. A escolha era amplamente esperada, porque lançaria luz sobre as forças internas dentro da Constituinte. A presidência não tem apenas uma importância simbólica, mas também um imenso poder no desenrolar da discussão, apesar de suas atribuições ainda não terem sido regulamentadas. Foi uma eleição totalmente aberta, embora houvesse algum consenso de que o cargo deveria ser preenchido por uma mulher. “Seria um bom sinal do povo do Chile se a Constituinte fosse presidida por uma mulher indígena mapuche”, disse Elisa Loncón, a agora eleita presidenta, em entrevista ao EL PAÍS.