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Christian Fuchs: O Capital de Marx na era da informação

31 de outubro de 2021

Christian Fuchs, sociólogo austríaco e atualmente pesquisador na Inglaterra, é um dos principais expoentes da economia política da comunicação. Aqui ele rastreia a importância da crítica da economia política para a teoria crítica da internet e dos media digitais e sustenta a necessidade de uma revolução comunicacional na teoria marxista.

Christian Fuchs, O comuneiro n. 32, março de 2021

1. Introdução 

O interesse geral nas obras de Marx aumentou significativamente desde o início da nova crise económica mundial em 2008. Enquanto antes era mais fácil descartar a relevância do capitalismo e da classe social, a sua relevância crucial dificilmente pode ser ignorada hoje em dia. Nesta situação, coloca-se também a questão de como ler Marx. Isto diz especialmente respeito ao livro de Marx mais lido, O Capital, Volume I, que a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) inscreveu em 2013 no Registo Memória do Mundo, juntamente com o Manifesto do Partido Comunista. Enquanto a edição alemã de O Capital que o editor Dietz distribui como parte das Marx Engels Werke (MEW) tinha vendido anualmente cerca de 500-750 exemplares, nos anos 1990-2007, este número aumentou para 5.000 em 2008 e situa-se agora regularmente em cerca de 1.500-2.000 (Meisner 2013). Em tempos de capitalismo digital, em que milhares de milhões utilizam Facebook, Google, Twitter, Weibo, iPhones, Spotify, banca em linha, sítios de notícias em linha e outros meios de comunicação social no trabalho, na política e na vida quotidiana, chegou o momento de ler O Capital de Marx a partir de uma perspetiva própria dos estudos dos media e da comunicação. 

2. Ler O Capital Volume I de Marx na era da informação 

Podemos interrogar-nos sobre a importância dos meios de comunicação e da Internet nos dias de hoje e se uma leitura orientada para os media e para a comunicação do Volume I de O Capital de Marx, tal como oferecido no livro Reading Marx in the Information Age: A Media and Communication Studies Perspective on Capital Volume I (Fuchs 2016d), é realmente justificada. Afirma-se frequentemente que toda esta conversa sobre a revolução digital e mediática é uma ideologia pura, que nos quer convencer de que entrámos numa sociedade da informação que substituiu o capitalismo. 

Na lista de 2015 da Forbes das 2.000 maiores corporações transnacionais (CTNs) do mundo, pode encontrar-se um total de 243 empresas de informação, o que equivale a 12 por cento. Estão localizadas nos setores da publicidade, radiodifusão e cabo, equipamentos de comunicações, retalho informático e eletrónico, hardware informático, serviços informáticos, dispositivos de armazenamento de computadores, eletrónica de consumo, eletrónica, retalho na Internet e por catálogo, impressão e publicação, semicondutores, software, programação e serviços de telecomunicações. A economia da informação constitui uma parte significativamente dimensionada do capitalismo global. Mas na mesma lista, encontram-se, por exemplo, 308 bancos (15%) que representam a maioria dos 2.000 maiores ativos de capital das CTNs. Assim, poder-se-ia facilmente argumentar que, mais do que uma perspetiva de estudos de media e da comunicação, precisamos de um manual com o título Reading Marx's Capital Volume I in the Financial Age. O capitalismo não é, contudo, homogéneo, mas uma unidade dialética diferenciada de diversos capitalismos. Não temos de decidir entre capitalismo da informação ou capitalismo financeiro (ou outros capitalismos, como o capitalismo hiper-industrial, o capitalismo móvel, etc.), mas sim de ver as múltiplas dimensões do capitalismo que se envolvem mutuamente (Fuchs 2014a: capítulo 5). A economia da informação está, ela própria, altamente financeirizada, como o demonstram, por exemplo, a crise dot-com do ano 2000 e os constantes fluxos de capitais de risco para Sillicon Valley. E a tecnologia da informação é um dos motores da financeirização, como indicado pelo comércio algorítmico, pelos algoritmos de pontuação de crédito ou as moedas digitais como o Bitcoin. O computador é uma máquina universal que, como tecnologia de informação em rede, afetou todos os domínios da vida quotidiana e não apenas a indústria, o trabalho e a economia. É uma tecnologia de convergência que, juntamente com outros desenvolvimentos sociais, tem avançado as tendências de convergência social da cultura e da economia, do tempo de trabalho e de lazer, da casa e do escritório, do consumo e da produção, do trabalho produtivo e improdutivo, do público e do privado (Fuchs 2015b). Ler O Capital de uma perspetiva de informação não se pode, portanto, limitar ao domínio das tecnologias e conteúdos dos meios de comunicação social, mas tem de ser alargado à comunicação na sociedade em geral. 

3. Comunicação(ões): Ainda o ponto cego na teoria marxista 

É um desenvolvimento positivo que os teóricos dos media e da cultura tenham publicado recentemente livros que nos recordam a importância das obras de Marx (ver, por exemplo, Eagleton 2011; Fornäs 2013; Fuchs 2014a; Jameson 2011). Terry Eagleton (2011) no seu livro Why Marx Was Right desconstrói dez mitos e preconceitos comuns sobre Marx. Ele conclui: 

“Marx via o socialismo como um aprofundamento da democracia, não como o seu inimigo. ...Não houve campeão mais firme da emancipação das mulheres, da paz mundial, da luta contra o fascismo ou da luta pela liberdade colonial do que o movimento político ao qual a sua obra deu origem. Alguma vez um pensador foi tão travestido?” (Eagleton 2011: 238-9) 

Numa época de elevado desemprego e elevados níveis de trabalho precário, especialmente entre os jovens, Frederic Jameson argumenta no seu livro Representing Capital: A Reading of Volume I (Representando O Capital: Uma leitura do Volume I) que O Capital “não é um livro sobre política, e nem sequer um livro sobre trabalho, é um livro sobre desemprego” (Jameson 2011: 2). Ele conclui que Marx hoje nos ajuda a “ser novamente comprometidos com a invenção de um novo tipo de política transformadora à escala global” (Jameson 2011: 151). A análise cultural marxista, tanto de Eagleton como de Jameson, tem-se centrado predominantemente na literatura. Eles não se empenharam muito na análise de outras formas populares de cultura e cultura mediatizada, ou seja, no papel dos meios de comunicação social na sociedade. Eagleton (2013) escreveu mesmo explicitamente sobre o facto de não utilizar o correio eletrónico e a Internet: 

“Em breve serei o único VEM (virgem no e-mail) que resta no país. Nunca enviei um e-mail, embora ocasionalmente tenha feito batota e pedido ao meu filho adolescente que o fizesse por mim. Também nunca utilizei a Internet. (…) Na minha opinião, a Internet é realmente um dispositivo antimoderno, para nos atrasar a todos, devolvendo-nos aos ritmos de uma civilização mais antiga e mais tranquila”. 

Johan Fornäs, um estudioso sueco dos media e dos estudos culturais, em contraste com Eagleton e Jameson, analisou culturas juvenis, cenas musicais, e outras formas de cultura popular e mediatizada. Tal como Jameson e Eagleton, ele publicou recentemente um livro sobre Marx: Capitalism: A Companion to Marx’s Economic Critique (Capitalismo: Um Companheiro para a Crítica da Economia de Marx). Esta obra fornece uma introdução aos três volumes de O Capital. Fornäs conclui: "A crítica dialética de Marx ao fetichismo das mercadorias e às relações de classe capitalistas continua a ser um modelo privilegiado para a compreensão de outras contradições da vida social tardo-moderna" (Fornäs 2013: 306; para uma discussão detalhada do livro do Fornäs, ler Fuchs 2013). É um desenvolvimento importante que os analistas culturais e dos media escrevam livros sobre Marx e nos relembrem da importância das suas obras. No entanto, é também um pouco surpreendente que Jameson, Eagleton e Fornäs, nestes livros, não se baseiem profundamente nos seus conhecimentos sobre meios de comunicação e cultura. Todos os três livros são introduções ou interpretações bastante gerais da crítica de Marx à Economia Política, o que cria a impressão de que a economia e a cultura são reinos independentes. 

Continua a haver necessidade de ler Marx de uma perspetiva dos estudos dos media, da comunicação e da cultura, o que nos poderá ajudar a compreender melhor a dialética da cultura e da economia: A cultura e a economia são idênticas e não idênticas ao mesmo tempo. Toda a cultura é produzida em processos de trabalho específicos. Mas a cultura não é apenas um fenómeno económico, tendo qualidades emergentes; os seus significados têm efeitos sobre toda a sociedade. 

As dimensões dos media, da comunicação, da cultura, do digital e da Internet não são muitas vezes levadas suficientemente a sério na teoria marxista, embora sejam fenómenos significativos do capitalismo contemporâneo. Em livros, guias de leitura, revistas, conferências, painéis e palestras marxistas, tais questões não figuram de todo, ou surgem muito raramente, apenas como exceções à regra de serem ignoradas. A título de exemplo: os títulos dos artigos publicados na revista Historical Materialism, nos anos 2006-14, mencionavam apenas três vezes palavras-chave relacionadas com a comunicação (1). Esta situação está certamente a mudar lentamente, mas ainda há algum caminho a percorrer até que a maioria dos teóricos marxistas considere a comunicação já não como uma superestrutura e secundária. A perceção de Raymond Williams de que "modos de consciência”, tais como linguagem, informação, comunicação, arte e cultura popular, “são materiais” (Williams 1977: 190) ainda não se difundiu adequadamente até agora na teoria marxista. Dallas W. Smythe, que desenvolveu o primeiro módulo universitário de economia política da comunicação no final dos anos 1940, argumentou em 1977, no mesmo ano em que Raymond Williams publicou Marxism and Literature (Marxismo e Literatura), que os “meios de comunicação e instituições relacionadas” representam “um ponto cego na teoria marxista” (Smythe 1977: 1). Quase 40 anos mais tarde, a situação não mudou fundamentalmente. 

4. A Economia Política da Comunicação 

Existe, contudo, uma tradição mais longa de economia política marxista da comunicação, que se estabeleceu dentro do campo académico dos estudos dos media e da comunicação, juntamente com livros didáticos (Hardy 2014; Mosco 2009), instituições como a Secção de Economia Política da International Association for Media and Communication Research - IAMCR, manuais (Wasko et al. 2011), coleções (Fuchs & Mosco 2012; Golding & Murdock 1997; Mattelart & Siegelaub 1979, 1983), bem como revistas como a tripleC: Communication, Capitalism & Critique ou The Political Economy of Communication. 

A economista política da comunicação Janet Wasko (2014: 261) conclui numa revisão do desenvolvimento deste campo de estudos no século XXI: "Estudar a economia política da comunicação já não é uma abordagem marginal nos estudos dos media e da comunicação em muitas partes do mundo”. O marxismo, após muitas décadas, teve um impacto importante no campo dos estudos dos media e da comunicação, o que é uma boa notícia. A má notícia, contudo, é que esta circunstância dificilmente foi registada e reconhecida dentro da teoria marxista em geral. Enquanto os trabalhos dos teóricos marxistas são regularmente lidos, citados e aplicados pelos estudiosos da comunicação marxistas, o oposto não é verdade. Quero ilustrar este facto com um exemplo. 

Na Grã-Bretanha, a economia política marxista dos media, comunicação e cultura remonta a um artigo seminal de Graham Murdock e Peter Golding publicado em 1973. Eles definiram como ponto de partida para tais análises "o reconhecimento de que os meios de comunicação social são, antes de mais, organizações industriais e comerciais que produzem e distribuem mercadorias" (Murdock & Golding 1973: 205-6). Salientam que os meios de comunicação social "também divulgam ideias sobre as estruturas económicas e políticas. É nesta segunda e ideológica dimensão da produção de comunicação social que lhe confere a sua importância e centralidade, requerendo uma abordagem não só em termos económicos mas também políticos" (Murdock & Golding 1973: 206-7). 

Em 2013, 40 anos mais tarde, Ngai-Ling Sum e Bob Jessop (2013) publicaram o livro Toward a Cultural Political Economy: Putting Culture in the place of Political Economy. O seu objetivo foi introduzir a cultura nas abordagens da Economia Política, tais como a da Escola da Regulação, que tradicionalmente ignorou esta dimensão da sociedade e se concentrou na interação de regimes de acumulação e modos de regulação. O livro faz, portanto, parte de um projeto para ir além da abordagem da regulação. Os dois autores ignoram completamente e não parecem estar cientes da existência da tradição britânica de estudo marxista da economia política dos media, da cultura e da comunicação social. As obras de Murdock, Golding e académicos afins desta área não são mencionadas uma única vez. 

Raymond Williams é uma exceção: Sum e Jessop discutem algumas das suas obras. O materialismo cultural de Williams situa-se na fronteira entre os estudos culturais marxistas, que tiveram origem nas humanidades e os estudos marxistas dos media e da comunicação, que tradicionalmente têm estado mais situados nas ciências sociais. É, contudo, óbvio que Jessop e Sum leram Williams apenas superficialmente. Argumentam, por exemplo, que Williams "colocou a cultura «dentro» da base económica o que, de facto, quer Williams o reconheça ou não, marca um regresso ao Marx e Engels de A Ideologia Alemã" (Sum & Jessop 2013: 117). Fica-se com a impressão de que Sum e Jessop assumem que Williams tem uma abordagem interessante mas não se envolveu o suficiente com as obras de Marx. Tal suposição baseia-se, contudo, numa leitura de Williams que não é suficientemente minuciosa. Obras como Marxism and Literature (Williams 1977) e Marx on Culture (Marx sobre Cultura) (Williams 1989: 195-225) estão entre as discussões mais aprofundadas das ideias de Marx sobre cultura, incluindo as expressas em A Ideologia Alemã. Estas obras mostram que Williams não foi apenas um leitor sistemático de Marx, mas que se envolveu profundamente com o significado das suas obras, frase a frase. Williams discute em pormenor os significados que termos específicos como ideologia e cultura assumem nos escritos de Marx. Sum e Jessop não mencionam nenhuma destas duas obras. Também ignoram (Sum & Jessop 2013: 120, quadro 3.1) que Williams não utilizou apenas Gramsci para introduzir a noção das estruturas de sentimento, mas que também utilizou o conceito de hegemonia de Gramsci para conceptualizar o papel da cultura na sociedade (Williams 1977: 108-14). 

O título Toward a Cultural Political Economy (Rumo a uma Economia Política Cultural) implica que tal abordagem ainda não foi estabelecida, o que só piora as coisas: Décadas de estudos marxistas na economia política da comunicação e da cultura são indiretamente declarados como inexistentes. Perguntamo-nos como é possível uma tal falta de envolvimento. A única resposta é que Sum e Jessop não levam a sério os estudos dos media e da comunicação. E esta circunstância é um padrão mais geral dentro da teoria marxista. O campo dos estudos dos media, da comunicação e da cultura é frequentemente visto como sendo uma coisa ligeira, superestrutural e secundária, não verdadeiramente parte da teoria marxista. Esta é uma das razões pelas quais precisamos de um manual de leitura do Volume I de O Capital de Marx orientado para os media e a comunicação. Tal livro terá por objetivo sugerir às pessoas interessadas em Marx que a comunicação e os media são importantes para a compreensão do capitalismo, do mesmo modo que o capitalismo é importante para a compreensão da(s) comunicação(ões). 

5. A Economia Política e a Teoria Crítica da Internet e dos Media Digitais 

Desde o surgimento da World Wide Web (WWW) em meados dos anos 1990, os estudos da Internet tornaram-se um campo interdisciplinar distinto (Consalvo & Ess 2012) que analisa a mútua formação da Internet, por um lado, e dos seres humanos em sociedade, por outro. Os estudos sobre a Internet são, em geral, um campo de investigação bastante positivista e administrativo. No entanto, tem havido, especialmente nos últimos quinze anos, um número crescente de teóricos e investigadores críticos e marxistas que se têm empenhado em analisar os meios digitais e o papel da Internet na sociedade capitalista. 

Em 1999, Nick Dyer-Witheford publicou o livro Cyber-Marx, no qual mostra a importância da teoria de Marx para compreender criticamente as contradições da Internet no capitalismo e as lutas na era digital. Dyer-Witheford (1999: 2) propõe um "marxismo para o Marx do motor da diferença". Os media digitais são, no capitalismo digital, altamente contraditórios. Para compreender as relações complexas do antigo e do novo, as oportunidades e riscos, continuidades e descontinuidades, agência e estruturas, produção e consumo, o privado e o público, trabalho e diversão, tempo de lazer e de trabalho, a mercadoria e os bens comuns, etc., na era da Internet, a teoria dialética de Marx é bem adequada como fundação. Por conseguinte, pode não ser coincidência que Marx tenha sido uma referência importante nas teorias sobre a Internet. Nas suas obras, Marx elaborou uma análise dialética da tecnologia no capitalismo, analisou os novos meios de comunicação do seu tempo (como o telégrafo), apontou a importância dos meios de comunicação na organização, aceleração e globalização do capitalismo, discutiu a liberdade de imprensa e os seus limites numa sociedade capitalista, antecipou a emergência de uma economia e sociedade da informação na sua análise do intelecto geral, e foi ele próprio um jornalista de investigação praticante, cujas críticas e polémicas agudas podem ainda hoje inspirar escritos críticos. Marx foi, ele próprio, não apenas um crítico do capitalismo, mas também um sociólogo crítico dos media e das comunicações, o que é outra razão pela qual os teóricos críticos da Internet encontraram interesse nas suas obras. 

Na sua obra Grundrisse, Marx (1857/58: 161) descreveu uma rede global de informação na qual "todos tentam informar-se a si próprios" sobre outros e "são introduzidas ligações”. Tal descrição não só soa como uma antecipação do conceito da Internet, como é também uma indicação de que o pensamento de Marx é relevante para os estudos dos media/comunicação e para o estudo da Internet e dos meios de comunicação social. Esta passagem nos Grundrisse é uma indicação de que embora a Internet como tecnologia fosse um produto da Guerra Fria e da contracultura californiana, Marx já antecipava o seu conceito no século XIX: Karl Marx inventou a Internet! 

Quando Vincent Mosco e eu próprio fizemos uma chamada de artigos para uma edição especial da revista tripleC: Communication, Capitalism & Critique com o título "Marx está de volta: A importância da teoria e da pesquisa marxista para os estudos críticos da comunicação hoje", não só recebemos um grande número de submissões de resumos, como também uma parte deles estava centrada em estudos marxistas da Internet e dos media digitais. O número foi publicado em 2012 (Fuchs & Mosco 2012). Em 2016, publicámos uma versão revista das contribuições dessa edição especial combinada com alguns artigos adicionais, como dois livros com um total de 1.200 páginas: Marx and the Political Economy of the Media (Fuchs & Mosco 2016a) e Marx in the Age of Digital Capitalism (Fuchs & Mosco 2016b). Dezasseis dos trinta e quatro capítulos concentram-se na análise marxista dos meios de comunicação social digitais. Constituem todo o segundo volume, o que é uma indicação de que os media digitais são um tema predominante na análise marxista dos media e da comunicação. 

Os tópicos importantes na análise marxista dos media digitais e da Internet incluem (ver Fuchs 2012 para uma discussão detalhada): 1) a dialética da Internet; 2) o capitalismo digital; 3) a mercantilização e as formas mercantis dos media digitais; 4) o trabalho, a mais-valia, a exploração, a alienação e a classe social na era digital; 5) a globalização e a Internet; 6) as ideologias da e na Internet; 7) as lutas de classe digitais; 8) os bens comuns digitais; 9) a esfera pública digital; 10) os media digitais e o comunismo; e 11) a estética dos media digitais. Estudos exemplares em livro no campo do marxismo digital incluem análises de topografia em linha (Andrejevic 2007), a história do computador e da Internet (Barbrook 2007), ideologias da Internet (Dean 2010; Fisher 2010; Mosco 2004), jogos de computador (Dyer-Witheford & De Peuter 2009), o ciber-tariado (Huws 2003), capitalismo digital (Schiller 2000), cultura de hacking (Söderberg 2008; Wark 2004), meios de comunicação social (Fuchs 2015b, 2017c), trabalho digital (Dyer-Witheford 2015; Fuchs 2014a; Huws 2015), computação em nuvem (Mosco 2014), produção digital entre pares (Moore & Karatzogianni 2009), etc.. 

Uma largo espectro de abordagens teóricas marxistas tem sido utilizado para o estudo dos media digitais, incluindo o marxismo autonomista, estudos culturais britânicos, teorias marxistas da crise, materialismo cultural, a Escola de Frankfurt, filosofia da práxis de Gramsci, marxismo humanista, teoria do processo de trabalho, marxismo freudiano, marxismo hegeliano, teoria do valor do trabalho, feminismo marxista, geografia marxista, teoria do capitalismo monopolista, teoria pós-colonialista, pós-marxismo, teoria do trabalho de audiência de Smythe, situacionismo, marxismo estrutural, teorias do imperialismo e do novo imperialismo, etc.. A questão é que não existe uma melhor interpretação e leitura de Marx para compreender criticamente a Internet e os media digitais. Dever-se-ia antes, numa abordagem aberta, valorizar a diversidade no marxismo digital e das comunicações e fomentar a solidariedade e a ajuda mútua entre os seus representantes, porque ser um estudioso marxista significa, muitas vezes, ter de enfrentar várias formas de repressão (Lent & Amazeen 2015). 

O estudo marxista da Internet e da comunicação é certamente um campo vívido que, no entanto, muitas vezes não é levado suficientemente a sério na teoria marxista e na política em geral. Os media, a comunicação, a cultura e o digital são, portanto, na melhor das hipóteses, notas secundárias ou completamente ignoradas na maioria das publicações marxistas. A seguir discutirei dois exemplos proeminentes. 

6. Leitura de Marx com David Harvey e Michael Heinrich 

Marx (1867: 89) reconheceu as dificuldades que a leitura de O Capital pode trazer: "Os começos são sempre difíceis em todas as ciências. A compreensão do primeiro capítulo, especialmente a secção que contém a análise das mercadorias, apresentará, portanto, a maior dificuldade”. É mais fácil ler e discutir O Capital num grupo e utilizar um companheiro que oriente a leitura. Os livros de acompanhamento de leitura (“Companion”) de O Capital de Marx servem um propósito bastante prático. Destinam-se a ser lidos em conjunto e a apoiar a compreensão crítica do capitalismo que Marx desenvolve passo a passo. 

Dois guias recentes de O Capital de Marx são A Companion to Marx's Capital de David Harvey (2010, 2013) e a tradução inglesa da obra de Michael Heinrich Uma introdução aos três volumes de O Capital de Karl Marx (2012) que foi publicada pela primeira vez em alemão em 2004. O livro de Heinrich é uma breve introdução que consiste em doze capítulos que se centram em categorias chave como o capitalismo, a crítica da economia política, o valor/trabalho/dinheiro/capital/mais-valia/exploração, lucro, crise, comunismo, etc. O problema com esta estrutura é que a maioria dos leitores se envolve com O Capital de Marx de uma forma sequencial, lendo-o capítulo por capítulo. Um companheiro só é, portanto, útil, se for escrito como um guia de leitura capítulo a capítulo. 

Harvey, ao contrário de Heinrich, em parte vai discutindo O Capital capítulo a capítulo. Há, contudo, alguns desvios desnecessários desta abordagem: Ele discute os capítulos 8 e 9 do Volume I numa secção, o que torna impossível ver que categorias e discussões pertencem a qual dos dois capítulos. Ele faz o mesmo para os capítulos 19-22. Salta também os capítulos 17 e 18 com a observação de que "não colocam questões substanciais" (Harvey 2010: 240). O que Harvey realmente quer dizer é que para a sua interpretação particular da teoria marxista, estes capítulos não levantam questões substanciais. No meu próprio guia de leitura do Volume I de O Capital, saliento que estes capítulos são úteis para ilustrar como pensar sobre a taxa de lucro, a taxa de mais-valia, o trabalho remunerado e não remunerado nas indústrias da informação. 

As diferentes leituras de O Capital têm diversas prioridades, que surgem do facto de a teoria marxista ser uma abordagem ampla que une diferentes escolas e tradições, que dão a conhecer diferentes aspetos da crítica do capitalismo e da sociedade de classes. Harvey resume os capítulos 26-33 como parte de um capítulo. Esta opção é certamente apropriada porque, na edição alemã, Marx trata os capítulos 26-32 como um longo capítulo sobre acumulação primitiva que tem sete secções. No seu A Companion to Marx's Capital Volume 2, Harvey resume os capítulos dos Volumes II e III de O Capital em onze capítulos. 

Tanto os livros de Harvey como o de Heinrich são interpretações particulares de O Capital de Marx. O feito de Harvey, conseguido ao longo de toda a sua vida, foi ter aberto a teoria marxista ao envolvimento com questões de geografia. O espaço, o global, a terra e o urbano tornaram-se hoje em dia tópicos importantes na teorização marxista graças a Harvey e outros. Harvey criou a sensibilidade de que, para uma compreensão marxista do capitalismo e da sociedade, não interessam apenas questões relacionadas com o tempo, tais como o tempo de trabalho e a teoria do valor do trabalho. Também o espaço e a geografia são de importância fundamental. O espaço e o tempo estão ligados dialeticamente. O livro de Harvey de acompanhamento à leitura do Volume I discute, com relativa frequência, aspetos ligados à geografia e ao espaço, o que reflete a sua própria posição como geógrafo marxista. O espaço é uma categoria importante para uma teoria crítica do capitalismo. Mas também o são a comunicação e as tecnologias da comunicação (aquilo que Marx denominou de meios de comunicação). 

7. Comunicação(ões) nas obras de David Harvey e no seu Manual de Leitura de O Capital de Marx 

Harvey sempre deu atenção ao papel da tecnologia no capitalismo. Em The Limits to Capital, publicado originalmente em 1982, o capítulo 8 tem como título "Capital Fixo" (Harvey 1982/2006: 204-38). O capítulo 4 centra-se em "Mudança Tecnológica, o Processo Laboral e a Composição de Valor do Capital" (Harvey 1982/2006: 98-136). 

“A análise de Marx sobre as contraditórias "leis do movimento" do capitalismo assenta fortemente na compreensão das correntes de fluxo rápido e das profundas perturbações associadas à mudança tecnológica. Embora a conceção de Marx da tecnologia seja muito ampla, ele atribui uma certa prioridade aos instrumentos de trabalho - em particular a maquinaria - como principais armas na luta para preservar a acumulação de capital. Tais instrumentos de trabalho podem ser utilizados na luta competitiva pela mais-valia relativa, para aumentar a produtividade física e de valor da força de trabalho e para reduzir a procura de mão-de-obra (empurrando assim os níveis salariais para baixo através da formação de um exército de reserva industrial). Podem também ser utilizados para impor o poder do trabalho "morto” passado sobre o trabalho vivo, no processo de trabalho, com todo o tipo de consequências para o operário...  Estas são armas espantosas que os capitalistas podem manejar uma vez que estes últimos tenham assumido o controlo sobre os meios de produção.” (Harvey 1982/2006: 204) 

Em A Companion to Marx's Capital, Harvey dedica os capítulos 7 e 8 e um total de 46 páginas ao capítulo 15 do Volume I de O Capital, o capítulo tecnológico "Máquinas e Indústria de Grande Escala" (Harvey 2010a: 189-235). A conclusão de Harvey sobre o capítulo 15 do Volume I de O Capital é que Marx 

“acredita claramente que a aplicação da ciência e da tecnologia pode ter implicações progressivas. Mas o grande problema neste capítulo é descobrir onde, exatamente, é que estas possibilidades progressivas podem residir e como podem ser mobilizadas na busca de criar um modo de produção socialista. ...As mudanças tecnológicas e organizacionais não são um deus ex machina, mas sim profundamente enraizadas na coevolução da nossa relação com a natureza, processos de produção, relações sociais, conceções mentais do mundo e a reprodução da vida quotidiana.” (Harvey 2010a: 234-5) 

Que a tecnologia se relaciona com conceitos mentais significa, por um lado, que no capitalismo assume frequentemente a forma ideológica de um fetiche tecnológico, como no determinismo tecnológico. Mas os aspetos mentais da tecnologia também se referem ao facto de as tecnologias de informação e comunicação serem meios de distribuição de dados e conhecimentos através de distâncias espaciotemporais, ajudando assim a organizar as relações sociais (incluindo as relações capital e as relações capital-trabalho). Harvey tem repetidamente dado atenção às tecnologias de comunicação como atributos do espaço. 

Assim, por exemplo, em The Limits to Capital, ele escreve que "os sistemas de transporte e comunicação, esticados em redes de grande alcance em todo o mundo, permitem que informações e ideias, bem como bens materiais e mesmo força de trabalho, se movimentem com relativa facilidade" (Harvey 1982/2006: 373). O conceito de Harvey de compressão do espaço-tempo situa-se na intersecção do conceito de espaço e dos conceitos dos meios de comunicação e de meios de transporte: 

“[Há uma] história de sucessivas ondas de compressão do espaço-tempo geradas a partir das pressões da acumulação de capital com a sua perpétua busca de aniquilamento do espaço através do tempo e de redução do tempo de rotação.” (Harvey 1989: 306-7) 

A ascensão do regime de acumulação flexível do capitalismo, desde meados dos anos 1970, implicou 

“uma nova ronda daquilo a que chamarei "compressão do espaço-tempo"... no mundo capitalista - os horizontes temporais das decisões tanto privadas como públicas diminuíram, enquanto que as comunicações por satélite e a diminuição dos custos de transporte tornaram cada vez mais possível espalhar imediatamente essas decisões por um espaço cada vez mais amplo e variado.” (Harvey 1989: 147) 

“A acumulação de capital tem sido sempre uma questão de aceleração (considere a história das inovações tecnológicas nos processos de produção, marketing, câmbios de moeda) e de revoluções nos transportes e nas comunicações (o caminho-de-ferro e o telégrafo, o rádio e o automóvel, o transporte por jato e as telecomunicações), que têm o efeito de reduzir as barreiras espaciais. A experiência do tempo e do espaço tem sido periodicamente transformada radicalmente. Vemos um exemplo particularmente forte deste tipo de transformação radical desde à volta de 1970: o impacto das telecomunicações, o transporte de carga por jato, a contentorização do transporte rodoviário, ferroviário e marítimo, o desenvolvimento dos mercados de futuros, a banca eletrónica e os sistemas de produção informatizados. Temos passado recentemente por uma fase forte do que eu chamo 'compressão espaciotemporal': o mundo de repente sente-se muito mais pequeno, e os tempos de espera sobre os quais podemos pensar na ação social tornam-se muito mais curtos.” (Harvey 2001: 123) 

Mais recentemente, Harvey também comentou em passagens únicas o papel das redes sociais e do trabalho digital no capitalismo contemporâneo: "o capital mobiliza os consumidores para produzirem o seu próprio espetáculo através do YouTube, Facebook, Twitter e outras formas de redes sociais" (Harvey 2014: 236). "É também interessante que alguns dos sectores mais vigorosos do desenvolvimento do nosso tempo - como o Google e o Facebook e o resto do sector do trabalho digital - tenham crescido muito rapidamente à custa do trabalho gratuito" (Harvey 2017: 102). 

“O que foi inicialmente concebido como um regime "libertador" de produção colaborativa de um acesso aberto a bens comuns foi transformado num regime de hiperexploração sobre o qual o capital se alimenta livremente. A pilhagem desenfreada pelo grande capital (como a Amazon e a Google) dos bens gratuitos produzidos por uma força de trabalho autodidata tornou-se uma característica importante do nosso tempo.” (Harvey 2017: 96) 

Harvey deixa de lado os processos económicos exatos da forma como as corporações dos media sociais utilizam a publicidade direcionada como modelo de acumulação de capital. Mas há que ter em consideração que ele trabalha numa teoria geral do capitalismo. Deve certamente ser visto positivamente que ele reconheça a relevância da dimensão digital do capitalismo. Harvey sublinha que o capitalismo cognitivo não é uma fase radicalmente nova do capitalismo ou da sociedade, pois requer formas de trabalho mais antigas, como o trabalho de montagem (para uma análise detalhada da divisão internacional do trabalho digital, ver Fuchs 2014a, 2016b): 

“Daí a afirmação de que estamos a entrar numa nova fase do capitalismo em que o conhecimento é preeminente e em que uma brilhante tecno-utopia baseada nesse conhecimento e em todas as suas inovações em matéria de poupança de trabalho (como a automatização e a inteligência artificial) está mesmo ao virar da esquina ou, como defende Paul Mason, já aqui. Uma tal redefinição pode parecer correta do ponto de vista de Silicon Valley, mas cai pela base em face das fábricas em colapso do Bangladesh e nas zonas de emprego infestadas de suicídio tanto da Shenzhen industrial como da Índia rural, onde as microfinanças espalharam a sua rede para fomentar a mãe de todas as crises de empréstimos sub-prime.” (Harvey 2017: 104) 

Contrariando a assunção tecno-determinista e tecno-otimista de que as rebeliões e revoluções da Primavera Árabe foram revoltas nas redes sociais, David Harvey comenta que a Primavera Árabe e o movimento Occupy mostram que "são os corpos na rua e nas praças, e não o balbuciar de sentimentos no Twitter ou no Facebook, que realmente importam" (Harvey 2012: 162). Estudos empíricos (Fuchs 2014b) demonstraram que tanto os relatos tecno-deterministas como os tecno-ignorantes do papel das redes sociais nas lutas sociais são unidimensionais: Não é verdade que os ativistas nas ocupações tendam a comunicar seja cara a cara ou através das redes sociais. Eles fazem ambas as coisas. Não há nenhum binário entre a comunicação online e offline do protesto. E ainda mais do que isto, tende a haver uma dialética reforçada de comunicação presencial e via digital: Quanto mais ativos são os manifestantes em ocupações e demonstrações, maior tende a ser a sua rede social entre os ativistas, mais se envolvem face a face com outros ativistas, o que é também um incentivo para levar a comunicação, organização e mobilização dos protestos aos meios de comunicação social. As praças ocupadas são espaços sociais que são construídos, reproduzidos, desenvolvidos e defendidos em e através de relações sociais comunicativas que têm lugar offline e online e como um emaranhado dialético de ambos. Existe uma dialética complexa de comunicação e sociedade. 

Numa passagem em A Companion to Marx's Capital, David Harvey pergunta, "você precisa realmente de um telemóvel hoje em dia?” (Harvey 2010a: 106). A resposta, para cerca de 5 mil milhões de pessoas no mundo é: Sim, definitivamente! A questão não é desafiar o telemóvel como tal, mas a organização capitalista da mobilidade que faz com que as pessoas desempenhem trabalho produtivo quase a qualquer momento, a partir de qualquer lugar, fazendo cair as fronteiras entre o lazer e o trabalho, bem como as condições de produção exploradora dos telemóveis na divisão internacional do trabalho do capitalismo. A convergência do trabalho e do tempo livre não é automaticamente um problema em si, se isso significar que o trabalho se torna mais lúdico, social e autodeterminado. O problema, sob o neoliberalismo e o capitalismo, é, no entanto, que o trabalho produtivo tende a entrar e a absorver o tempo de lazer e não o contrário, resultando daí numa produção excedente de mais-valia absoluta. 

Quando David Harvey discute os meios de comunicação nas obras de Marx em termos gerais, tende a vê-los como atributos do espaço, o que é uma consequência lógica da sua ênfase na necessidade de espaço e da "revolução geográfica" que ele causou na teoria marxista. Por exemplo, Harvey comenta a observação de Marx de que "a transformação do modo de produção numa esfera da indústria requer uma transformação semelhante noutras esferas" (Marx 1867: 505). Harvey observa que esta passagem "introduz um dos outros temas que considero extremamente interessantes em Marx: é a importância do que ele chama nos Grundrisse a «aniquilação do espaço pelo tempo»" (Harvey 2010a: 206). Este interesse refletiu-se, no próprio trabalho de Harvey, na discussão das tecnologias de informação e da comunicação como meio de compressão do espaço-tempo (Harvey 1989). 

As tecnologias da informação e da comunicação, incluindo o computador, desempenham certamente um papel fundamental na aceleração da circulação de mercadorias no espaço-tempo. Este não é o seu único papel. Os meios de comunicação social também comunicam ideologias, tais como ideologias políticas e ideologias de mercadorias sob a forma de anúncios comerciais. Os computadores e as redes informáticas não são apenas organizadores da circulação de mercadorias, mas também os meios de produção para a criação de produtos de informação. São também as plataformas para a comunicação interna e externa das empresas. Enquanto comboios, autocarros, automóveis, navios, camiões e aviões transportam pessoas e bens físicos, as redes informáticas transportam informação, produtos de informação e fluxos de comunicação. O computador é uma máquina universal que é simultaneamente um meio de produção, de circulação e de consumo. 

Globalmente, é evidente que Harvey tem interesse em questões de tecnologia, comunicação(ões) e o digital. Portanto, menciona repetidamente estas questões. A sua abordagem pode certamente funcionar como uma das fundações de uma teoria marxista da comunicação. Mas não é, por si só, uma tal teoria, pois que o seu foco principal é a questão das relações espaciais do capitalismo. Uma possibilidade de ir com Harvey para além de Harvey é pensar em como o espaço se relaciona com a comunicação (ver Fuchs 2019). 

A comunicação não é apenas um atributo do espaço-tempo. As relações sociais criam, reproduzem e organizam espaços sociais, o que significa que a comunicação humana produz e reproduz o espaço social e as condições do espaço social, ou seja, permite e condiciona a comunicação através da qual o espaço social é sequencialmente reproduzido, criado, etc. Para Harvey, a comunicação é um atributo do espaço. Mas existe uma dialética entre a comunicação e o espaço social. 

Os seres humanos produzem relações sociais que são delimitadas, relacionadas e organizadas em espaços sociais. Na produção de relações sociais, eles produzem e reproduzem estruturas sociais que permitem e condicionam as práticas nos sistemas sociais. Sistemas sociais específicos formam as instituições-chave da sociedade. Os seres humanos produzem e reproduzem relações sociais, estruturas sociais, sistemas sociais, instituições e espaços sociais que de forma dialética condicionam (permitem e limitam) as práticas humanas e são o meio e o resultado de tais práticas. A comunicação é o processo em que estruturas, sistemas sociais, instituições e espaços sociais são vividos e assim reproduzidos pelos humanos de uma forma concreta na vida quotidiana. Fazem-no através da utilização de meios de produção comunicativos particulares (códigos/idiomas verbais e não verbais, tecnologias de informação e comunicação) que permitem a produção e reprodução do social: os seres humanos produzem relações sociais dando sentido uns aos outros e reproduzindo assim as estruturas, sistemas, instituições e espaços que permitem e condicionam a sua comunicação. A comunicação é a forma como os seres humanos vivem e produzem relações sociais que, por sua vez, constituem estruturas, sistemas, instituições e espaços. A comunicação é o processo quotidiano que estabelece e mantém as relações sociais. É a produção e reprodução das relações sociais. Os seres humanos (re)produzem estruturas sociais através da comunicação na sua vida quotidiana e assim (re)produzem estruturas societais que enquadram, condicionam, permitem e limitam a produção comunicativa na vida quotidiana. 

8. Comunicação(ões) na Introdução de Michael Heinrich a O Capital 

Michael Heinrich argumenta, no seu guia de leitura, que este seu livro "se situa no contexto substantivo desta «nova leitura de Marx» (Heinrich 2012: 27) estabelecida pelas obras de Hans-Georg Backhaus e Helmut Reichelt. As diferenças entre esta nova leitura e a tradicional economia política marxista tornar-se-ão mais claras ao longo do curso desta obra" (Heinrich 2012: 27). Heinrich não pretendia escrever uma introdução que ajudasse a ler Marx a partir de uma perspetiva tópica específica, como a comunicação ou o espaço, mas antes utiliza uma abordagem específica, a escola de pensamento da Nova Leitura da Marx. “A minha exposição assenta assim numa interpretação particular da teoria de Marx, enquanto outras são rejeitadas" (Heinrich 2012: 10). 

Heinrich, neste livro introdutório aos três volumes de O Capital de Marx, afirma que "a teoria do valor de Marx é antes uma teoria monetária de valor" (Heinrich 2012: 63). Este pressuposto é uma interpretação particular e certamente não universalmente válida do conceito de valor de Marx. Defende uma teoria monetária do valor, enquanto outra interpretação possível é a de estabelecer uma teoria do valor e uma crítica do dinheiro que se baseie na teoria do valor do trabalho. O problema é que o livro de Heinrich pode enganar os leitores e criar a impressão de que uma específica interpretação de Marx - a que foi avançada por Backhaus, Reichelt, Heinrich e seus colegas - é a versão original e própria de Marx, da teoria do valor do trabalho. 

Heinrich argumenta que "o valor também primeiro existe na troca" e que a "substância do valor" não é "inerente às mercadorias individuais, mas é-lhes conferida mutuamente no ato de troca" (Heinrich 2012: 53). O problema que vejo é que a abordagem da Heinrich implica que não houve exploração se uma mercadoria não for vendida. Vamos supor que uma empresa emprega 100 empregados, que trabalham 16.000 horas por mês e produzem durante este tempo 16.000 televisores, bem como uma estratégia de marca e uma campanha de marketing. Não se está a sair bem na concorrência porque o padrão médio da indústria é uma produção de 16.000 televisores em 8.000 horas. Por conseguinte, a empresa não vende um único televisor e os trabalhadores não são pagos. No entanto, continuam a produzir televisores. De acordo com Heinrich, todos estes trabalhadores não são explorados e os televisores não contêm valor porque não são vendidos e consequentemente não são transformados na forma de dinheiro. Uma interpretação alternativa consiste em distinguir entre duas formas de valor como tempo médio de trabalho e valor monetário. No exemplo, o tempo médio de trabalho que é socialmente necessário na indústria televisiva para produzir um aparelho de televisão é de 30 minutos. O valor médio de uma televisão ao nível da empresa é 1 hora, o que representa desvantagens competitivas na realização de um valor monetário. Não importa se os trabalhadores da produção e da publicidade, no exemplo, são pagos ou não, e não importa se as mercadorias que produzem são vendidas ou não. A sua força de trabalho produziu mercadorias que objetivam o seu tempo de trabalho e que eles não possuem. Por conseguinte, são trabalhadores produtivos e explorados. O entendimento do valor de Heinrich subestima a dificuldade de concetualizar o trabalho produtivo, a classe social e a exploração. 

O Fragmento sobre as Máquinas de Marx, nos Grundrisse, provocou, nos últimos anos, especialmente no marxismo autonomista, discussões sobre o trabalho de informação e a tecnologia. Heinrich (2014) é cético em relação ao Fragmento e toma a sua posição sobre uma célebre formulação do intelecto geral aí contida: "Com isso, a produção baseada no valor de troca colapsa, e o processo direto de produção material é despojado da forma de penúria e antagonismo" (Marx 1857/58: 705). Esta formulação tem dado repetidamente origem a controvérsias. Heinrich (2014: 197) interpreta-a como significando que Marx, nos Grundrisse, expressou uma "conceção unilateral de crise" (Heinrich 2014: 197) e previu que o emprego de maquinaria no capitalismo "deveria ter como consequência que a produção capitalista... colapsasse" (Heinrich 2014: 207). Mas é preciso ver que, com a fórmula "Com isso", Marx significa, em referência à frase anterior, uma condição em que "o trabalho excedente da massa deixou de ser a condição para o desenvolvimento da riqueza geral" (Marx 1857/58: 705). Assim, quando fala de uma rotura, no Fragmento, Marx não quer dizer um colapso automático do capitalismo, mas sim que o valor de troca colapsa dentro do comunismo e que a ascensão do trabalho do conhecimento e a automatização provocam um antagonismo fundamental entre o tempo de trabalho necessário e o tempo de trabalho excedente. O estabelecimento do comunismo, porém, pressupõe uma superação revolucionária consciente do capitalismo. O Fragmento não formula a hipótese de uma quebra automática do capitalismo. 

Heinrich não se limita a rejeitar o Fragmento e a sua relevância para a compreensão da economia da informação nos dias de hoje. Na sua introdução a O Capital, ele menciona os meios de comunicação apenas uma vez, muito brevemente (Heinrich 2012: 206), a Internet uma vez, numa nota de rodapé (Heinrich 2012: 237, nota de rodapé 68), o telemóvel e a www nunca. Heinrich parece não considerar a informação, a comunicação e a cultura como dimensões importantes para uma crítica marxista da economia política. 

Tem havido também uma discussão controversa sobre a abordagem de Heinrich em relação à teoria da crise e à lei da tendência à queda da taxa de lucro. Heinrich (2013) argumenta que esta lei é deficiente e que a teoria marxista precisa de explicar as crises sem ela. “Em contraste com Marx, não podemos assumir uma «lei da tendência à queda da taxa de lucro»" (Heinrich 2013: 153). Outros argumentam, contra Heinrich, que tal lei é consistente nos próprios termos expostos por Marx, é crucial para compreender as contradições da economia capitalista, e que Heinrich tenta assim eliminar a teoria da crise de Marx (ver, por exemplo, Kliman et al. 2013). Não importa qual a posição que tomemos neste debate, tudo isto mostra que Heinrich avança uma interpretação particular de Marx. 

Dado que diversas interpretações de Marx são possíveis e necessárias, o particularismo de Heinrich não é problemático e é bem-vindo. O problema é, no entanto, a aura de universalidade que o seu livro evoca, usando o título Uma Introdução aos Três Volumes de O Capital de Karl Marx. Um título mais apropriado seria A Nova Leitura dos Três Volumes de O Capital de Karl Marx por Michael Heinrich. O meu próprio guia para O Capital Volume I (Fuchs 2016d) não pretende ser uma interpretação universal ou a única válida e não utiliza uma escola particular de pensamento marxista, como a teoria espacial marxista ou a Escola da Nova Leitura de Marx. Pretende antes ajudar o leitor a utilizar as categorias de Marx como ferramentas de pensamento para compreender criticamente os meios de comunicação, a comunicação, a cultura, a tecnologia e a Internet de hoje. O título Ler Marx na Era da Informação: Uma perspetiva de estudos dos media e da comunicação sobre O Capital Volume 1 estabelece, em contraste com Harvey e Heinrich, que o livro não quer ser uma introdução geral, mas sim uma introdução concretamente mediada por um dos importantes desafios político-económicos contemporâneos, nomeadamente, o papel do sistema de media e de comunicação no capitalismo. Ele vem reforçar a importância de um tema específico, e não de escolas ou abordagens particulares. O próprio pensamento de Marx era histórico e dialético, o que significa que a leitura de Marx hoje em dia deveria ser feita de uma forma historicamente específica, relacionando-a com o capitalismo do século XXI, o que nos obriga a pensar em como atualizar dialeticamente as categorias de Marx com base numa dialética da continuidade e das propriedades emergentes. Os media digitais não existiam na época de Marx. No entanto, as suas obras são uma poderosa fundação para compreender o papel do computador e da(s) comunicação(ões) no capitalismo de hoje. 

9. Em que aspetos é que Marx importa para a compreensão da(s) Comunicação(ões)? 

Marx não era apenas um teórico crítico, mas também um jornalista e político crítico, e um polemista. O seu estilo intervencionista e crítico de argumentação é algo que hoje em dia falta, frequentemente, nos meios noticiosos e pode, portanto, servir como um bom exemplo para a escrita crítica. Marx era um pensador dialético. A dialética como instrumento de pensamento complexo permite-nos compreender as contradições dos meios de comunicação social no capitalismo. Pense, por exemplo, na contradição entre os utilizadores que gostam de descarregar conteúdo em linha sem pagarem e as empresas de meios de comunicação que utilizam direitos de propriedade intelectual, policiamento, censura e vigilância para tentar limitar a partilha de ficheiros em linha. Os lucros e os salários são, contudo, dialeticamente mediados no capitalismo, o que acrescenta ainda uma outra contradição, de sorte que também alguns artistas consideram a partilha de ficheiros como uma ameaça. Outra contradição na indústria cultural é uma contradição entre duas fações de classe que são a da indústria de conteúdos e a da indústria da abertura: A primeira mercantiliza conteúdos, enquanto a segunda vive do conteúdo aberto na Internet que combina com outras estratégias de acumulação, tais como a publicidade dirigida. Os barões do YouTube e do Facebook não se opõem necessariamente à partilha de ficheiros de conteúdos com direitos registados (“copyrighted”), porque a abertura beneficia os seus negócios. A abertura neste contexto significa a disponibilidade de conteúdo digital em linha sem pagamento. A indústria da abertura utiliza outras formas de acumulação de capital, especialmente a publicidade. A contradição entre a indústria da abertura e a indústria de conteúdos mostra que a economia em linha é dialética: está cheia de contradições. 

A mercadoria é a "forma elementar" do capitalismo (Marx 1867: 125). A análise e crítica da mercadoria de Marx permite-nos compreender as formas de mercantilização dos meios de comunicação social. A informação é uma mercadoria peculiar: não é utilizada no consumo, pode ser fácil e rapidamente copiada e distribuída, tem elevados custos iniciais de produção e baixos custos de cópia, envolve elevados riscos e incerteza sobre se é vendável ou não, é não rivalizável no consumo e requer medidas especiais de proteção para ser transformada num bem escasso, de cujo consumo outros podem ser excluídos. A acumulação de capital na economia da informação requer, portanto, estratégias especiais, tais como a mercantilização de conteúdos juntamente com direitos de propriedade intelectual e direitos de autor, a mercantilização do acesso ao conteúdo (por exemplo, através de subscrições), a mercantilização de tecnologias de produção, distribuição e consumo, a mercantilização de audiências na publicidade, a multiplicação de formatos de media e a reutilização de conteúdos, ou a mercantilização dos utilizadores e dos dados que estes geram, na publicidade dirigida em linha. 

A classe social é uma categoria chave na análise de Marx. Está relacionada com conceitos tais como exploração, mais-valia, a classe trabalhadora/proletariado e trabalho produtivo. O "proletário é apenas uma máquina para a produção de mais-valia, o capitalista também é apenas uma máquina para a transformação desta mais-valia em capital excedentário" (Marx 1867: 742). Na era da Internet e da indústria cultural, a classe social ainda é uma categoria crucial, mas tornou-se mais variegada. Temos de considerar o estatuto de classe e os interesses de estagiários não remunerados, freelancers em linha, utilizadores não remunerados do Facebook e Google que criam valor económico, diferentes formas de trabalhadores do conhecimento, um novo “precariado” jovem que é atraída pelo trabalho na indústria cultural, trabalhadores da Foxconn na China que montam telemóveis e computadores portáteis, mineiros em África que extraem minerais que formam a base física das tecnologias dos media digitais e que trabalham em condições de escravatura, engenheiros de software que são altamente remunerados e trabalham horas extraordinárias muito longas, etc.. Há o que se pode chamar uma divisão internacional do trabalho digital (Fuchs 2014a, 2015b: capítulo 6). 

A ideologia naturaliza a dominação e a exploração. Tal naturalização é, segundo Marx, imanente à própria forma da mercadoria enquanto fetichismo da mercadoria. Os meios de comunicação social são instrumentos fundamentais para a produção, difusão e consumo de ideologias políticas e empresariais. A "relação social definida entre os próprios homens" assume "a forma fantástica de uma relação entre as coisas" (Marx 1867: 165). A publicidade faz uso do vazio que o fetichismo da mercadoria deixa ao tornar as relações sociais de produção invisíveis na própria mercadoria. A publicidade preenche este vazio através da propaganda de produtos. Se pensarmos no Facebook, então o estatuto de mercadoria não é imediatamente visível porque não se paga pelo acesso: A experiência imediata que aí se tem é a socialidade que se desfruta na plataforma com outros. O social encobre a forma de mercadoria do Facebook. O fetichismo da mercadoria assume uma forma invertida no Facebook (Fuchs 2014a: capítulo 1): No fetichismo regular das mercadorias, as coisas (mercadorias, dinheiro) encobrem as relações sociais. Nas redes sociais comerciais, as relações sociais são a experiência imediata e concreta, enquanto que a forma de mercadoria só indiretamente confronta os utilizadores. O carácter social destas plataformas vela a sua forma de mercadoria. O Facebook e o Google não vendem acesso ou comunicação, mas são as maiores empresas de publicidade do mundo. 

Marx sublinha que as tecnologias de comunicação são o meio e o resultado da globalização económica e social. Há uma dialética da globalização e da comunicação. Marx também desenvolve uma compreensão dialética da tecnologia em O Capital e nos Grundrisse. Ele analisou as contradições da tecnologia no capitalismo. Da análise da tecnologia feita por Marx podemos aprender que a comunicação e outras tecnologias não são más ou boas como tal, mas que os seus efeitos dependem da forma como são construídas, concebidas e utilizadas na sociedade. Ao mesmo tempo, as tecnologias podem ter consequências imprevisíveis, especialmente se forem sistemas altamente complexos. Marx antecipou o surgimento de uma economia da informação argumentando que, com o desenvolvimento das forças produtivas, o papel do conhecimento, da tecnologia e da ciência na produção aumenta. A sua noção do intelecto geral é de particular importância neste contexto. Argumentou que a tecnologia também socializa o trabalho, o que entra em contradição com as relações de classe. Hoje podemos observar esta contradição de uma nova forma, como antagonismo entre as forças produtivas digitais, em rede, e as relações de classe. Um exemplo é que a digitalização pode transformar o conhecimento numa dádiva que é distribuída em linha. Mas, numa sociedade capitalista, as pessoas dependem dos salários para sobreviver, de modo que a economia das dádivas em linha, sob relações de classe capitalistas, não traz consigo um comunismo democrático, mas apresenta apenas meros potenciais alternativos. Impõe ainda a precarização do trabalho digital e cultural no capitalismo. É uma questão contestada na esquerda como reagir a esta contradição. Alguns vêm a Internet como um inimigo a que se opõem, outros celebram-na como levando ao comunismo em linha, como uma economia digital da dádiva. Uma avaliação mais matizada é a de que existem potenciais para transformar o conhecimento num bem comum digital, mas que dentro do capitalismo é também importante que os produtores culturais possam sobreviver com base num salário, o que abre novas ideias. Por exemplo, tem sido sugerida a necessidade de introduzir um rendimento básico universal ou uma taxa participativa sobre os meios de comunicação social, financiada pelo imposto sobre as empresas e que, através do orçamento participativo, permita aos cidadãos doar a associações não comerciais de comunicação social. 

As contradições do capitalismo resultam, repetidamente, em crises. A economia da Internet foi, por exemplo, atingida por uma crise profunda em 2000, a chamada crise do dot-com, na qual muitas empresas de Internet entraram em falência. Na altura, elas já estavam altamente financeirizadas. A financeirização é outro conceito que Marx discute em pormenor, especialmente no Volume III de O Capital, onde introduz o conceito de capital fictício. Ele sublinha também que o capitalismo tem uma tendência inerente de concentração e monopólio. As indústrias da informação são altamente propensas à concentração devido a mecanismos como a espiral publicidade-circulação: Os meios de comunicação social com um grande número de leitores, espectadores, ouvintes e utilizadores tendem a atrair mais receitas publicitárias, o que lhes permite vantagens competitivas que podem resultar numa maior expansão das suas audiências e numa maior concentração do mercado. No mundo dos media, a concentração não tem a ver apenas com o poder económico, mas, devido à natureza da informação, também com o poder ideológico, a concentração do poder de disseminar ideias. 

Marx deu a conhecer a importância das lutas sociais para uma sociedade justa e equitativa, ou seja, uma democracia participativa. Desde que as sociedades de classe existem, as lutas de classe continuaram a ser uma realidade. Os ativistas comunicam entre si e com o público. As tecnologias da comunicação, tais como os media sociais, o telemóvel ou o correio eletrónico, são, portanto, instrumentos chave de organização em movimentos sociais e partidos políticos. Marx permite-nos compreender melhor a natureza das lutas sociais na sociedade moderna. Por último, mas não menos importante, Marx tinha uma visão de uma alternativa ao capitalismo. Hoje em dia, parece muitas vezes que a Internet ou os media sociais estão mais bem organizados como sociedades comerciais. Existem, no entanto, também tradições alternativas. Pense-se, por exemplo, em emissoras de serviço público que não utilizam publicidade, o conhecimento como bem comum na Wikipédia, o movimento pelo software livre, iniciativas por WiFi público de acesso livre, plataformas de partilha em linha sem fins lucrativos, tais como Freecycle ou Streetbank. 

A ideia de Marx do comunismo lembra-nos que a forma de mercadoria é inadequada para aspetos da experiência humana básica em sociedade, tais como o amor, a educação, o conhecimento e a comunicação. Se a forma de mercadoria implica desigualdade, então uma sociedade verdadeiramente justa, democrática e equitativa deve ser uma sociedade baseada no bem comum. Para o sistema de comunicação, isto significa que os sistemas de comunicação como bens comuns correspondem à essência da humanidade, da sociedade e da democracia. Os bens comuns, como o conhecimento, não são produzidos por indivíduos isolados, mas têm um carácter social, histórico e cooperativo. São produzidos por trabalho universal: "O trabalho universal é todo o trabalho científico, toda a descoberta e invenção. É produzido em parte pela cooperação dos homens que hoje vivem, mas em parte também pelo desenvolvimento do trabalho anterior" (Marx 1894: 199). Sempre que surge nova informação, ela incorpora toda a história social da informação, ou seja, a informação tem um carácter histórico. Por conseguinte, parece evidente que a informação deve ser um bem comum, livremente disponível para todos. Mas no capitalismo informativo global, a informação tornou-se uma importante força produtiva que favorece novas formas de acumulação de capital. A informação, frequentemente, não é hoje tratada como um bem público e comum, mas sim como uma mercadoria. Existe um antagonismo entre a informação como um bem comum e como uma mercadoria. 

10. Para uma revolução comunicacional na teoria marxista! 

A teoria marxista trata demasiadas vezes a comunicação como uma superestrutura. Tais análises são contrariadas pelo facto de que o conhecimento e a comunicação não só se tornaram mercadorias importantes, como também são moldadas por um antagonismo do século XXI entre os bens comuns de comunicação e as mercadorias de comunicação. Chegou o momento de uma revolução na teoria marxista orientada para os media e a comunicação. A comunicação ainda é um dos pontos cegos do marxismo, no qual apenas uma leitura de O Capital orientada para os estudos dos media e da comunicação pode lançar luz. 

Marx discutiu as implicações do telégrafo para a globalização do comércio, da produção e da sociedade, foi um dos primeiros filósofos e sociólogos da tecnologia na sociedade moderna, antecipou o papel do trabalho do conhecimento e a ascensão de uma sociedade da informação e foi ele próprio um jornalista crítico. Isto mostra que alguém que se preocupa com a análise dos media e da comunicação, tem muitas razões para se envolver com Marx. Ele sublinhou a importância do conceito de social: destacou que fenómenos na sociedade (como o dinheiro ou os mercados e, hoje em dia, a Internet, Facebook, Twitter, etc.) não existem simplesmente, mas são o resultado das relações sociais entre seres humanos. Eles não existem automaticamente e por necessidade, porque os seres humanos podem mudar a sociedade. Por conseguinte, a sociedade e os meios de comunicação social estão abertos à mudança e contêm a possibilidade de um futuro melhor. Se quisermos compreender o que é social nos media sociais, então ler Marx pode ajudar-nos muito. 

Hoje em dia fala-se muito de "media sociais”, apesar de entidades como Facebook, Twitter e Google serem empresas privadas cotadas na bolsa de valores e, portanto, expressões de individualismo possessivo (Fuchs 2017c). Marx lembra-nos que o capitalismo é incompletamente social. Os verdadeiros meios de comunicação social só podem existir numa democracia participativa baseada no cidadão comum. As obras de Marx são ferramentas intelectuais fundamentais para inspiração das lutas por uma sociedade baseada nos bens comuns e em meios de comunicação social comuns. 

Christian Fuchs é um sociólogo austríaco, atualmente professor na Universidade de Westminster (Reino Unido), onde é o diretor do Communication and Media Research Institute (CAMRI). É também conhecido por ser o editor da revista de acesso aberto tripleC: Comunication, Capitalism and Critique. O sítio desta revista na rede oferece uma vasta gama de estudos críticos no âmbito do debate sobre o capitalismo e a comunicação. É também cofundador da ICTs and Society-network que é uma rede interdisciplinar mundial de investigadores que estudam a forma como a sociedade e os media digitais interagem. Os seus campos de investigação privilegiados são teoria social, teoria crítica, investigação crítica em meios digitais e sociais, internet & sociedade, economia política dos meios de comunicação e das comunicações, teoria da sociedade da informação. É autor de numerosos livros, com destaque para Internet and society. Social theory in the information age (Routledge, 2008); Foundations of critical media and information studies (Routledge, 2011); Digital Labour and Karl Marx (Routledge, 2014); Social media: A critical introduction (Sage, 2014); OccupyMedia! The Occupy movement and social media in crisis capitalism (Zero Books, 2014); Culture and Economy in the Age of Social Media (Routledge, 2015); Critical Theory of Communication: New Readings of Lukács, Adorno, Marcuse Honneth and Habermas in the Age of the Internet (University of Westminster, 2016); Digital Demagogue: Authoritarian Capitalism in the Age of Trump and Twitter (Pluto Press, 2018); Rereading Marx in the Age of Digital Capitalism (Pluto Press, 2019); Communication and Capitalism: A Critical Theory (University of Westminster, 2020). O presente artigo foi originalmente publicado na revista Capital & Class, vol. 41, n.º 1 (fevereiro de 2017) sendo depois recolhido, na presente versão, no acima referido volume Rereading Marx in the Age of Digital Capitalism. A tradução é de Ângelo Novo. 

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