O presidente foi assassinado em circunstâncias controversas, o seu círculo luta pelo poder e enfrenta várias guerrilhas num país rico em urânio, ouro e petróleo, mas com 90% da população na miséria. 

Guadi Calvo, Observatório Internacional / Esquerda.net, 27 de abril de 2021 

Apesar de ter perpetrado durante seus trinta anos no poder inúmeros crimes contra seu povo, a morte do Presidente Idriss Déby, anunciada na última terça-feira, 20 de abril, ainda é uma notícia trágica, não só para o Chade, mas para toda a região.

Em um comunicado oficial, o exército chadiano relatou a morte de seu líder na vila de Mele, perto da cidade de Nokou, capital da região de Nord Kanem, mais de 300 quilômetros ao norte de N’Djamena, a capital do país, na noite de domingo, durante a luta contra uma coluna de tropas rebeldes do Front pour l’alternance et la concorde au Tchad (Frente pela Alternativa e Concordância no Chade ou FACT), um grupo político-militar chadiano formado principalmente por ex-membros das forças armadas pertencentes ao grupo étnico Gorane, que haviam entrado no país no dia 11 após os resultados eleitorais serem conhecidos, vindos do sul da Líbia, onde haviam perdido seus “empregos”, juntamente com o Exército Nacional Líbio (LNA) do General Khalifa Hafther, obrigado a se afastar após os acordos de paz de Genebra em fevereiro passado.

Para alguns analistas a morte de Déby apresenta algumas dúvidas, já que o anúncio oficial fala de “morte em combate” enquanto alguns suspeitam do resultado de uma intriga “palaciana” e outras versões falam da morte ocorrida em uma reunião com os rebeldes do FACT, que, digamos, passou a ter maior repercussã.o.

A alternativa da morte na frente não é nada rebuscada, pois Déby, como presidente, participou de alguns confrontos contra os rebeldes, como os de fevereiro de 2008 em Massaguet, a cerca de oitenta quilômetros de N’Djamena, a capital do Chade, onde sua vida estava em jogo e onde o chefe de seu Estado-Maior General, General Daoud Soumaïn, morreu, e mais recentemente ele apareceu com seus homens em uma operação contra os grupos fundamentalistas nigerianos Boko Haram e o Willat da África Ocidental (ISWAP).

Além das verdadeiras circunstâncias de sua morte, Déby deixa o país em uma situação tão crítica como a encontrou quando encenou um golpe de Estado em um jogo sucessivo e trágico de mamushkas contra o presidente Hissène Habré, “o Pinochet africano”, em dezembro de 1990, que ele mesmo havia chegado ao poder através de uma revolta contra Goukouni Oueddei em 1979.

Déby, 68 anos, mal teve tempo para aproveitar o início de seu sexto mandato após vencer em 11 de abril passado por “apenas” 79,65%. Em sua campanha eleitoral não faltou repressão e assédio, como a rusga à casa de Yaya Djerou, ex-líder rebelde, sobrinho de Idriss Déby e membro do mesmo grupo étnico, os Zaghawa, que acusaram a agora viúva, Hinda Déby, de corrupção e desvio de fundos. A campanha também foi temperada por proibições da “Suprema Corte”, que anularam a participação de sete candidatos da oposição, fazendo com que outros três desistissem. Dadas as irregularidades, os líderes da oposição exigiram a anulação da eleição a fim de criar uma mesa de diálogo. A campanha Wakit Tama (Agora é a hora) foi lançada, mas não teve sucesso.

O círculo familiar e pessoal do presidente morto, que ocupa as principais posições políticas, econômicas e militares, são acusados de corrupção. O clima de repressão e instabilidade também foi temperado pelo uso da pandemia, o que permitiu ao governo estabelecer restrições destinadas a mobilizar os partidos de oposição.

Déby será substituído por seu filho, o general de quatro estrelas Mahamat “Kaka” Déby, 37 anos de idade, por volta da idade que seu pai tinha quando tomou o poder, o herdeiro será acompanhado pelo Conselho Transitório Militar (CMT) de catorze generais, o que, economizando tempo para ir à Constituição revisada em dezembro do ano passado, apenas para permitir que Déby permaneça no cargo até 2033, indica que em casos como este o presidente da Assembléia Nacional deve assumir interinamente.

Kaka, cujo batismo de fogo ocorreu na batalha de Am-Dam em 2009 contra uma coalizão rebelde no leste do país, é um profundo conhecedor dos bastidores do poder, já que seu pai o colocou em posições-chave, como comandante-chefe da Guarda Presidencial, ainda muito jovem; a direção geral dos serviços de segurança ou DGSSIE e o corpo de elite das Forças Armadas Chadianas, não apenas dissolveu o Governo, mas também fechou o Parlamento, decretou um toque de recolher e ordenou o fechamento da fronteira por 48 horas, Kaka também anunciou que uma transição para uma nova eleição “livre e democrática” de 18 meses, quando a Constituição dá 90 dias para fazer isso. Além disso, o luto nacional foi ordenado por duas semanas para homenagear o “egrégio” falecido.

De N’Djamena há relatos de tensões dentro do círculo de poder sobre a distribuição de papéis mais próxima do Tesouro do Estado que, embora rico devido às diferentes explorações de recursos naturais como urânio, ouro e petróleo, com uma produção de 130 mil barris de petróleo por dia, a miséria domina 90% dos 16 milhões de chadianos, presos em um país com os maiores índices de pobreza, onde milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia, 70% da população é analfabeta e 90% está desempregada.

Os níveis de saúde são tão alarmantes quanto os econômicos, onde de acordo com a ONU 8% dos bebês não sobrevivem ao primeiro ano e 20% não atingem a idade de cinco anos e nos adultos a média é de 53 anos de vida. No país, para cobrir a saúde de 16 milhões de pessoas, existem apenas uma centena de hospitais sem as condições mínimas para o atendimento prestado por apenas algumas centenas de médicos e profissionais. Em 2019 a Transparência Internacional encontrou o Chade entre os países mais corruptos do mundo, na 162ª posição (de 180), enquanto na lista de nações pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede valores como expectativa de vida, escolaridade ou PIB per capita, desnutrição, casamento infantil e violência contra menores, ele está na 187ª posição de 189

As frentes de guerra

Os últimos relatórios apontam para escândalos dentro do Palais Rose, a casa do governo em N’Djamena, entre Mahamat e seu meio-irmão, Zakaria, o braço direito de seu pai na administração do estado. No âmbito da sucessão presidencial, diferentes observadores apontaram Zakaria como o homem indicado durante as primeiras horas da morte do tirano. Embora o general Abderamane Dicko, que afirma representar a maioria das tropas, não aceitam a liderança de Mahamat, e a viúva do presidente Hinda Déby, uma colaboradora política próxima de seu marido e, de fato, seu ministro do petróleo, também estejam reivindicando seu lugar.

O General Déby, em suas três décadas de poder, conseguiu construir um exército que está entre os melhores do continente, tornando-o seu braço político mais poderoso, tanto para o interior do país quanto para as relações internacionais. Seus homens, com ajuda francesa, conseguiram derrotar as rebeliões de 2006, 2008 e 2019. Experiências que lhe permitiram em coordenação com o Grupo Sahel Cinco (GS5) (Burkina Faso, Mauritânia, Mali e Níger) onde mais de 1200 tropas chadianas participam e se articulam com as tropas das Nações Unidas, Estados Unidos e França com cinco mil homens da Operação Barkhane, cuja base está em N’Djamena, combatem grupos ligados à Al-Qaeda e Daesh, que desde 2012 se tornou um pesadelo para os países da região, e também participa da Missão Multidimensional de Estabilização Integrada das Nações Unidas em Mali (MINUSMA), com cerca de 1400 soldados.

A morte de Déby e a divisão interna pode ser vista como uma oportunidade para intensificar os ataques dos grupos takfiristas no nordeste do país e no noroeste dos diferentes grupos rebeldes, não fundamentalistas que, em busca de uma vitória sobre o poder militar, há meses iniciaram um processo de integração sob as bandeiras do FACT, que, dispostos a continuar com aquele ar de vitória que o desaparecimento de Déby lhes deu, advertiram os diferentes chefes de Estado para não participar dos funerais desta sexta-feira “por razões de segurança”. Apesar das ameaças, o presidente francês Emmanuel Macron, juntamente com uma dúzia de presidentes e primeiros-ministros africanos participaram do funeral sem mais delongas, o que também pode ser interpretado como um endosso para o jovem Mahamat.

Ninguém pode ter certeza de como a sucessão será finalmente resolvida, embora Paris, que apoiou sem protestar o déspota morto, responsável por milhares de desaparecimentos e mortes extrajudiciais e pela pilhagem de seu povo. Dados seus interesses logísticos e econômicos, o Eliseu, que realmente define, parece já ter dado seu veredicto.

A instabilidade com um novo governo não consolidado pode afetar profundamente o país, como já acontece com todos os seus vizinhos envolvidos em guerras civis como a Líbia e a República Centro-Africana, em meio à transição política como no Sudão, onde a violência armada também está aumentando em Darfur e Kordofan e a guerra contra o terrorismo Wahhabi no Níger, Nigéria e Camarões, o que poderia desencadear uma guerra civil no Chade com vários lados. Uma tempestade perfeita já está no horizonte.