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Entregadores em luta: Não começou em São José, não vai terminar em Jundiai

Como apoio da sociedade, o #BrequedosApps ganha força e se espalha país adentro

19 de outubro de 2021

Marco Gonsales é pesquisador no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e militante da Insurgência São Paulo.

Em São José dos Campos, os entregadore(a)s não só aderiram ao último breque nacional, como também conseguiram prolongar a greve por mais 5 dias, totalizando 6 dias de manifestações e se tornando, naquele momento, a mais longa paralização da história da categoria. Segundo o Cabeça, liderança da categoria de São José dos Campos, em entrevista ao Giro Sindical (2021) “A gente se reuniu numa praça aqui no São Dimas e batemos um papo. Ó, a gente só vai parar a greve quando tivermos uma resposta (...) ficamos em lugares estratégicos, onde soltam mais pedidos, no total, no final da noite, quando a gente contava dava 200, 230 motoboys, quando foi no terceiro e quarto dia, quando fizemos um reunião no estádio Martins Pereira, tinha mais ou menos uns 400 motoboys”.

Apenas quando a Ifood aceitou marcar uma reunião com a categoria no dia 28 de setembro, a greve foi interrompida. Segundo Cabeça, na reunião, a empresa pediu 10 dias para emitir um comunicado sobre um possível aumento. Os motoboys aceitaram, mas disseram que estariam em estado de alerta de greve. No dia 8, a empresa comunicou que aumentaria a taxa, mas apenas em novembro. A categoria ainda debate se há folego para mais uma greve ainda este ano.

Não é de hoje que a classe trabalhadora de São José dos Campos e região faz história. O(a)s metalúrgicos joseense(a)s foram responsáveis por longos e consistentes enfrentamentos ao capital, como a grande ocupação de 3 dias da fábrica da Embraer, em 1984, brutalmente repreendida por militares, a greve de 28 dias realizada pelo(a)s trabalhadore(a)s da GM, em 1985, e a greve de 27 dias da Bundy, em 1989. No entanto, o que ainda não sabíamos é que o formato de longas greves, iniciada em São Jose dos Campos, se tornaria referência e um padrão para uma série de consistentes e duradouras ações grevistas promovidas pelos entregadore(a)s de diversas outras cidades, principalmente, de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Em Jundiai, São Paulo, entre os dias 9 e 14, o(a)s entregadore(a)s escreveram mais um importante capítulo desta história. Foram 6 dias de paralisações com piquetes montados tanto no Maxi Shopping como no Jundiaí Shopping. Segundo uma das lideranças da categoria, no discurso de encerramento da greve: “Estamos aqui em Jundiai no sexto dia de greve. A luta não começou aqui, começou lá em São José. Pegamos o bastão que hoje está em Jundiai e iremos passar para Niterói, Bauru, São Gonçalo e Paulínia. Demos um soco, um soco bem forte no estomago do Ifood”.

Em Paulínia, São Paulo, a greve que começou no último dia 8 se tornou a mais longa greve da história da categoria, 7 dias de breque. Nos dias 11 e 12 de outubro, o breque foi em São Carlos e sexta-feira, dia 15 de outubro, foi a vez do(a)s entregadore(a)s de Bauru e Atibaia e do(a)s fluminenses de Niterói, de São Gonçalo e da Região Oceânica brecarem suas motos. Em Bauru, a greve durou um dia, no entanto, em Atibaia o movimento brecou por quarto dias e no Rio de Janeiro a promessa é de paralização até o dia 21 de outubro. As pautas do(a)s entregadore(a)s, nas diferentes regiões, tem sido praticamente as mesmas. Em suma, reivindicam o aumento das taxas, o fim das coletas duplas e dos bloqueios indevidos.[1]

Sem a ajuda dos consumidores dificilmente o movimento conseguiria obter êxito ao tentar prolongar as greves. Desde o primeiro breque de 2020, os entregadore(a)s astutamente conquistam corações e mentes dos clientes. Na ocasião, a categoria promoveu uma série de postagens em suas redes sociais solicitando aos consumidores a adesão ao protesto negativando e mal avaliando as empresas. O resultado superou as expectativas. Os aplicativos receberam mais de 50 mil avaliações negativas sendo 98% de apenas uma estrela (pior avalição possível nas lojas virtuais de apps) (RBA, 2020).

Nesta toada, no dia 23 de julho de 2021, os Entregadores Antifascistas promoveram o dia do Apagão dos Apps. Uma campanha que visou estimular os consumidores a não realizarem pedidos por um dia, a negativarem novamente as avaliações dos apps, a aderirem aos twitaços e a exigirem das pessoas públicas, via redes sociais, um posicionamento sobre as condições de trabalho promovidas pelas empresas de delivery. No início da tarde do dia 23, a #ApagaoDosApps estava entre os assuntos mais comentados do Twitter, batendo até o tema das Olimpíadas (RBA, 2021). Como costuma dizer Paulo Galo, liderança dos Entregadores Antifascistas “os clientes também são classe trabalhadora”.

Mais uma vez, os consumidores que negativaram os aplicativos no primeiro breque e participaram do apagão do apps, atendem a um novo pedido de apoio da classe e se solidarizam com o movimento dos trabalhadore(a)s das pequenas e medias cidades apoiando suas greves também com novos twitaços[2] e principalmente com doações para fundos de greve. Como as empresas não reconhecem a condição de assalariamento da categoria e tão pouco remuneram o tempo morto de trabalho, estar em greve se torna um desafio ainda maior. Sem o fundo de greve, dificilmente, a categoria conseguira prolongar as greves como estão fazendo.

A urgência das empresas de delivery por aplicativos transformou motoboys e motogirls em entregadore(a)s por aplicativos. Um processo que objetiva rebaixar o valor da força de trabalho, entender e intensificar a jornada, transferir custos para o trabalhador(a), o expropriar de sua identidade profissional e de classe. No entanto, o tiro tem saído pela culatra e o que vemos é um novo sujeito coletivo que saí da “invisibilidade social, aparentemente individualizada e estranhamente anônima, para a visibilidade social, coletiva, política e de classe” (SANTANA, ANTUNES, 2020, s/p).

Tradicionalmente, os motoboys e motogirls se organizavam coletivamente para protestarem contra os processos de regulamentação impostos pelos setores públicos, como nas grandes paralizações promovidas na cidade de São Paulo, em 1999, 2004, 2008, 2012 e 2013. A inflexão do movimento, começa em 2016, quando trabalhadores(a)s da Loggi realizaram o primeiro protesto como entregadores denunciando a arbitraria e inusitada redução nos valores das tarifas pagas pela empresa em até 60%. Desde então, o movimento por melhores condições de trabalho não para de crescer e pulsar.

Em outras palavras, o modelo plataformizado/uberizado de controle e organização da força de trabalho, dado por muitos como intransponível, tem se demonstrado ineficaz na superação da antagônica dinâmica das relações entre capital e trabalho e, hoje, é um dos setores mais vibrantes e estimulantes da resistência da classe trabalhadora no Brasil e em diversos locais do mundo. Outrora autônomos e empregados de pequenas empresas terceirizadas, agora, os entregadores e entregadoras por aplicativos, subordinados ao grande capital, à grandes empresas como a Uber, Ifood, Rappi, Didi Chuxing (99), dentre outras, se aproximam do palco principal da luta de classes.

Apenas entre janeiro de 2017 e maio de 2020, segundo o Leeds Index of Platform Labour Protest (TRAPPMANN et. al., 2020), foram realizados pelo menos 527 greves e/ou protestos organizados por entregadores intermediados por aplicativos em 36 países. Greves e protestos expressivos, muitos, espontâneos, organizadas por grupos e associações informais (29,6%), mas também apoiados pelos sindicatos tradicionais ou majoritários (29%), articuladas através das redes sociais. Um movimento de expressiva horizontalidade e alguns de amplitude internacional, características similares ao movimento do(a)s entregadore(a)s brasileiro(a)s.

Um movimento de resistência ainda incipiente, ideologicamente diverso, com suas contradições, que, como não poderia ser diferente, tem seus limites, assim como, desafios organizativos, mas que traz novas dinâmicas e estabelece novos padrões de articulação, organização, método e oxigena a luta da classe trabalhadora neste começo de século. Como afirma Ricardo Antunes (2020, p. 22), o Breque dos Apps “sinaliza o início de uma nova fase de lutas sociais desencadeadas pelo novo proletariado de serviços da era digital”.

Para apoiar os Breques dos Apps sigam as páginas das associações, coletivos e lideranças como o(a)s Entregadores Antifascistas, Treta no Trampo, Ralf MT, AMAE-DF, APP-RJ e Entregadores Resistencia.

Referências

ANTUNES, R. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da indústria 4.0. In: Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1ª edição: Boitempo, 2020.

RADIO CT. Giro Sindical 6: A greve dos motoboys. Youtube. 9 out. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GFvE5gUeCcc&t=425s.

RBA. #BrequeDosApps: entregadores fazem mobilização e pedem apoio da sociedade. Greve Nacional. RBA. 25 jul. 2020. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2020/07/breque-dos-apps-greve-entregadores/

RBA. ‘Apagão dos Apps’ mobiliza entregadores e clientes por dignidade no trabalho. Mesma Fita. RBA. 23 jul. 2021. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2021/07/apagao-dos-apps-mobiliza-entregadores-e-clientes-por-dignidade-no-trabalho/

SANTANA, M; ANTUNES, R. A pandemia da uberização e a revolta dos precários. Resistências latino-americanas. América Latina. Le Monde Diplomatique Brasil, 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-pandemia-da-uberizacao-e-a-revolta-dos-precarios/.

TRAPPMANN, V. et al. Global Labour Unrest on Platforms. The case of food delivery workers.  Friedrich Ebert Stiftung, 2020.

[1] Chamamos atenção para os movimentos que estão promovendo longas greves, no entanto, não é apenas na pequenas e médias cidades que a categoria tem protestado. No dia 28 de setembro, os entregadores de João Pessoa saíram em carreata e travam as principais vias da cidade em protesto em memória do entregador Kelton Marques, acidentado e morto por um automóvel em alta velocidade no dia 10 de setembro. Na periferia da cidade de São Paulo, o movimento também ganha força. Entregadore(a)s do Grajau brecaram no dia 15 de julho e da Zona Leste nos dias 29 de julho e 26 de agosto. Na Barra, no Rio de Janeiro, a categoria brecou no dia 18 de julho.

[2] No dia 14 de outubro, em meio a greve de Jundiai, a campanha no Twitter alcançou o 1º lugar nos trending topics com #BrequeDosAPPs.