Voltar ao site

Clima: ONU sublinha inação dos governos para impedir catástrofe

28 de outubro de 2022

Três agências das Nações Unidas publicaram esta semana relatórios sobre a situação atual. A conclusão é que pouco ou nada foi feito para cumprir a meta acordada em 2015 em Paris e o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1.5° é já uma ilusão.

Esquerda.net, 28 de outubro de 2022

O relatório de 2022 do Programa Ambiental das Nações Unidas, intitulado "A Janela a Fechar-se - Crise climática exige a rápida transformação das sociedades", conclui que a comunidade internacional ficou muito aquém das metas definidas no Acordo de Paris e que atualmente "não há um caminho credível" para limitar o aumento da temperatura a 1.5° em relação à época pré-industrial.

O relatório mostra que as promessas dos governos na COP-26 do ano passado em Glasgow pouco ou nada alteraram as previsões de emissões para 2030, que estão muito longe do objetivo de Paris quanto ao aumento da temperatura até ao final do século. Prevê-se agora que com as atuais políticas esse aumento atinja 2.8°C e mesmo que aquelas promessas de cortes nas emissões de gases com efeito estufa fossem cumpridas, isso significaria um aumento entre 2.4°C e 2.6°C. O relatório afirma ainda as promessas de emissões "net-zero" anunciadas por muitos países não deverão passar disso mesmo, a julgar pelo nível atual de emissões e dos compromissos a curto prazo, que contrastam com essas promessas.

“Nós temos uma redução de emissão de menos de uma gigatonelada, 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, o que é um pouco frustrante", disse a UN News Joana Portugal, uma das cientistas co-autoras do relatório, sublinhando que a emergência climática coincidiu com a crise pandémica e agora com a crise energética. Se a primeira acabou por ser desvalorizada face às outras duas, existe "uma grande correlação entre todas as crises e emergências que estamos vivendo na atualidade”, refere a investigadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Cortar 45% nas emissões até 2030 permitiria atingir objetivo do Acordo de Paris

Para que um aumento de 2°C - o objetivo mais moderado de Paris - seja possível até ao fim do século, será necessário cortar 30% nas emissões nos próximos oito anos. E para a meta original de 1.5°C seria necessário cortar 45% até 2030. "Só uma transformação urgente em todo o sistema pode levar a estes cortes enormes que são necessários para limitar as emissões", aponta o estudo, dando algumas pistas sobre como essa transformação devia ser feita nos setores da produção elétrica, indústria, transportes e construção, bem como nos sistemas alimentares e financeiro.

Na energia, o relatório defende o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis e da expansão das suas infraestruturas, uma transição justa para sair dos combustíveis fósseis, bem como o levantamento das barreiras à expansão das renováveis, adaptando as regras de mercado para uma fatia maior destas fontes de energia. Para a indústria, são propostos incentivos a projetos de carbono zero, à eletrificação e economia circular, à investigação e inovação e a mecanismos alternativos de definição do preço do carbono. Nos transportes, apela à definição de datas para a substituição por veículos sem emissões, a regulação e incentivo aos combustíveis carbono zero na aviação e invetsimento em infraestruturas de transportes com zero emissões. A regulação e apoio aos materiais carbono zero na construção são outras das medidas que os governos nacionais devem tomar.

No que diz respeito ao sistema alimentar, que é responsável por um terço das emissões, essa mudança passa por uma alteração da dieta alimentar, a proteção dos ecossistemas naturais, a melhoria da produção e a descarbonização da cadeia de valor alimentar. Medidas que são necessárias para reduzir as emissões mas também para assegurar dietas alimentares mais saudáveis e proteger a segurança alimentar para toda a população do planeta. E para alinhar o sistema financeiro com estes objetivos que são contraditórios com os seus interesses a curto prazo, o relatório diz que são necessárias mudanças para garantir o financiamento colossal das medidas de mitigação e que passam pela mobilização dos bancos centrais, a criação de mercados para os novos produtos, medidas políticas, incluindo taxação e regulação, que influenciaem o comportamento do sistema, bem como o aumento do preço do carbono, atualmente cotado em média a 6 dólares por tonelada.

Gases com efeito estufa bateram novos recordes

Outro relatório(link is external) conhecido esta semana foi o da Organização Meteorológica Mundial, acerca dos níveis de concentração de gases poluentes na atmosfera. No caso do metano, 2020 e 2021 assistiram ao maior aumento anual dos últimos 40 anos, quando se iniciaram estes registos, com 1908 partes por bilião (ppb). No caso do dióxido de carbono, esse aumento foi maior do que o ritmo a que assistimos na última década, atingindo as 415.7 partes por milhão (ppm). Igualmente com tendência de subida, as emissões de óxido nitroso registaram o ano passado valores de 334.5 ppb.

O aumento contínuo das concentrações destes três principais gases que provocam o efeito estufa e em particular a aceleração recorde do metano "mostra que estamos a ir na direção erada", afirmou o líder da OMM, Petteri Taalas, citado pelo Guardian(link is external). Mas o impacto desse recorde nas emissões de metano pode ser reversível, por ter um tempo de vida de 10 anos, e a maior ameaça continua a ser o dióxido de carbono, "que é a principal causa das alterações climáticas e dos fenómenos meteorológicos extremos, e que irá afetar o clima por milhares de anos através da perda de gelo polar, aquecimento dos oceanos e aumento do nível dos mares", acrescentou o cientista.

Crise atual vai acelerar transição energética, diz Agência Internacional de Energia

O terceiro relatório(link is external) conhecido esta semana, e que tal como os outros dois deverá ser tema de debate na próxima Cimeira do Clima, a COP-27, é de certa forma o mais otimista. A Agência Internacional de Energia prevê que 2025 seja o ano do pico de emissões de carbono no setor energético, graças ao aumento substancial do investimento em energias limpas na sequência da invasão russa da Ucrânia. Uma resposta dos governos que esta agência classifica de "viragem histórica".

Ao contrário dos que apontam um recuo de vários govermos na decisão de sair dos combustíveis fósseis por causa da atual insegurança energética na Europa, esta agência diz que irá acontecer o contrário e que a atual crise energética "irá acelerar a transição para as energias limpas", apoiando-se nas medidas aprovadas pelos EUA, UE e outras grandes economias mundiais.

Estes novos planos representam um aumento do investimento em energia de baixo carbono até 2030, o que inclui a energia nuclear, de cerca de 50% em relação ao atual. Mas esse investimento deveria ser o dobro para permitir cumprir as promessas destes países de emissões net-zero até 2050. A agência concorda com as previsões pessimistas do Programa Ambiental da ONU e estima que as políticas atuais farão o aumento da temperatura média global alcançar 2.5°C até ao final do século, com impactos climáticos catastróficos. E mantém a sua recomendação feita antes da crise energética de que devem ser imediatamente travados todos os novos projetos de combustíveis fósseis para cumprir as promessas feitas para 2050.