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Em Santa Quitéria e no mundo, a energia nuclear não tem futuro

8 de agosto de 2021

Barrada por questões ambientais, a mina de urânio e fosfato de Itataia, em Santa Quitéria, no Ceará está sendo reativada pela aliança dos governos federal e estadual. Mas a energia nuclear é uma tecnologia que já foi ultrapassada pela energia eólica e solar e carrega enormes riscos para a população e o meio-ambiente. Seu lugar no mix de eletricidade livre de carbono do futuro deve ser marginal. Na melhor das hipóteses! O debate frances, o país com o maior peso do nuclear na matrix energética, evidencia o anacronismo desta aposta.

Antoine de Ravignan, Alternatives Économiques, 27 de julho de 2021. A tradução é de André Langer

“Não importa se você é a favor ou contra a energia nuclear. Esta não é mais a questão. Simplesmente porque a questão nuclear se tornou irrelevante”. Mycle Schneider, consultor e coordenador de um relatório anual que avalia o estado da indústria nuclear em todo o mundo, cita dois dados. Em 2020, entre entradas em operação e desligamentos definitivos de reatores, a capacidade nuclear líquida em todo o mundo aumentou 0,4 GW. Por sua vez, a capacidade elétrica das fontes renováveis aumentou 260 GW (um novo recorde apesar da Covid), com a energia solar e eólica representando 91% deste total.

Esses dois dados mostram muito bem em que direção o vento está soprando. Evidentemente, quando não há vento ou sol, essas fontes não funcionam. Devemos, portanto, olhar para os volumes produzidos. A partir de 2012, a geração de energia nuclear global teve um novo aumento, depois de atingir um recorde histórico em 2006 e depois cair. Em 2019, antes da crise da Covid, quase havia retornado ao ponto alto de 2006, perto de 2.800 TWh, ou seja, 10,3% da demanda global de eletricidade (os combustíveis fósseis responderam por 62,8% e as energias renováveis, incluindo a hidráulica, 26%). De 2012 a 2019, a produção dos reatores em operação aumentou 325 TWh. Ao mesmo tempo, porém, a produção das turbinas eólicas e dos painéis solares aumentou 1.522 TWh. Em 2019, os parques eólicos e solares já haviam produzido 2.154 TWh.

Com exceção da China, o mundo quase não constrói mais reatores. Número de entradas em operação de novos reatores a cada ano no mundo entre 1951 e 2020. 

Essas duas fontes ultrapassarão mais rapidamente a energia nuclear do que a sua recuperação desde 2012 perderá fôlego. Dos 325 TWh de aumento, 250 TWh vêm somente da China. No entanto, no Império do Meio, o rápido desenvolvimento dos últimos anos já parece estar chegando ao fim. Na verdade, é o resultado de um forte crescimento na construção de reatores nesse (único) país durante os anos 2000 e que atingiu o pico em 2010. Desde então, o número de entradas em operação caiu pela metade, o que resultará automaticamente na década de 2020 em um aumento muito menor na produção de origem nuclear, enquanto as energias renováveis continuam sua ascensão meteórica. Pior, a continuação da construção de novas plantas tornou-se muito incerta.

Uma questão de custos

Este desenvolvimento não é surpreendente. Enquanto a melhor consideração dos riscos nucleares aumenta os custos e a complexidade industrial, as energias eólica e fotovoltaica – muito mais flexíveis, fáceis de controlar e instalar, onde as margens de progressão são ainda consideráveis antes que sua variabilidade não possa mais ser gerenciada pelas capacidades controláveis existentes – viram seus custos despencarem nas últimas duas décadas à medida que foram ganhando escala. Nos Estados Unidos, o custo médio de produção da nova energia nuclear, no final de 2019, é estimado pela firma Lazard em US $ 155/MWh (US $ 117/MWh em 2015), contra US $ 40/MWh para a fotovoltaica (65 dólares em 2015).) E 41 dólares para a energia eólica em terra (55 dólares em 2015). Na França, o custo de produção da central nuclear de tipo EWR [reator de água pressurizada] de Flamanville pode ser entre 110 e 120 euros/MWh, de acordo com o Tribunal de Contas.

Mas de acordo com os relatórios de licitações da Comissão Reguladora de Energia (CRE), os preços de venda da eletricidade foram, em 2020, de 59,50 euros/MWh para a eólica em terra e 52,60 euros/MWh (parques em terra com potência superior a 5 MW). A EDF, que pretende construir uma primeira série de seis EWRs, a um custo de 70 euros/MWh (com uma estimativa de 85 euros/MWh para as três primeiras unidades). Na França, a redução máxima nos custos em relação a uma cabeça de série jamais observada foi de 16%. E se esses novos EWRs forem construídos, não entrarão em operação antes de 2035, enquanto as energias renováveis terão visto seus custos cair ainda mais nesse meio tempo.

Um papel de ajustamento

No longo prazo, mesmo quando os cenários prospectivos abrem espaço para isso, é o caso dos trabalhos do IPCC, da Agência Internacional de Energia (AIE) ou da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), a energia nuclear acaba ocupando um lugar marginal no mix elétrico global livre de carbono do futuro.

A sua importância (muito relativa) depende também dos esforços que serão ou não feitos na economia de energia. De acordo com o cenário da Irena que foi publicado na primavera e baseou-se em uma premissa razoável de controle da demanda energética total, a produção de eletricidade deve triplicar e cobrir metade das necessidades globais em energia em 2050 (em comparação com um quinto hoje). Mas, nesse mix elétrico do futuro, a energia nuclear representaria apenas 4%, contra 90% das renováveis

A energia nuclear claramente não tem perspectivas reais diante da concorrência da energia solar e eólica, o que a limita a um papel de ajustamento da oferta de eletricidade à demanda. Uma pergunta permanece: ela é necessária apenas para gerenciar as flutuações das produções eólica e solar? Ter um mix de eletricidade 100% renovável não seria uma opção melhor?

Poucas oportunidades internacionais

Mesmo supondo que a construção de novos reatores seja reiniciada mundo afora, a França dificilmente se beneficiará. A China tem seguido até agora uma estratégia de domínio tecnológico para abastecer seu próprio mercado. Mas com o desenvolvimento do seu reator Hualong (“dragão”, em chinês) e outros êxitos, como a construção de dois EWRs em uma joint-venture com a França, ela está demonstrando seu know-how para o resto do mundo.

A China tornou-se uma concorrente perigosa para a França, especialmente no Reino Unido, que está considerando a construção de novas unidades. Já a França, com seu fraco desempenho nas plantas EWR em Flamanville e na Finlândia, perdeu sua aura. Ela já havia perdido o contrato com Abu Dhabi em 2009 para a Coreia do Sul, e desde 2008 busca desesperadamente vender seis EWRs para a Índia, que prefere investir em energia solar e eólica, duas a três vezes mais barata, ou firmar contratos com a Rússia para suas usinas nucleares. O custo do EWR francês ou seu equivalente americano (AP1000) está entre US $ 7.500 e US $ 10.500 por quilowatt, em comparação com US $ 2.800 a US $ 5.400 para o Hualong chinês, o APR1400 coreano ou o VVER-120 russo.