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Chile: a Constituinte, de joelhos

22 de outubro de 2021

Meses atrás, eu disse que a Constituinte seria o túmulo dos movimentos. Estava errado. Na verdade, a luta popular está demonstrando os limites do processo iniciado em novembro de 2019 para desviar a luta das ruas para as instituições

Raúl Zibechi, La Jornada, 22-10-2021. A tradução é do Cepat.

A declaração dos estados de exceção no Chile e Equador é a melhor demonstração do fracasso das erroneamente chamadas democracias. No Equador, acontece depois que os Pandora Papers revelaram que o presidente Guillermo Lasso possui contas ocultas em paraísos fiscais e blinda militares e policiais de qualquer julgamento por suas ações.

No Chile, o presidente Sebastián Piñera envia soldados, tanques e helicópteros de guerra ao território mapuche, para impedir a recuperação de terras do movimento. O fato ocorre enquanto a Convenção Constituinte trabalha para redigir um texto que supere a carta herdada do regime de Pinochet.

O mais crítico é que a maioria de esquerda da Constituinte, os movimentos sociais que a integram e o setor dos povos originários que decidiram participar, quase nem fizeram declarações, sem tomar qualquer medida enérgica contra o estado de exceção.

Meses atrás, eu disse que a Constituinte seria o túmulo dos movimentos. Estava errado. Na verdade, a luta popular está demonstrando os limites do processo iniciado em novembro de 2019 para desviar a luta das ruas para as instituições.

No dia 12 de outubro, a Comunidade Autônoma de Temucuicui divulgou um comunicado onde dá nome à realidade em termos mais claros. “É a demonstração objetiva do fracasso da Convenção Constitucional e das cadeiras reservadas, onde a luta histórica do povo mapuche foi relativizada e reduzida a uma abstração de povos. Agora, em plena discussão e proclamação do Estado plurinacional, declarou-se oficialmente a militarização e a continuação do genocídio do qual o povo mapuche foi vítima de forma histórica”.

Em um comunicado de 16 de outubro, a Coordenação Arauco-Malleco reafirma sua linha histórica de recuperações com base no controle territorial e a transformação desses lugares, recuperando espaços vitais para a vida mapuche.

O texto, assinado por dezenas de comunidades, acrescenta que o inimigo é o grande capital extrativista inserido em nossos territórios e não igrejas, nem o campesinato comum, e considera que a militarização imposta por este governo fascista responde ao avanço substantivo do processo de recuperação política e territoriais.

Nos fatos, a declaração do estado de exceção pretende frear a recuperação de terras que vem se multiplicando nos dois últimos anos. De fato, nos primeiros meses de 2021, foram ocupadas cinco vezes mais terras do que no ano anterior e a mobilização do povo mapuche só se intensifica.

É possível tirar algumas conclusões dessa direção do Estado do Chile, da paralisia da Constituinte e da persistência das comunidades autônomas.

A primeira é que o governo de Sebastián Piñera e o Estado não encontram outros recursos a não ser repetir e aprofundar a militarização para resolver um conflito histórico. A médio e longo prazo, não alcançarão seus objetivos, como vem acontecendo toda vez que reprimem. Muito pelo contrário, resultará em mais apoio e solidariedade ao povo-nação mapuche.

A segunda consiste no fracasso da Convenção Constituinte. Por um lado, está sendo paralisada pela direita e a extrema direita que buscam o seu fracasso. Mas, sobretudo, pela fragilidade das e dos constituintes que estão à esquerda e dos movimentos sociais que não se atinam a tomar medidas drásticas, ao menos tão radicais como a decisão do governo de enviar o exército ao território mapuche.

Piñera seguiu a onda dos caminhoneiros que paralisaram a circulação no sul, exigindo medidas diante do avanço da sabotagem mapuche ao transporte. Uma associação ultradireitista que vive da pilhagem do território pelo modelo extrativo de grandes plantações de pinus para a exportação.

Mas o fracasso da convenção é, também, a derrota da grande manobra para direcionar a luta das ruas ao redil das instituições, empenho no qual se destacou Gabriel Boric, o candidato da esquerda à presidência nas próximas eleições de novembro. A rigor, Boric traiu a luta de milhões de pessoas contra o modelo pós-pinochetista, já que assinou um Acordo pela Paz Social e a nova Constituição, sem sequer consultar seu próprio partido.

A terceira conclusão, é a fundamental: como demonstra a ampla mobilização de 18 de outubro, no segundo aniversário da revolta, amplos setores da juventude chilena estão retomando o caminho das ruas para expressar sua rejeição ao neoliberalismo militarista chileno. Houve duas mortes, mas Boric condenou veementemente as destruições, saques e confrontos.

É evidente que caso chegue à presidência, irá seguir com o extrativismo, continuará militarizando o território mapuche e reprimirá com a mesma dureza aqueles que seguirem nas ruas.