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Achcar: Auto-extinção do neoliberalismo? Nada disso

10 de maio de 2020

Gilbert Achcar, NewPolitics, 24 de abril de 2020

Não devemos esperar que o neoliberalismo morra de velho com esta crise, mesmo com parte da burguesia internacional chamando um novo pacto social pós-neoliberalismo

Pela segunda vez desde a virada do século, os governos da América do Norte e Europa estão intervindo maciçamente com fundos públicos e em conjunto com bancos centrais para socorrer setores inteiros da economia e evitar um colapso econômico geral. As operações de resgate em andamento, necessárias devido a pandemia da Covid-19, já atingiram uma escala muito maior do que a implantada contra a crise financeira de 2007-08. Essas operações entram em choque com os princípios básicos do neoliberalismo, na medida em que constituem uma intervenção regulatória maciça do Estado para refrear o mercado, enquanto a desregulamentação e a "sobrevivência do mais forte" do mercado são centrais para a ideologia neoliberal.

Eles também entram em conflito com a austeridade fiscal, mas este último preceito não é comum a todos os governos neoliberais. É um princípio sacrossanto na Europa, onde o neoliberalismo neoclássico britânico se misturou com o ordo-liberalismo alemão. Mas não faz parte de um consenso neoliberal nos Estados Unidos, onde paradoxalmente os democratas, acusados pelos republicanos de aderir ao “taxar e gastar” keynesiano, se tornaram os campeões da disciplina fiscal na era neoliberal, enquanto estes últimos desenvolveram desde Ronald Reagan uma política original de "cortar impostos (para os ricos) e aumentar os gastos (militares)" que resultou em enormes déficits federais.

O fato é que os governos neoliberais ocidentais violaram suas próprias doutrinas duas vezes - pela segunda vez em escala muito ampliada - por ocasião de duas crises sucessivas de uma magnitude que justificaram o rótulo afixado a cada uma delas, de “a pior desde a Grande Depressão” que começou nos Estados Unidos, em 1929. O atual Grande Lockdown, apelido que o FMI adotou para designar a enorme crise econômica resultante das consequências da pandemia de Covid-19, já chegou a profundidades muito maiores do que a Grande Recessão, nome que o FMI começou a usar em 2009 para a crise anterior[1]. A questão crucial agora é: quando a atual crise chegará ao fundo do poço e quanto tempo depois disso o mundo vai demorar para se recuperar dela? [2]

A magnitude do desastre econômico em curso é tamanho que reavivou e impulsionou a esperança de que levará a uma grande mudança global nas políticas e prioridades econômicas. Nesse sentido, Naomi Klein cita um dos principais inimigos do keynesianismo e colaboradores-chave da mudança neoliberal: Milton Friedman. No início e no final de um vídeo que ela produziu recentemente sobre "Coronavirus Capitalism-and How to Beat It", ela usa a mesma citação do livro Capitalismo e Liberdade de Friedman de 1962 que ela já usou duas vezes em seu livro The Shock Doctrine (pp. 6, 140): “Só uma crise - real ou percebida - produz mudanças reais. Quando essa crise ocorre, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão ao redor”.

Enquanto Klein havia usado essa citação no livro como uma pista do que ela chamou de "doutrina do choque", ela a cita positivamente no vídeo, comentando que “Friedman, um dos mais extremos economistas defensores do mercado livre da história, estava errado sobre muita coisa, mas ele estava certo sobre isso. Em tempos de crise, ideias aparentemente impossíveis se tornam possíveis de repente”. A noção de que posições progressistas como as defendidas por Klein e Bernie Sanders foram justificadas pela crise se tornou de fato generalizada - mesmo no Financial Times onde o editor associado Janan Ganesh escreveu uma peça de 18 de março intitulada “A visão de mundo do Sandres ganhou, mesmo que Bernie perca”. Um dia antes, a revista britânica pró-conservadora The Spectator estava convidando Boris Johnson a "pegar ideias emprestadas do manual de Corbyn" [3].

Para quem se lembra da crise econômica anterior, isto deve causar uma sensação de déjà vu. A expectativa então era bem mais forte, embora a crise atual seja muito maior, pois a Grande Recessão foi o primeiro grande choque global da era neoliberal e a primeira ocasião em que os governos neoliberais recorreram à intervenção maciça do Estado para refrear a crise. A [revista] Newsweek saiu em fevereiro de 2009 com uma capa que proclamava "Agora somos todos socialistas" [4]. Relê-lo hoje é bastante divertido: começa citando “o deputado de Indiana Mike Pence, presidente da Conferência Republicana da Câmara e inimigo feroz do projeto de lei de estímulo de quase US$ 1 trilhão do presidente Obama” e seu apresentador na Fox News, a epítome da fake news, descreveu o projeto de lei como "socialista".

O artigo da Newsweek comentou que essa acusação “parece estranhamente irrelevante. O governo dos EUA já - sob uma administração republicana conservadora - nacionalizou de forma eficaz as indústrias bancária e hipotecária”. Continuou cultivando o paradoxo: “A história tem senso de humor, pois o homem que lançou as bases para o mundo que Obama agora governa foi George W. Bush, que correu para socorrer o setor financeiro no outono passado com 700 bilhões de dólares. Bush encerrou a Era de Reagan; agora Obama foi mais longe, revertendo o fim do intervencionismo de Bill Clinton”.

Essa ilusão foi baseada na confusão entre um empréstimo pragmático e temporário do manual keynesiano, parafraseando The Spectator, e uma mudança radical nas políticas econômicas e sociais de longo prazo. Não durou muito na época, como o Ganesh do Financial Times não podia deixar de notar:

“Estamos nos estágios iniciais de uma das descontinuidades periódicas da história do pensamento econômico. A mais acentuada, talvez, desde as crises petrolíferas da OPEP, que elevou os defensores do livre mercado nos anos 70. Os leitores vão sugerir a recessão de 2008, após a qual uma biografia de John Maynard Keynes anunciou o ‘retorno do mestre’. Foi fugaz. Em pouco tempo, houve contenções fiscais em todo o mundo ocidental. Nos EUA, houve o movimento Tea Party, a castração do presidente Barack Obama por um Congresso Republicano e a incursão de seu sucessor sobre estado administrativo”.

“Desta vez parece diferente”, acrescentou Ganesh. Mas isso também é um sentimento recorrente. O caso mais recente ocorreu pouco antes da explosão da pandemia, quando Joseph Stiglitz, o conhecido ex-economista chefe do Banco Mundial, anunciou (depois de inúmeros outros) o “fim do neoliberalismo” [5]. Stiglitz também poderia ter escrito que “desta vez parece diferente” ao afirmar que “se a crise financeira de 2008 não nos fez perceber que os mercados sem restrições não funcionam, a crise climática certamente deveria: o neoliberalismo vai literalmente trazer um fim à nossa civilização”.

Compreensivelmente, a maior gravidade da atual crise econômica Covid-19, embora seja de muito menor significância histórica do que a crise climática, levou a muitos novos obituários do neoliberalismo - todos eles, infelizmente, bastante prematuros. Um zeloso colaborador neoliberal da revista de negócios Forbes confundiu-os com obituários do capitalismo ao lamentar que “os intelectuais de esquerda estão entusiasmados”, culpando-os pelo que ele acreditava ser “Schadenfreude” (o popular rir da desgraça alheia) [6]. No entanto, reconheceu que a crítica de esquerda ao neoliberalismo (capitalismo “puro”, no seu entendimento) ganhou terreno ao longo dos anos, chamando seus amigos neoliberais a ficarem “extra vigilantes”:

“Há doze anos, os anticapitalistas conseguiram reenquadrar a crise financeira - erroneamente - como uma crise do capitalismo. A falsa narrativa de que a crise financeira é resultado do fracasso do mercado e da desregulamentação se firmou, desde então, na mente da população em geral. E agora os intelectuais de esquerda estão novamente fazendo o máximo para reenquadrar a crise do Corona para justificar seus apelos a um estado todo-poderoso. Infelizmente, as chances de sucesso são realmente muito altas.”

Mas este neoliberal fervoroso foi excessivamente pessimista sobre o advento do "estado todo-poderoso"? Não exatamente, na visão de David Harvey, que concluiu seu longo artigo publicado na Jacobin em 20 de março com uma perspectiva distópica bastante surpreendente - não a perspectiva de um Estado socialista, mas a de um gigante trumpiano:

“o fardo de sair da atual crise econômica agora se desloca para os Estados Unidos e aqui está a ironia final: as únicas políticas que funcionarão, tanto econômica quanto politicamente, são muito mais socialistas do que qualquer coisa que Bernie Sanders possa propor e esses programas de resgate terão que ser iniciados sob a égide de Donald Trump, presumivelmente sob a máscara de Making America Great Again (tornar América grande de novo, espécie de lema trumpista). Todos aqueles republicanos que tão visceralmente se opuseram ao resgate de 2008 terão que morder a língua ou desafiar Donald Trump. Este último, se ele for sábio, cancelará as eleições em caráter de emergência e declarará a origem de uma presidência imperial para salvar o capital e o mundo do ‘motim e da revolução’”. [7]

Uma semana depois, Costas Lapavitsas seguiu os passos de Harvey em contradizer o otimismo injustificado da esquerda, embora com um cenário menos apocalíptico e sem ilusões sobre o fim do neoliberalismo à vista:

“Os princípios da ideologia neoliberal das últimas quatro décadas foram rapidamente postos de lado, e o Estado emergiu como o regulador da economia comandando um enorme poder. Não foi difícil para muitos da esquerda acolherem tal ação estatal, pensando que ela indicava o ‘retorno do keynesianismo’ e o toque de morte do neoliberalismo. Mas seria precipitado chegar a tais conclusões.

Por um lado, o Estado-nação sempre esteve no coração do capitalismo neoliberal, garantindo o domínio de classe do bloco corporativo e financeiro dominante por meio de intervenções seletivas em momentos críticos. Além disso, essas intervenções foram acompanhadas de medidas fortemente autoritárias, fechando as pessoas dentro de suas casas em massa e trancando enormes metrópoles. [...] O poder colossal do Estado e sua capacidade de intervir tanto na economia quanto na sociedade poderia resultar, por exemplo, em uma forma mais autoritária de capitalismo controlado, em que os interesses da elite empresarial e financeira seriam primordiais”. [8]

Estamos novamente diante dos dois opostos polares de otimismo e pessimismo, utopia e distopia, entre os quais a esquerda radical tem oscilado tradicionalmente. A verdade é que são principalmente projeções sobre o futuro de disposições individuais e/ou coletivas que se balançam de acordo com experiências políticas mutáveis. Assim, o humor da esquerda norte-americana certamente mudou consideravelmente da véspera da Super Terça-feira* de 3 de março para o dia seguinte, após a vitória de Biden nas primárias do partido Democrata - assim como mudou o humor da esquerda britânica entre a véspera de 12 de dezembro de 2019 e o dia seguinte, após o triunfo eleitoral de Boris Johnson.

No entanto, tanto a utopia quanto a distopia são componentes úteis da visão de mundo da esquerda, na medida em que sustentam os polos magnéticos do pessimismo e do otimismo, a cautela e o voluntarismo, o medo de uma retomada do passado fascista e a esperança de um futuro socialista verdadeiramente democrático, que motivam aqueles que se esforçam para mudar o mundo para um lugar melhor e mais justo. No entanto, o ponto em que o indicador se coloca no mundo real na longa gradação que separa a utopia da distopia não é determinado por condições objetivas. Estas constituem apenas os parâmetros dentro dos quais a classe e as lutas interseccionais devem prosseguir. As grandes mudanças no âmbito da política governamental são determinadas sobretudo pela luta social, no contexto das circunstâncias existentes.

Foi aqui que Milton Friedman se enganou. Quando a crise ocorre, as ações que são tomadas não “dependem das ideias que estão ao redor”. Com certeza, a luta em torno das ideias traduzidas em propostas políticas concretas é importante. E as medidas político-econômicas que acabam sendo implementadas certamente estão relacionadas às ideias que prevalecem - não na sociedade em geral, no entanto, mas no grupo social que dirige o governo. A semelhança entre a mudança do consenso keynesiano do pós-guerra para o neoliberalismo e o que Thomas Kuhn chamou de “mudança de paradigma” termina neste ponto. Pois, ao contrário das revoluções científicas que são o resultado dos avanços do conhecimento, as mudanças de paradigma – teórico ou mesmo meramente pragmático – na economia não são produto de alguma decisão coletiva intelectual.

Como disse Ernest Mandel em 1980, no início da era neoliberal, em seu As ondas longas do desenvolvimento capitalista (1ª edição; pp. 77-8 da 2ª edição):

“A reviravolta das academias de economia em direção à contrarrevolução anti-keynesiana não foi tanto um reconhecimento tardio das ameaças de longo prazo da inflação permanente. Essas ameaças já eram bem conhecidas muito antes do keynesianismo perder sua hegemonia entre os assessores econômicos dos governos burgueses e reformistas. Não era nem mesmo em sua essência um produto da inevitável aceleração da inflação... Era essencialmente um produto de uma mudança básica nas prioridades da classe capitalista na luta de classes.

A ‘contrarrevolução anti-keynesiana’ dos monetaristas, no campo da economia acadêmica, nada mais é do que a expressão ideológica dessa mudança de prioridade. Sem a restauração de longo prazo do desemprego estrutural crônico, sem a restauração do ‘senso de responsabilidade individual’ (isto é, sem cortes severos na seguridade social e nos serviços sociais), sem políticas generalizadas de austeridade (isto é, estagnação ou declínio dos salários reais), não pode haver uma rápida e acentuada restauração da taxa de lucro: essa é a nova sabedoria econômica. Não há nada de muito ‘científico’ nisso, mas há muito do que corresponde às necessidades imediatas e de longo prazo da classe capitalista, apesar de todas as referências à ciência objetiva”.

A mudança de paradigma neoliberal foi possibilitada pela constante deterioração do equilíbrio das forças de classe nos países ocidentais ao longo dos anos 70, com o desemprego em alta desde a recessão de 1973-75 e as investidas vitoriosas no movimento operário liderado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, no início dos anos 80. O grau de implementação da ‘contrarrevolução anti-keynesiana’ desde então em diferentes países depende não das diferenças intelectuais, mas do equilíbrio das forças sociais em cada país. Para uma ilustração oportuna em relação à saúde pública, basta comparar a Grã-Bretanha e a França, dois países com populações e PIBs aproximadamente iguais.

A média de custos de saúde é semelhante em ambos os países, longe dos custos extravagantes que inflacionam os gastos com a saúde nos EUA. Se tomarmos como indicador a remuneração média anual dos médicos, ela está atualmente em dólares americanos, $108.000 na França e $138.000 no Reino Unido (contra $313.000 nos EUA). Os enfermeiros registrados na França e no Reino Unido recebem, em média, salários anuais mais ou menos iguais [9]. Sucessivos governos neoliberais na França têm sido criticados por tentarem transferir parte dos gastos com saúde para os pacientes, e ainda assim a França permanece em uma posição muito melhor do que o Reino Unido em relação à saúde pública.

Segundo dados da OCDE, o gasto com saúde pelo governo tem flutuado, durante a última década, entre 8,5 e 9,5% do PIB na França, comparado a entre 6,9 e 7,8% na Grã-Bretanha. De 2010 a 2017, a França tem dedicado 0,6 a 0,7% de seu PIB ao investimento (formação bruta de capital) em seu sistema de saúde a cada ano, contra 0,3 a 0,4% para o Reino Unido [10]. Assim, não é surpreendente que o número de hospitais em 2017 tenha sido superior a 3000 na França contra menos de 2000 no Reino Unido, com um número total de leitos hospitalares próximo a 400.000 na França contra cerca de 168.000 no Reino Unido. Este número continuou a diminuir no Reino Unido durante a última década sob a liderança dos governos de Tory [11]. Quanto ao número de médicos, era mais de 211.000 na França em 2017, contra 185.700 no Reino Unido. Havia 10,8 enfermeiras por mil habitantes na França, em comparação com 7,8 na Grã-Bretanha [12].

Estes números mostram o quanto foi hipócrita e enganoso a campanha pelo Brexit de Boris Johnson usar o NHS como seu argumento central e assim colocar a culpa pelo mau estado do sistema de saúde britânico na União Europeia. No entanto, a diferença no estado da saúde pública entre a França e o Reino Unido não se deve a diferenças ideológicas entre os governantes de ambos os lados do Canal da Mancha. É a resistência social muito maior na França, e nada mais, que tem impedido os sucessivos governos do país de irem mais longe no caminho neoliberal.

No Reino Unido, nos serviços públicos onde a privatização por atacado não foi possível - como a que os conservadores conseguiram fazer nos setores de energia e transporte - por razões eleitorais ou econômicas, foram usadas táticas diferentes que encontraram muito pouca resistência. Na saúde pública foi uma redução dos gastos públicos aliada ao incentivo às camadas mais ricas da população de saírem do sistema público para planos privados de saúde, a fim de colocar progressivamente em prática um sistema de saúde de dois níveis, como nos EUA. No ensino superior, isso resultou na privatização da gestão (corporatização), por meio da substituição do financiamento público por um aumento maciço das mensalidades, criando assim ao longo do caminho uma geração que está entrando na vida profissional sobrecarregada por uma dívida significativa, novamente como nos EUA [13].

O resultado da atual crise econômica relacionada à pandemia também será determinado em todos os países pelo equilíbrio das forças sociais locais, no contexto do equilíbrio global. O mais provável resultado imediato não será uma das duas alternativas opostas, de um abandono espontâneo pós-keynesiano do neoliberalismo ou de um Gigante Trumpiano. Será provavelmente a tentativa dos governos neoliberais de transferir o peso da enorme dívida atualmente contraída para os trabalhadores, como fizeram após a Grande Recessão, deprimindo o poder de compra e a propensão para gastar dos povos, levando o mundo a um agravamento maior da atual estagnação secular, como advertiu Adam Tooze [14].

O historiador concluiu, com razão: “Faz sentido reivindicar, ao invés disso, um governo mais ativo, mais visionário para liderar a saída da crise. Mas a questão, é claro, é que forma isso vai tomar e que forças políticas vão controlá-lo”. Essa é, de fato, a questão. Com nossas vidas destroçadas pela crise dupla em curso e com plausível duração da crise econômica maior do que a pandemia, o que está mais imediatamente em jogo é determinar quem vai pagar pelo enorme custo humano e econômico da crise: aqueles que são os primeiros responsáveis pela magnitude desse custo, através de décadas de desmantelamento neoliberal da saúde pública e do Estado social e priorização dos lucros financeiros, ou o resto de nós, ou seja, a grande maioria do povo?

Podemos prever com segurança que os neoliberais serão unânimes em aumentar os gastos com a saúde pública, desde que com a certeza de beneficiar seus amigos empresários de saúde. Eles o farão, não por causa de uma súbita conversão para o favorecimento do estado de bem-estar ou porque se importam com patrimônio público, mas porque temem as consequências econômicas de uma nova pandemia ou de uma segunda rodada da atual. A questão é que estarão naturalmente inclinados a fazê-lo às custas de outros aspectos do interesse público, como educação, aposentadoria ou subsídio de desemprego, enquanto fazem com que os assalariados paguem – com medidas como congelamento ou até corte salarial – o custo de fazer as economias voltarem ao normal.

A luta mais urgente, portanto, é impedi-los de fazê-lo, da forma como os e as trabalhadoras francesas enfrentaram a investida de seus governos neoliberais em 1995 e 2019, ou seja, recorrendo à greve geral ou à ameaça dela. Esta luta será crucial na preparação do terreno para a derrota dos neoliberais nas mãos das forças sociais e políticas como as que têm estado por trás do movimento sindical na França, do Partido Trabalhista no Reino Unido e da campanha Sanders nos EUA. Só então ocorrerá um fim duradouro do neoliberalismo.

GILBERT ACHCAR é professor no SOAS, University of London. Seus livros mais recentes são: Marxism, Orientalism, Cosmopolitanism (2013), The People Want: A Radical Exploration of the Arab Uprising (2013), e Morbid Symptoms: Relapse in the Arab Uprising (2016). Tradução para o português de Hudson Valente.

* Tradicional dia das eleições primárias nos EUA em que a maioria dos estados vão as urnas. Geralmente um terço dos delegados são eleitos neste dia. Ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Super_Tuesday

Notas:

[1] IMF, 14 April 2020 “World Economic Outlook, April 2020 : The Great Lockdown” and IMF, 18 May 2009 ”“Overcoming the Great Recession...”->https://www.imf.org/en/News/Articles/2015/09/28/04/53/sp051809].

[2] New York TImes, 1 April 2020 “Why the Global Recession Could Last a Long Time”.

[3] Robert Peston, The Spectator, 17 March 2020 “Boris must borrow from Corbyn’s playbook to prevent a coronavirus crash”.

[4] Newsweek, 6 February 2009 “We Are All Socialists Now”.

[5] Social Europe, 26 November 2019 “The end of neoliberalism and the rebirth of history”.

[6] Forbes, 30 March 2020 “Left-Wing Intellectuals Are Thrilled: Corona And Dreams Of The End Of Capitalism”.

[7] Jacobin, 20 March 2020 “Anti-Capitalist Politics in the Time of COVID-19”.

[8] Jacobin, 27 March 2020 “This Crisis Has Exposed the Absurdities of Neoliberalism. That Doesn’t Mean It’ll Destroy It”.

[9] Salary Expert “Registered Nurse Salaries by Country”.

[10] OECD Stats “Health expenditure and financing”.

[11] The Guardian, 25 November 2019 “Hospital beds at record low in England as NHS struggles with demand ”.

[12] Nurses.co.uk “Number of practising nurses in UK considerably lower than other high-income countries”.

[13] In the United Kingdom health and education are “devolved” matters. Thus, in this context, speaking of the UK can be misleading. For example in Scotland there are no university tuition fees for Scottish and EU residents. IVP

[14] FP, 9 April 2020 “The Normal Economy Is Never Coming Back”.