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Editorial. Coronavírus: a “grande desaceleração” se impõe ao mundo

22 de março de 2020

Walter Benjamin chamou a revolução de freio de emergência. O capitalismo é um trem sem controle, acelerando cada vez mais rumo a um precipício. Nossa tarefa é puxar o freio de mão e parar a locomotiva. Essa constatação é também a dos cientistas ambientais que, diagnosticando que o capitalismo industrial cria uma nova era geológica, o antropoceno, apontam que, desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tem ocorrido grande aceleração de todos os processos econômicos e sociais, intensificação e adensamento vertiginoso das relações capitalistas na produção, distribuição, consumo e descarte de mercadorias.

A grande aceleração e a intensificação dos ritmos e vínculos humanos promovidas pelo capitalismo sob a globalização neoliberal retiraram os últimos mecanismos de proteção seja da natureza ou seja de grande parte da humanidade – agora subjugadas à predação sem freios do mercado puro. Criaram uma “normalidade patológica”, onde a aceleração dos tempos do capital quer transformar os seres humanos em máquinas imperturbáveis e ignorar os ciclos da natureza. A grande aceleração é a destruição impiedosa da vida humana e do ambiente em que vivemos em nome da acumulação de capitais. Temos que desacelerar esta curva exponencial que traz consequências desastrosas para nossa relação com a biosfera da Terra. O que se coloca agora é a discussão sobre os rumos do achatamento da curva da grande aceleração. Se pensada de forma autoritária e em benefício do capital ou com vistas ao bem comum.

O que começou como mais uma doença infectocontagiosa, o COVID-19, transformou-se em uma pandemia global que forçou a humanidade a desacelerar radicalmente os processos de interação e contato cada vez intensos estimulados pelo capitalismo. Na noite de 21 de março de 2020, temos mais de 300 mil casos diagnosticados (provavelmente um quinto do número real de pessoas contaminadas, a julgar pelos estudos mais recentes e pela ausência de mecanismos de testagem) e 13 mil mortos. A Europa substituiu a China como centro da pandemia, que se alastra por todo o globo. No continente africano, que vinha sendo menos afetado, já são dez países com casos registrados.


As grandes cidades estão se isolando, os voos sendo suspensos, as fronteiras fechadas. A maquinaria capitalista da produção está tendo que ser suspensa para garantir o processo de reprodução da vida humana na sociedade global. Para desgosto dos capitalistas, os processos de reprodução social estão tendo que ser priorizados frente à produção capitalista, pela ameaça em larga escala à vida humana. A grande desaceleração tende a recolocar também a política, o coletivo e a defesa da vida na frente da economia, do indivíduo e da necropolítica.


Para enfrentar o vírus, a crise, o desamparo e a morte é necessário romper com a “normalidade patológica” da vida capitalista: o individualismo egoísta, o patriarcalismo, o racismo e a homofobia, a predação da natureza, o endeusamento do “mercado”, a prioridade para a economia e a competitividade, o consumo como ideal de vida, a corrida de ratos pelo sucesso e enriquecimento de uns poucos (50 milhões de pessoas que ganham mais de um milhão de dólares por ano em uma população de quase oito bilhões, com grande parte dela enfrentando necessidades básicas).


Não subestimemos as dificuldades, mas tenhamos em mente que precisamos disputar as saídas dessa crise para denunciar e rever, de conjunto, o curso exterminador da globalização neoliberal. A situação atual pode dar lugar ao nacionalismo autoritário, às ditaduras e estados de emergência ou exceção tirânicos, à indiferença e ao fortalecimento da necropolítica já tão presente em nosso território e em outros mais. É uma disputa pelo amor, solidariedade, cooperação e compaixão, pela civilização, pela humanidade e pela nossa casa comum.


Reivindicamos prioridade para serviços públicos de saúde, estatização e nacionalização de empresas e serviços, desglobalização e decrescimento de atividades predatórias ou supérfluas, garantia de renda universal e dos direitos fundamentais – todas são medidas para serem tomadas aqui e agora! É necessário defender a vida. Toda a vida importa!