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Crise alimentar à vista por causa da guerra na Ucrânia

13 de março de 2022

A guerra entre dois dos maiores exportadores de cereais já faz disparar preços. Mas os especialistas avisam que o pior ainda está para vir e terá impacto em todo o mundo.

Enquanto os preços do trigo batem recordes todos os dias nos mercados financeiros de produtos agrícolas, as preocupações voltam-se para o próximo verão e outono, altura em que a Rússia e Ucrânia - o primeiro e o quinto maior exportador mundial de trigo, com 17% e 10% de fatia de mercado - exportam a maior parte dos cereais. Se no caso da Rússia as sanções já aplicadas podem dificultar a compra e o pagamento, com muitos bancos russos excluídos do sistema internacional, no caso da Ucrânia a situação é evidentemente mais grave, dado que o prolongar da guerra impediria o país de semear em maio a sua produção.

Enquanto isso, o maior consumidor mundial de trigo, a China, anunciou no sábado que a colheita de inverno deve ser "a pior de sempre" devido às fortes chuvas que adiaram no ano passado o início da sementeira a um terço da produção normal. O primeiro-ministro chinês Li Keqiang afirmou no início da sessão parlamentar anual que o objetivo passa por reforçar a produção agrícola e a segurança alimentar do país no próximo período.

Para o agroeconomista Matin Qaim, diretor do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento (ZEF, na sigla em alemão), "os maiores problemas ainda estão por vir" para os países consumidores que dependem quase exclusivamente da importação de alimentos. Por exemplo, "o Líbano ou o Egito importam a maior parcela dos seus alimentos, muitas vezes entre 70% e 90%".

Mas o problema não se resume ao trigo: os países em guerra são responsáveis por 20% do mercado exportador do milho e da cevada e 80% do óleo de semente de girassol, outros produtos cujo preço tem aumentado. Calcula-se que a região do Mar Negro exporte pelo menos 12% das calorias alimentares globais, com uma grande fatia a ter como destino países do Médio Oriente e África. Para este agroeconomista citado pela DW, uma saída possível para evitar uma profunda crise alimentar global será a de negociar exceções para os produtos alimentares nas sanções aplicadas à Rússia. Mas também há o risco de a Rússia retaliar contra as sanções, limitando as suas exportações.

Por seu lado, o economista-chefe do Programa Alimentar Mundial da ONU, Arif Husain, alerta no Guardian que "as consequências devastadoras da agressão russa à Ucrânia também se fazem sentir em lugares longínquos. Os preços dos cereais e do petróleo aproximam-se rapidamente ou até ultrapassam níveis que não víamos desde a crise alimentar e dos combustíveis em 2008".

"A continuação deste conflito, que já é uma tragédia para os diretamente envolvidos, será catastrófica para todo o mundo, em especial para aqueles que já têm hoje dificuldades em alimentar as suas famílias", diz Gilbert Houngbo, o presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola.

A quebra das cadeias de abastecimento durante a pandemia e os efeitos das alterações climáticas já agravaram o problema da fome e malnutrição em muitos países. O diretor regional do Programa Alimentar Mundial para a África Oriental chama a atenção para os efeitos das secas recorrentes no Corno de África, com "colheitas arruinadas, gado a morrer e a fome a aumentar". Uma situação que exige "ação humanitária urgente e apoio consistente para dar resiliência às comunidades para o futuro", avisa Michael Dunford ao Guardian.

A subida de preços nos óleos alimentares por causa da guerra também teve consequências no outro lado do mundo, com a Indonésia a ser obrigada a limitar(link is external) as exportações de óleo de palma, cujo preço disparou no mercado a par do óleo de soja. O objetivo é manter os preços acessíveis no mercado interno face ao aumento da procura por parte de países como a Índia, um dos principais clientes do óleo de girassol russo e ucraniano. Também na Europa há países a proibir ou limitar exportações de cereais, com a Sérvia, Bulgária, Hungria e Roménia a anunciarem medidas nesse sentido nos últimos dias. O aumento do preço do gás e dos fertilizantes - que tem na Rússia um grande exportador - é outro fator que pode comprometer as colheitas e a produção alimentar em todo o mundo.

Preços dos alimentos aumentaram 28% em 2021

Aproximaram-se dos preços recorde de fevereiro de 2011 e a FAO não espera descidas para 2022. No ano passado, os óleos vegetais aumentaram 66%, o milho 44%, o trigo 31% e o açúcar um pouco mais de 30%, puxando para cima os preços de vários outros alimentos.

Segundo divulgou esta quinta-feira a Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, a FAO(link is external), ao nível mundial os preços dos alimentos aumentaram, entre 2020 e 2021, 28,1%. Uma subida que os colocou próximos do nível recorde que se registou em fevereiro de 2011.

Abdolreza Abbassian, economista sénior da organização, defende que “há pouco espaço para otimismo acerca de um retorno a condições de mercado mais estáveis” neste ano. Isto deve-se, ao “alto custo dos insumos, à pandemia global em andamento e às condições climáticas cada vez mais incertas”. Com os preços da energia e dos fretes marítimos em alta, não se esperam assim descidas.

Dezembro foi, contudo, exceção num ano de subidas com os preços do setor a descerem ligeiramente, sobretudo devido às quedas dos óleos vegetais e do açúcar que estavam em níveis muito elevados.

Esta queda de 0,9% no índice(link is external) de preços alimentares, entre novembro e dezembro, ainda assim contrasta claramente com o ano anterior, ficando 23,1% acima deste.

Os preços dos óleos vegetais registaram aumentos de 66% e dos cereais no seu conjunto de 27%, com o do milho a aumentar 44% e o do trigo 31%, puxando para cima os preços de vários outros alimentos. O mesmo acontece com o açúcar que viu aumentar o preço em mais de 30%. Verificaram-se ainda aumentos nos produtos lácteos, de 17%, e nas carnes, de 13%.