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Dossiê: eleições no Equador e no Peru na mídia

Algumas análises mais aprofundadas podem ser encontradas, em espanhol, no site da revista Nueva Sociedad

13 de abril de 2021

As eleições de 11 de abril no Equador (segundo turno) e no Peru (primeiro turno) trazem algumas grandes surpresas para o cenário político regional, apontando antes de tudo para o desencanto com a política tradicional em países profundamente golpeados pela pandemia. As matérias a seguir representam apenas uma primeira informação, no dia seguinte das eleições, retiradas da grande imprensa. Algumas análises mais aprofundadas podem ser encontradas, em espanhol, no site da revista Nueva Sociedad.

Guillermo Lasso é eleito presidente do Equador após derrotar candidato de Rafael Correa

O candidato conservador chega à vitória com 52,5% dos votos, contra 47,5% de Andrés Arauz, o afilhado do ex-presidente

Federico Rivas Molina e Sara España, El País Brasil, 12 de abril de 2021

Guillermo Lasso destruiu todas as previsões das pesquisas eleitorais e será o próximo presidente do Equador. Quando todas os levantamentos anteciparam uma final acirrada com o correista Andrés Arauz, o líder conservador venceu o segundo turno eleitoral por cinco pontos de diferença. Com 98,4% das urnas apuradas, Lasso obteve 52,5% dos votos, por 47,5% de Arauz, o homem escolhido por Rafael Correa para liderar o retorno de sua “revolução cidadã” ao país andino. O resultado foi um duro golpe para o ex-presidente, que acompanhou a campanha desde a Bélgica, país de onde sua esposa é natural. Impedido de retornar ao Equador por condenação por suborno, Correa apostou tudo em Arauz, sem sucesso. O triunfo de Lasso também tem um enorme impacto regional, porque retarda a virada para a esquerda que a América do Sul havia começado com Alberto Fernández na Argentina e Luis Arce na Bolívia.

“No dia 24 de maio, assumiremos o desafio de mudar o Equador com responsabilidade”, disse Lasso, quando a diferença que tinha para Arauz se tornou irreversível. O presidente eleito fez um discurso repleto de conotações religiosas, apelos à reconciliação e limites claros à reivindicação cada vez mais poderosa dos grupos feministas. Deus foi figura onipresente na noite do presidente eleito: “Agradeço a Deus por todas as bênçãos que me deu durante a minha vida”; “Peço a Deus que nos dê paciência e certeza para alcançar a felicidade dos equatorianos”; “Que Deus abençoe o Equador.” Lasso também deixou claro que não haverá aborto em hipótese alguma no país. “Falo com mulheres grávidas. Com minha esposa vamos protegê-las, para que continuem nas escolas, para que possam continuar na universidade “, disse.

A eleição deste domingo definiu a favor de Lasso a disputa correísmo-anticorreísmo que estruturou toda a campanha eleitoral. O presidente eleito, com as permissões que a vitória lhe confere, baixou do palco o tom do confronto, mas jogou com a fama de autoritário que acompanha o seu rival político. Sem mencionar Correa, ele pediu aos equatorianos que não tenham medo de “discordar do presidente”. “Deixe-os expressar suas opiniões livremente”, disse ele, e imediatamente estendeu a mão para a oposição. “Não entrei na política nem para me enriquecer nem para perseguir ninguém”, disse ele, em uma clara referência à sentença de prisão de Correa.

Enquanto Lasso falava, Arauz aceitou a derrota de um hotel localizado no centro de Quito. Vencedor e perdedor não se ouviam —apareciam na televisão ao mesmo tempo—, mas Arauz parecia atender às promessas do presidente eleito. “É fácil pensar que a divisão só é gerada pelo outro, mas é hora da democracia, de acabar com a perseguição política. Senhor Lasso, convido-o a respeitar o Estado de Direito, sem que os diferentes valores e princípios se tornem um estigma, não queremos que os equatorianos continuem presos por seu modo de pensar “, afirmou. Correa, embora ausente, esteve presente na noite das eleições.

O novo poder indígena Lasso neste domingo adicionou quase 2,6 milhões de votos ao seu resultado no primeiro turno. Arauz, quase um milhão. Destes dados podemos tirar a conclusão do profundo erro de cálculo de Correa diante dessas eleições. Sua ascendência sobre o eleitorado não foi suficiente para transferir votos para um candidato de 36 anos que era quase desconhecido quando a campanha começou. Inspirado pelo retorno do kirchnerismo na Argentina ou pelo triunfo de Luis Arce na Bolívia, que resultou no retorno do ex-presidente Evo Morales do exílio em Buenos Aires, Correa considerou possível um triunfo que acompanhou a onda esquerdista no Cone Sul Americano. Mas o Equador não é a Argentina, onde o fator organizador é o peronismo, e nem a Bolívia. O MAS, partido de Arce e Morales, hegemoniza todo o arco progressista de seu país; Correa tem em casa quem se opõe a ele na esquerda. Chave para a derrota de Arauz foi o voto dos desencantados com a política, que no primeiro turno foram para o partido indigenista Pachakutik, liderado por Yaku Pérez, e Xavier Hervas, da esquerda democrática. Pachakutik obteve 1,8 milhão de votos no primeiro turno, apenas 30.000 a menos que Lasso, e seus candidatos à Assembleia venceram em 13 das 24 províncias do país.

O indigenismo será a partir de maio, quando começa a nova legislatura, a segunda força parlamentar no Equador. Terá 27 lugares, contra 49 dos correísmo, 18 de Hervas e 12 do Lasso. Que o voto indígena tenha preferido principalmente Lasso, um candidato muito distante por definição de seus ideais de mudança, em vez de Arauz deve preocupar correísmo. O indigenismo, que não divide a política em direita e esquerda, está pronto para ser uma terceira via que dispensa Rafael Correa. Enquanto isso, Lasso terá que lidar como presidente com uma força emergente que terá a chave para a governança da Assembleia.

Equador, entre a velha polarização e o novo descontentamento

Lasso vence uma eleição apertada e imprevisível que deixa a alta participação dividida em duas metades, mas com uma porcentagem inusitada de 17% de brancos e nulos

Jorge Galindo, El País Brasil, 12 de abril de 2021

O Equador tem uma das proibições de pesquisas mais restritivas da região. Nos dez dias anteriores ao voto não se pode publicar qualquer pesquisa. As últimas publicadas davam, em média, uma ligeira vantagem ao candidato correísta. Andrés Arauz tinha pouco mais de quatro pontos à frente do eterno candidato conservador, Guillermo Lasso. O resultado final foi justamente o contrário, mas com as mesmas escassas margens, dentro da margem de erro.

Manchetes e analistas procurarão o relato nessa mudança, mas a verdade é que, independentemente do vencedor, o retrato demoscópico é fundamentalmente idêntico ao das urnas: o Equador é, hoje, um país dividido em dois blocos simétricos.

Dez milhões de pessoas foram às urnas em um país de voto obrigatório. A participação se manteve em níveis elevados: apenas dois milhões não votaram, uma quantidade proporcionalmente semelhante a eleições passadas. O elevado fluxo de eleitores é um traço característico de eleições polarizadas. Nelas, a população se vê impelida a se manifestar, particularmente se a polarização (como de fato acontece no Equador) tem um forte componente de repúdio à opção contrária à própria. A polarização afetiva, segundo a acepção das ciências políticas, fica mais forte a cada dia em todas as frentes discursivas possíveis. O ex-presidente Correa esteve até o último minuto se encarregando disso, por exemplo, em sua conta do Twitter no exílio: de suspeitas de fraude nas pesquisas a ataques frontais ao seu rival Lasso, os momentos mais fortes da campanha tiveram formato negativo, mais do que propositivo.

Do outro lado a lógica foi exatamente replicada. Lasso está, de fato, há quatro anos em campanha: desde que perdeu contra o ex-presidente em final de mandato Lenin Moreno, antigo braço direito de Correa que mudou rapidamente de lado, mas sem encontrar acomodação e base sólida, seu objetivo durante todo esse tempo foi marcar uma posição clara para acumular capital político como o único líder verdadeiramente afastado do legado correísta.

Nesse ambiente é fácil esquecer que o primeiro turno fechou com um empate que demorou semanas a se resolver entre um candidato relativamente inesperado e o próprio Lasso. Yaku Pérez disputou a vaga com o ex-banqueiro a partir de uma posição indigenista que, depois, tentou sustentar pedindo (e exercendo) voto nulo no segundo turno. E, de fato, essa escolha aumentou notavelmente em relação a 2017: de 670.000 a mais de 1,6 milhão.

Antes de atribuir o poder de movimentar um milhão de apoios ao nulo a Pérez, é importante frisar que no primeiro turno deste ano já houve mais de, justamente, um milhão de nulos. Mas os dois fatos unidos indicam que a polarização pode ser o início, mas não é o final, do retrato político equatoriano. Por trás dela se esconde um descontentamento considerável com o estado das coisas. A potência de um candidato outsider e 17% de votos nulos e em branco dizem tanto como um primeiro turno em que Pérez e outros candidatos (como o empresário tiktoker Xavier Hervás) tomaram de relativa surpresa um estabelecimento acostumado a viver dividido em duas metades. As pesquisas chegaram a identificar a tendência, mas sem calibrar bem sua intensidade, impedidas ao mesmo tempo pela mencionada proibição eleitoral.

O mandato que começa em 24 de maio se movimentará entre estas duas forças gravitacionais da política. A disputa dos dois lados para manter a estrutura da polarização que prejudicou Moreno (não sem sua própria ajuda, e a do vírus); e outros empurrões mais indefinidos, imprevisíveis, que já estão olhando para 2025.

Peru ruma para disputa entre Castillo, de extrema esquerda, e herdeira de Fujimori pela presidência

O professor sindicalista vence nas regiões mais pobres contra o voto conservador na capital Lima, segundo pesquisas

Inés Santaeulalia e Jacqueline Fowks, El País Brasil, 12 de abril de 2021

O outro Peru falou no primeiro turno das eleições presidenciais deste domingo. O Peru que não mora em Lima, o que não está no Twitter e a quem ninguém prestou atenção durante a campanha eleitoral conseguiu colocar um candidato que ninguém viu chegar à cabeça da corrida eleitoral. O professor sindicalista de esquerda radical, Pedro Castillo, foi o candidato mais votado para presidente, de acordo com as primeiras pesquisas conhecidas no encerramento das urnas.

Com 18,1% dos votos, Castillo já tem um pé no segundo turno que será realizado em junho, embora a pesquisa tenha margem de erro de três pontos. Essa mesma contagem coloca a eterna líder conservadora peruana, Keiko Fujimori, em segundo lugar, com 14,5%. A presidência do Peru se encaminha para a uma briga entre dois candidatos aos quais até poucas semanas atrás ninguém dava relevância.

Castillo votou neste domingo em Chota (Cajamarca) a 1.000 quilômetros de Lima, em um cavalo que tiveram que segurar porque ficava nervoso ao ser cercado por uma multidão. O professor da escola, com grande apoio no centro e no sul do país, é um marciano completo para a sociedade de Lima.

Na capital, onde reside um quarto da população peruana (32,5 milhões de habitantes), o voto para o líder do Peru Livre mal chega a 5% nas pesquisas. “As pessoas são sábias, as pessoas entendem, estou comprometido com as pessoas que foram às urnas para refletir democraticamente isso”, disse o candidato a jornalistas quando os primeiros resultados foram conhecidos. Ao seu redor, centenas de pessoas comemoraram os dados como se o coronavírus fosse coisa do passado.

A profunda desconexão territorial que existe no Peru, e que se revelou neste dia eleitoral, atinge também a maior cidade do país. “Estou muito nervoso que um candidato da extrema esquerda seja um dos possíveis a ir para o segundo turno. Se acontecesse com Keiko Fujimori, eu seria forçada a votar nela, algo que nunca teria desejado. Mas ela não faria o Peru estagnar enquanto Castillo vai destruir o país para mim”, disse Julia Valdivia, de 34 anos, nos portões de uma escola no bairro de classe alta de Miraflores (Lima).

A 23 quilômetros dali, no bairro de Villa El Salvador, Ormilda Yamaní fazia fila com um cilindro de oxigênio vazio em uma das saídas da cidade. Sua avó, infectada por covid-19 por três semanas, tem uma saturação tão baixa que precisa de oxigênio constante. Yamaní vai duas vezes ao dia para reabastecer a garrafa. “Às vezes eu chego às sete da noite e eles me atendem às 10 da manhã.” Neste domingo, entre idas e vindas com o tanque pesado, votou em Castillo, a quem chama de “o do lápis” por causa do logotipo de sua candidatura. “Parece-me que ele tem uma boa proposta de educação”, explica antes de chegar a sua vez para votar.

A poucos metros, no coração deste humilde bairro da periferia da capital, dezenas de pessoas fazem fila para votar na escola pública Príncipe de Astúrias. Há Maria, uma dona de casa de 36 anos, que “votou para qualquer um” porque nenhum deles parece certo para ela. Jorge, 29 anos, consultor de vendas, diz que votou em Hernando de Soto “pelo seu conhecimento e porque disse que com ele o custo da [cobiçada] vacina será acessível a quem não a tem”. A proposta de De Soto é que a iniciativa privada adquira as vacinas. Tem também Nancy Urunkuy, 47 anos, mas ela não veio votar. Ele veio procurar o pai de seus três filhos que saiu de casa há três anos e nunca lhe deu um centavo para sustentá-los. “Ele mora por aqui, tem que aparecer”, diz.

No táxi de volta a Miraflores, o motorista Romer Egusquiza recebe a notícia de que seu primo morreu em casa infectado com o coronavírus. “É o quarto da família que eu enterro”, diz ele. “As pessoas que estão morrendo são aquelas que não têm dinheiro. Você se salva se tiver dinheiro”, explica. Em uma das empresas que reabastece os tanques de oxigênio, um trabalhador diz que abre os telefones por uma hora à tarde para fazer consultas e que a cada dia recebem mais de 3.000 ligações que travam a linha.

O Peru votou neste domingo no pior momento da pandemia, com o maior pico de mortes diárias, mais de 380 segundo dados oficiais, dos quais o primo de Egusquiza certamente não está entre eles. Ele, que votou à tarde, garante que vai “rasurar o seu voto”, riscando toda cédula para que seja invalidada.

O cientista político José Incio explica por telefone que em eleições tão fragmentadas, o candidato Pedro Castillo tem atraído o voto de um tipo de eleitorado “que não é avesso ao risco, que quer algo diferente e espera encontrar uma solução para as suas necessidades mais específicas, as que o sistema atual não ajudou “. Para o pesquisador, seu apoio deve ser lido “como uma reivindicação de identidade”. “Se um extraterrestre viesse ao Peru e só assistisse televisão, pensaria que todos os peruanos são como os que se vêem lá, meio europeus, e não é assim”, acrescenta.

Um conservador no social O professor rural Pedro Castillo Terrones, 51, nasceu em Cajamarca, uma das regiões mais pobres do Peru na última década, apesar de ter a maior mina de ouro da América do Sul. O dirigente do sindicato dos professores é, desde 1995, professor primário da escola 10465, no centro da localidade de Puña, na província de Chota, onde nasceu. Neste domingo, antes de ir votar, ele explicou à imprensa que em sua comunidade eles não vão comprar a maior parte dos alimentos porque trabalham na terra ou criam animais.

O político radical de esquerda, vestido com um um chapéu de aba larga, propõe derrubar o Tribunal Constitucional se ele chegar ao poder e se manifestou abertamente contra o aborto, o casamento homossexual, a eutanásia e a abordagem de gênero na escola.

O homem que colocou as elites peruanas aos pés de seu cavalo

Professor radical Pedro Castillo ganha o primeiro turno das eleições à presidência

Inés Santaeulalia e Jacqueline Fowks, El País Brasil, 12 de abril de 2021

A mil quilômetros de Lima, montado em um cavalo e sob um chapéu de palha de aba larga, um professor de escola rural desafia o status quo peruano. Pedro Castillo segue de Chota (Cajamarca) ao Palácio do Governo como vencedor do primeiro turno das eleições presidenciais do Peru, realizadas no domingo. As elites da sociedade de Lima, berço do poder do país sul-americano e origem dos cinco últimos presidentes, acordaram na segunda-feira de ressaca eleitoral nocauteadas pela presença do mais incômodo de todos os candidatos ao seu ecossistema. O professor sindicalista de viés radical, que não liderou as pesquisas até a última semana, chega às portas da presidência com o lema “já basta de pobres em um país rico”.

 

Pedro Castillo Terrones, de 51 anos, nasceu em Cajamarca, uma região andina das mais pobres do Peru. O professor, terceiro de uma família de nove irmãos, conseguiu em 1995 sua vaga como professor de ensino primário em uma escola de sua região, mas sempre teve pretensões políticas. Como líder regional do partido Peru Possível desde 2005, era um completo desconhecido no restante do país até 2017. Nesse ano, um enorme protesto de professores, que exigiam aumentos salariais pela instalação da avaliação periódica dos docentes, paralisou as aulas durante 75 dias em quase todo o Peru. Castillo se colocou à frente das mobilizações e desde então mais ninguém voltaria a esquecer seu nome.

 

O professor navega sobre águas ideológicas complexas. “Tem uma retórica reivindicativa, um discurso basicamente radical, que pode se encaixar à esquerda e à direita”, diz o analista José Carlos Requena. Em seu ideário utiliza muitas vezes os exemplos do Equador e da Bolívia, mas também destaca a nacionalização do petróleo na Venezuela: “Frequentemente nos dizem que a nacionalização é ruim. Mas temos exemplos que desmentem essa teoria absurda”. Castillo promete nacionalizar o gás da Camisea, o projeto energético mais importante do país. Também quer aumentar o orçamento público em saúde e afirma que aumentará o da educação em até 10% ―atualmente está em 4% do PIB―. Os analistas e adversários consideram seus planos inviáveis.

 

Se conseguir levar a chave do Palácio do Governo promete revogar a Constituição de 1993 (promulgada durante o Governo de Alberto Fujimori) e ameaça fechar o Congresso se não o permitirem. A lista de propostas causa autêntico pânico nas elites peruanas, que sempre recusaram qualquer manifestação de esquerda. Em Lima, o voto conservador (grande parte dele ultraconservador) superou 50% no domingo, apoiado em um discurso que sempre relacionou a esquerda ao terrorismo do Sendero Luminoso, que causou milhares de mortes nos anos 80, e com o chavismo. Em Castillo veem refletido os dois lados.

 

O professor, desde a greve de 2017, é relacionado a grupos políticos formados por membros do Sendero Luminoso, em liberdade após cumprir condenação. Ele sempre se desvinculou, mas sua sombra o perseguiu até as urnas. O jornal Perú 21 alertou um dia antes da votação em uma manchete de página inteira em primeiro plano: “Cuidado, o Sendero Luminoso estará presente nestas eleições”. Uma capa que, de qualquer modo, não chegou aos seus eleitores, em sua maioria divididos entre o sul e as regiões mais pobres. No Peru 20% da população vive na pobreza, de acordo com os últimos indicadores oficiais, ainda que se estime que a porcentagem tenha crescido durante a pandemia. Castillo foi ao segundo turno com 18% dos votos.

 

Apesar da enorme distância ideológica, o líder do Peru Livre compartilha uma parte de seu ideário com os políticos conservadores mais votados na capital, como Keiko Fujimori, Hernando de Soto e o candidato de extrema-direita Rafael López Aliaga. A agenda social, uma questão rara na política peruana, resume em uma emenda todos os avanços sociais que preocupam tão pouco da maioria dos arranha-céus de Lima ao grosso das montanhas andinas. Rejeição ao aborto, rejeição ao casamento homossexual, rejeição a incluir a igualdade de gênero no currículo escolar, rejeição à eutanásia.

 

Castillo promete lutar contra o poder estabelecido de seu passado como rondero, uma organização social criada em Chota na década de 70 por agricultores e camponeses para se defender do roubo de gado e da violência. O regime próprio dos ronderos, à margem da lei, inclui chicotadas e o escárnio público contra ladrões e malfeitores. Nas duas décadas em que o Peru sofreu a violência do Sendero Luminoso (1980-2000) a vigilância e força das rondas de Cajamarca deteve a entrada na região do terrorismo que semeava atentados e morte na maior parte dos Andes.

 

Restam dois meses ao segundo turno das presidenciais. Na espera da finalização da votação, tudo leva a crer que será a líder do fujimorismo a encarregada de representar um setor do Peru que não quer Castillo nem pintado de ouro. Ela também não cai no gosto da maioria. Keiko Fujimori é a candidata de maior rejeição entre os eleitores, mas em eleições tão fragmentadas, a porcentagem de fujimoristas acérrimos que ainda mantêm a levaram à segunda posição com apenas 14% dos votos.

 

As elites de Lima continuam procurando nesta segunda-feira no Twitter respostas a resultados que não entendem. Na escola 10465, no centro do povoado de Puña, na província de Chota, o professor de ensino primário às vezes leva seus alunos ao campo, levanta seu celular e caminham em silêncio procurando um ponto de internet para acessar o Google pela primeira vez.