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Eric Toussaint: Bens comuns mundiais contra Big Pharma

18 de outubro de 2021

A pesquisa e a produção das vacinas foram quase inteiramente financiadas pelo poder público

O desenvolvimento e a produção das vacinas Covid foram financiados pelos poderes públicos

O desenvolvimento e a produção de vacinas contra a covid têm sido amplamente financiados pelo poder público. A vacina da AstraZeneca, empresa anglo-sueca, foi concebida por pesquisadores da Universidade de Oxford que exigiram que a empresa a vendesse a preço de custo. Resta a verificar se a AstraZeneca realmente respeita este compromisso. Isto está longe de ser certo, já que a administração da AstraZeneca se recusa a dar transparência tanto sobre os contratos assinados com os compradores da vacina quanto sobre seus custos de produção. O que é certo é que o diretor da AstraZeneca, o francês Pascal Soriot, recebeu um forte aumento de salário, chegando a 17,9 milhões de euros em 2021 [1].

As vacinas ARNm da Pfizer (EUA) - BioNTech (Alemanha) e da Moderna (EUA), que foram lançadas em menos de um ano, são parcialmente baseadas em patentes anteriores. Em particular, uma tecnologia desenvolvida pela Universidade da Pensilvânia para fazer um ARN mensageiro inofensivo para o corpo, que foi patenteado em 2005. [ARNm = ácido ribo-nucleico mensageiro, mRNA em inglês - nota do ed.]

A técnica inovadora de estabilização da proteína spike (proteína espigão) também tem origem em pesquisas públicas. De facto, a patente específica apresentada pelo governo dos EUA – patente número 10.960.070, mais conhecida como a patente 070 – está relacionada à forma como a proteína spike é estabilizada na vacina, uma técnica que foi desenvolvida pelo centro de pesquisa sobre vacinas do National Institutes of Health (NIH), uma agência do governo dos EUA. Este é um elemento chave da vacina ARNm desenvolvida em conjunto pela Moderna e pelo National Institutes of Health (NIH) em 2020 [2].

Várias empresas estão pagando royalties ao governo americano pelo uso da patente de 070, incluindo a empresa alemã BioNTech, que desenvolveu sua vacina Covid-19 com a Pfizer. Enquanto a Moderna, por outro lado, não fez nenhum pagamento ao Tesouro dos EUA.

De acordo com Christopher Morten, vice-diretor da Technology Law and Policy Clinic da universidade de Nova York, «Moderna está infringindo a patente do National Institutes of Health para cada dose de vacina que fabrica ou vende nos Estados Unidos». Em uma declaração ao Financial Times, ele acrescentou em abril de 2021 que «se o governo americano decidir processar Moderna, Moderna poderá estar devendo mais de $1 trilhão somente sobre as vendas até o final deste ano’ [3].

Segundo Christopher Morten, diretor-adjunto da Technology Law and Policy Clinic da Universidade de Nova York: Se o governo dos EUA decidir processar Moderna, esta poderá ficar devendo mais de um trilhão de dólares

Em outras ocasiões, o governo dos EUA já defendeu suas patentes nos tribunais. Após mobilizações e protestos contra o preço abusivo praticado pela empresa privada americana Gilead Sciences por seu medicamento Truvada de prevenção da SIDA, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos EUA processou a empresa em 2019 alegando que a empresa havia infringido uma patente do governo [4]. Quando a ação judicial começou, o Truvada podia custar até US$ 20.000 por ano nos EUA, mas era vendido como genérico em outros lugares por apenas US$ 6 por mês. O litígio ainda está em andamento [5]. Aproveito para ressaltar que a Gilead Science faturou, no segundo trimestre de 2021, US$ 829 milhões nas vendas do seu medicamento antiviral Remdesivir, usado para pacientes hospitalizados com covid-19. A Gilead Science espera que as vendas da Veklury, o nome comercial do Remdesivir, atinjam entre US$ 2,7 e US$ 3,1 bilhões para todo o ano de 2021. Deve-se notar que na França, em setembro de 2020, a Haute Autorité de Santé (HAS, Alta Autoridade de Saúde) julgou a eficácia do Remdesivir como «baixa» antes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) finalmente desaconselhasse seu uso em novembro do mesmo ano. Este é mais um exemplo de uma empresa privada que ganha muito dinheiro com um medicamento cuja eficácia é duvidosa [6]. 

Os governos ocidentais têm financiado amplamente as grandes empresas farmacêuticas privadas

Durante o mandato de Donald Trump, os EUA pré-financiaram pesquisas, ensaios clínicos e produção no valor de 11 bilhões de dólares. Mais precisamente, a empresa americana Johnson & Johnson havia recebido mais de US$ 450 milhões e depois US$ 1000 milhões dos EUA até março de 2020, por 100 milhões de doses de vacina. Desde o início da crise sanitária, a Pfizer e a BioNtech receberam quase 2 bilhões de dólares dos EUA por 100 milhões de doses. A Moderna acertou na loteria, com US$ 2,5 bilhões para financiar os ensaios clínicos e produzir 100 milhões de doses. Os EUA também concederam US$ 1,6 bilhões à empresa de biotecnologia Novavax por 100 milhões de doses. A AstraZeneca recebeu US$ 1,3 bilhões por 300 milhões de doses. A administração Biden, a partir de janeiro de 2021, continuou o financiamento maciço da Big Pharma [Grandes Farmacêuticas] com novas compras.

Os EUA de Trump pré-financiaram pesquisas, ensaios clínicos e produção no valor de 11 bilhões de dólares. Na Europa, são pelo menos 2 bilhões de euros somente em 2020.

Do lado europeu, em novembro de 2020, soubemos que a Comissão Europeia havia assinado acordos com seis laboratórios: Moderna (160 milhões de doses encomendadas), AstraZeneca e Johnson & Johnson (400 milhões de doses cada), Sanofi-GSK (300 milhões de doses) Pfizer-BioNTech (300 milhões de doses) e CureVac (405 milhões de doses). Em 2020, isto representou 2 bilhões de euros, mas desde então os montantes pagos a empresas privadas aumentaram significativamente [7]. Isto é o que vimos na Parte 2. Por exemplo, as encomendas da Comissão Europeia para Moderna aumentaram de 160 milhões para 460 milhões de doses na primavera de 2021. 

O escândalo Moderna, campeão da evasão fiscal

A Moderna foi fundada em 2010. Até a pandemia do coronavírus, seu volume de negócios era baixo e estava sofrendo prejuízos. A vacina do coronavírus de Moderna, denominada «a vacina do povo» pelo grupo de consumidores Public Citizen, foi desenvolvida com fundos públicos, vindos principalmente do Governo dos EUA. De acordo com o Public Citizen, o desenvolvimento da vacina foi inteiramente pago pelos contribuintes. De facto, a Moderna utilizou os resultados da pesquisa do ARNm realizada pela Universidade da Pensilvânia. Além disso, uma patente crucial necessária para fabricar a vacina foi desenvolvida por cientistas dos National Institutes of Health dos EUA (NIH) e é propriedade do governo dos EUA. A própria vacina ARNm foi desenvolvida conjuntamente pela Moderna e pelo NIH dos EUA e, como resultado, a patente da vacina Covid-19 é detida conjuntamente pela Moderna e pelo governo dos EUA.

Segundo o Public Citizen, o desenvolvimento da vacina Moderna foi inteiramente pago pelos contribuintes

O pesquisador Vincent Kiezebrink da ONG holandesa SOMO explica em um excelente relatório sobre Moderna que, «De acordo com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, Moderna tinha recebido, até dezembro de 2020, US$ 4,1 bilhões para o desenvolvimento, testes clínicos e fabricação de vacinas, dos quais aproximadamente US$ 1 bilhão foi concedido pela Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA), uma agência dentro do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA. O contrato com a BARDA contém alegadamente uma cláusula exigindo que a Moderna publique a parte de seu investimento financiada pelo governo dos EUA, o que a Moderna não fez até agora» [8].

Moderna tinha recebido, até dezembro de 2020, 4,1 bilhões de dólares

De acordo com Vincent Kiezebrink, a CEPI (Coalition for Epidemic Preparedness Innovations [Coligação para Inovações de Preparação para Epidemias]), que está envolvida na iniciativa COVAX discutida na Parte 2 desta série, também concedeu uma subvenção de 900.000 dólares à Moderna em janeiro de 2020 para desenvolver sua vacina ARNm. Moderna concordou com os «princípios de acesso equitativo» da CEPI, que estabelecem que as vacinas devem ser distribuídas com base na necessidade e a preços acessíveis para populações de risco, particularmente em países de baixa e média renda. Embora tenha aceitado o subsídio com estas condições, a Moderna tem vendido até agora sua vacina principalmente aos países ricos. 

Os altos preços da Moderna

O único produto comercial da Moderna é sua vacina contra o coronavírus, conhecida como mRNA-1273. No total, a Moderna estima que as vendas para 2021 serão de cerca de US$ 18,4 bilhões. Já assinou acordos que cobrem vendas totais de cerca de 1,15 bilhões de doses durante o período de 2021-2022. Cerca de 84 % das vendas serão para os EUA e a UE, que encomendaram 500 milhões e 460 milhões de doses da vacina, respectivamente.

Podemos afirmar que para Moderna, como para outras grandes empresas farmacêuticas, a pandemia do coronavírus é uma dádiva inesperada. O preço das ações da Moderna aumentou 20 vezes entre dezembro de 2019 e setembro de 2021

Nas suas vendas ao governo dos EUA, Moderna cobraria, segundo informações, $15 (12,90 euros) por dose. Um contrato entre Moderna e a UE, conhecido como «acordo de compra antecipada», que foi divulgado à imprensa no inverno de 2020-2021, mostra que a Comissão Europeia e os estados membros da UE acordaram um preço total de 22,50 dólares (19,50 euros) por dose. Moderna depois anunciou no verão de 2021 um aumento no preço de venda a UE para 21,50 euros.

A Moderna espera que o custo de produção represente cerca de 20 % de suas vendas para 2021. Dividindo o lucro esperado da Moderna por suas vendas de 2021 resulta que para cada euro do dinheiro do contribuinte gasto em uma vacina Moderna, a empresa terá um lucro líquido de 0,44 euros (44 centavos). Portanto, quase metade do volume de negócios da Moderna será de lucro, uma margem excepcionalmente alta [9].

Podemos dizer que para Moderna como para outras grandes empresas da Big Pharma, a pandemia do coronavírus é uma dádiva inesperada. O preço das ações da Moderna aumentou 20 vezes entre dezembro de 2019 e setembro de 2021. Em um período mais curto, entre setembro de 2020 e setembro de 2021, o preço das ações da Moderna na bolsa Nasdaq em Nova York subiu 500 %, enquanto o NASDAQ como um todo subiu 31 % durante o mesmo período [10]. 

Moderna declara sua renda em paraísos fiscais para pagar o mínimo possível de impostos

Moderna e o estado americano de Delaware

Os proprietários da Moderna são especialistas em evasão fiscal. Eles criaram a sede no estado de Delaware, onde a empresa não faz nenhuma produção ou pesquisa médica.

Os proprietários do Moderna são especialistas em evasão fiscal. Eles instalaram a sede no estado de Delaware, onde a empresa não tem nenhuma produção ou pesquisa médica. Delaware é um notório paraíso fiscal [11], conhecido mundialmente pelos níveis extremamente baixos de tributação que oferece às corporações. Enquanto a população do Estado é inferior a 1 milhão (973.000 em 2019), cerca de 1,5 milhões de empresas estão sediadas lá [12]. Como vimos na Parte 2, a indústria farmacêutica obtém uma grande parte de sua receita com royalties pelo uso de patentes que possui. Entretanto, o Estado de Delaware não cobra nenhum imposto sobre a receita de patentes. A Moderna possui 780 patentes em Delaware. Destas, 595 patentes mencionam a tecnologia do ARNm, que é a base da vacina Moderna contra o coronavírus. As autoridades de Delaware permitem que as empresas sediadas no estado mantenham segredo sobre as receitas oriundas de suas patentes, já que não têm que informar as autoridades fiscais locais. Isto torna muito difícil, senão impossível, determinar o volume de royalties vindas do mundo inteiro que Moderna receberá em Delaware.

Moderna e o cantão de Basileia, na Suíça

Os países da União Europeia pagarão mais de 10 bilhões à Moderna para a compra de 460 milhões de doses de sua vacina anti-covid

Os países da União Europeia pagarão à Moderna mais de 10 bilhões de euros por 460 milhões de doses de sua vacina contra a covid. Outros pedidos e pagamentos virão em seguida. A fim de evitar o pagamento de impostos em um estado membro da UE sobre a renda de suas vendas na UE, a Moderna criou uma empresa na Suíça em julho de 2020 no cantão de Basileia, chamada Moderna Switzerland GmbH. Isto foi revelado por Vincent Kiezebrink para a ONG SOMO no estudo citado acima. A taxa de imposto oficial no cantão da Basileia é de 13 %, mas a taxa real cobrada é inferior a 8 % e é provável que Moderna tenha negociado um tax ruling (acordo fiscal) com as autoridades do cantão que lhe permitirá pagar uma taxa ainda mais baixa. A deputada suíça Stephanie Prezioso denunciou a manobra de Moderna e a cumplicidade das autoridades suíças em 21 de setembro de 2021, perante o Conselho Federal da República Suíça. Em sua interpelação, Stéphanie Prezioso declara: «Em seu contrato com a Comissão Europeia, a Moderna exigiu receber os fundos para o pagamento de suas vacinas entregues à UE na Suíça, no cantão de Basileia, onde a Moderna Switzerland GmbH (fundada em junho de 2020, quando a vacina já estava desenvolvida!) aproveitará os efeitos do RFFA (reforma do sistema de impostos corporativos) para pagar impostos ridículos». A deputada faz, especificamente, a seguinte pergunta: «O acordo de Moderna com a Comissão Europeia equivale a bilhões de dólares em evasão fiscal para nossos vizinhos europeus. O Conselho Federal não considera isto contrário ao objetivo que se propôs, em suas próprias palavras (…), de comprometer-se “a um acesso global equitativo, acessível e rápido às vacinas, medicamentos e diagnósticos contra a Covid-19”» [13]. Este caso foi noticiado na imprensa de Genebra [14]. Por sua vez, Miguel Urban, o eurodeputado espanhol de Anticapitalistas, também denunciou este escândalo nas colunas da mídia alternativa espanhola El Salto.Nas colunas desta mídia, Miguel Urban afirma que «a única razão pela qual os pagamentos são dirigidos à Suíça é seu status, com uma jurisdição opaca, de paraíso fiscal» [15]. O eurodeputado espanhol endereçou várias perguntas à Comissão Europeia (CE) para saber se a própria CE está promovendo um sistema de engenharia fiscal para defraudar as autoridades fiscais dos vários estados membros da UE e se está considerando investigar ou consultar as autoridades suíças para saber se Moderna está usando a Suíça para evitar impostos sobre a venda de vacinas na Europa. 

A cumplicidade da Comissão Europeia com a Big Pharma, o exemplo do contrato de dezembro de 2020 com a Moderna

Os Estados-Membros da UE se comprometeram a compensar a Moderna se ela for considerada responsável pelos danos causados por sua vacina. O contrato também estabelece que Moderna é o proprietário das patentes da vacina e pode fazer o que quiser com elas

O segredo no qual a Comissão Europeia e seus estados membros negociam com a Big Pharma foi parcialmente desvendado pela publicação de um contrato muito importante assinado entre a Comissão e a Moderna Switzerland GmbH, a empresa criada para evitar o pagamento de impostos na UE [16], como acabamos de ver. O contrato pode ser baixado do website da estação italiana de rádio e televisão, RAI. Nele consta que a Comissão pagará à Moderna $4,50 por dose antecipadamente, o que significa que a Comissão pagou antecipadamente o custo de produção de cada dose. Além disso, ele indica que se a vacina que estava sendo aprovada tivesse efeitos colaterais graves (inclusive causando a morte de pessoas vacinadas), Moderna não seria responsabilizada pela Comissão ou pelos estados membros. Pelo contrário, os estados membros se comprometem neste contrato a compensar a Moderna se ela for considerada responsável por qualquer dano causado por sua vacina. Este é o ponto K da página 3 do contrato de 69 páginas. O contrato também estabelece que Moderna é o proprietário das patentes de vacinas e pode fazer o que quiser com elas.

Temos a sorte de ter uma cópia deste contrato à nossa disposição. Dos termos do contrato, é seguro assumir que a Comissão deve ter assinado o mesmo tipo de contrato com outras empresas farmacêuticas: Pfizer, BioNTech, Curevac [17], AstraZeneca [18], etc. Isto é corroborado pelos extratos dos contratos assinados com a Curevac e AstraZeneca que vazaram para a imprensa. 

As Grandes Farmacêuticas praticam o apartheid em nível global com a cumplicidade dos governos

Para a Big Pharma é mais lucrativo fornecer primeiro os países ricos, porque os governos do Norte pré-financiam parte da produção e estão prontos para pagar um preço alto

É mais lucrativo fornecer primeiro os países ricos porque os governos do Norte pré-financiam parte da produção e estão dispostos a pagar um preço alto. A Big Pharma deu-lhes, portanto, prioridade máxima. Os números que mostram a distribuição geográfica dos suprimentos de vacinas falam por si mesmos. Para Moderna, a União Europeia e os Estados Unidos respondem por 84 % de suas vendas totais. 98 % das entregas da Pfizer/BioNTech e 79 % das entregas da Johnson & Johnson foram alocadas em países de renda alta e média-alta. Até agora, a Pfizer e a BioNTech entregaram nove vezes mais doses de vacinas somente na Suécia do que em todos os países de baixa renda combinados [19].

A cartografia das imunizações também mostra muito claramente que parte do mundo está sendo abandonada. Lembramos que, no momento deste escrito no início de outubro de 2021, das 5,76 bilhões de doses injetadas em todo o mundo, 0,3 % foram para países de baixa renda onde vivem cerca de 700 milhões de pessoas. Apenas 2,1 % da população nos 27 países de baixa renda receberam uma dose de vacina covid, enquanto mais de 60 % da população na América do Norte e Europa Ocidental estão vacinados.

Dos 5,76 bilhões de doses injetadas no mundo, 0,3 % foram para países de baixa renda, onde vivem cerca de 700 milhões de pessoas

Doses de vacina covid-19 administradas por 100 pessoas, 3/10/2021

Número total de doses administradas, dividido pelo total da população do país

Fonte: https://ourworldindata.org/covid-vaccinations, acessado em 4/10/2021.

A China e Cuba representam uma situação particular porque as autoridades desses dois países utilizaram as empresas públicas nacionais e seus serviços de saúde pública para produzir e vacinar sua população. No caso da China, em meados de setembro de 2021, 70 % da população estava totalmente vacinada [20]. 

A cumplicidade e a culpabilidade dos governantes

Embora o Governo americano detenha a patente da vacina de ’070, ele não a disponibiliza para os países que desejam utilizá-la

Os governantes de um punhado de países ricos estão se opondo à liberação das patentes, desejada por mais de 100 países do Sul Global. Entre os notórios opositores à liberação de patentes estão a Comissão Europeia, a Suíça e o Japão. No caso dos Estados Unidos, embora o presidente Joe Biden tenha anunciado em maio de 2021 que era a favor do levantamento das patentes, até agora ele não conseguiu convencer os governos que estavam bloqueando a questão na Organização Mundial do Comércio (OMC). Igualmente grave: enquanto o governo dos EUA detém a patente ’070 da vacina, ele não a está disponibilizando para os países que querem usá-la. 

Os governos poderiam facilmente produzir bilhões de doses de vacinas

De acordo com a organização radical de consumidores americana Public Citizen, com sede em Washington, o Governo americano tinha e teria condições de produzir ele mesmo as vacinas ARNm usando a patente ’070. Também poderia repassar a patente gratuitamente aos Estados que desejam produzir a vacina para sua população e, em um gesto de solidariedade, para outros povos. O seguinte é um trecho de um comunicado de Public Citizen de meados de novembro de 2020 comentando o anúncio da produção da vacina mRNA-1273 da Moderna: «Esta é a vacina do povo. (…) Não é apenas a vacina da Moderna. Cientistas federais ajudaram a inventá-la e os contribuintes estão financiando seu desenvolvimento. Todos nós desempenhamos um papel. Ela deve pertencer à humanidade. Tanto a atual administração [ou seja, a administração de Trump, nota de Eric T] como o presidente eleito Biden têm a oportunidade de tornar esta vacina um bem público gratuito disponível a todos e ajudar a aumentar a produção global, para evitar um racionamento medicinal que poderia se tornar uma forma de apartheid global das vacinas» [21]. Neste caso, não se trata de liberar ou suprimir a patente, mas simplesmente de torná-la disponível a outros. Ao se recusar a fazer isso, apesar de ter sido solicitado por organizações como Public Citizen, o governo de Joe Biden está deixando claro que quer proteger os privilégios da Big Pharma.

Segundo o Public Citizen, o governo poderia facilmente produzir bilhões de doses de vacinas a um custo muito inferior às somas pagas até então às grandes indústrias farmacêuticas 

De acordo com um novo e convincente estudo publicado em maio de 2021 pelo Public Citizen, os governos, começando pelos dos países mais ricos, poderiam facilmente produzir bilhões de doses de vacinas a um custo muito inferior às somas pagas até então às grandes indústrias farmacêuticas. Public Citizen o demonstra com base em um estudo de pesquisadores do Imperial College of London. O estudo demonstra de maneira convincente «que a comunidade global poderia criar centros regionais capazes de produzir oito bilhões de doses de vacina contra o ARNm até maio de 2022». Isto seria suficiente para cobrir 80 % da população. O custo? US$ 9,4 bilhões para uma vacina do tipo Pfizer-BioNTech, para 5 instalações, 17 linhas de produção e 1386 funcionários. Um número a ser comparado com as dezenas e dezenas de bilhões que foram distribuídos à indústria farmacêutica pelos Estados, para vacinar apenas as pessoas dos países ricos… e para servir dividendos aos acionistas [22].

Fora da América do Norte e Europa, outras vacinas contra o coronavírus foram totalmente financiadas pelos governos direta ou indiretamente, como a Sputnik 5 e a Sputnik Light, produzidas na Rússia. Este também é o caso das vacinas chinesas produzidas pela Sinopharm, a BIBP aprovada pela OMS em maio de 2021 e a CoronaVac produzida pela Sinovac Biotec Ltd [23]. Finalmente, é também o caso das vacinas cubanas Soberana 2 e Abdala [24]. 

Graças às patentes e à ajuda estatal, a Big Pharma recebe uma renda ilegítima

Os preços cobrados pela Big Pharma pelas vacinas covid são totalmente abusivos. Dois exemplos: de acordo com estimativas baseadas em pesquisas do Public Citizen, a vacina Pfizer/BioNTech custa à empresa apenas US$ 1,20 por dose para produzir em larga escala. A vacina custa à Moderna cerca de US$ 2,85 por dose [25]. Em contraste, a Pfizer cobra até $23,50 por dose em alguns países, e a Moderna cobra até $37.

As grandes empresas farmacêuticas privadas formaram um cartel para cobrar preços abusivos, manter suas patentes e aumentar os preços quando a pandemia atingir um novo nível. Procuram maximizar seus lucros, pagar o mínimo possível de impostos e ter uma renda garantida por pelo menos 20 anos

Para justificar os altos preços das vacinas, medicamentos ou tratamentos, os representantes da indústria farmacêutica declaram um alto nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e ensaios clínicos. Este argumento é geralmente fácil de descartar, mas no caso da produção da vacina covid, ele desmorona imediatamente porque as despesas com P&D e ensaios clínicos foram financiadas publicamente com o dinheiro dos contribuintes.

A decisão dos governos do Norte de realizar uma terceira injeção favorece os interesses particulares da Big Pharma, que se beneficiará ainda mais. Se as patentes de vacinas, testes e medicamentos não forem levantadas ou simplesmente abolidas, as grandes empresas privadas que dominam o setor farmacêutico colherão receitas colossais durante 20 anos às custas da população, dos orçamentos do Estado e dos sistemas de saúde pública. Portanto, a aposta é enorme porque sabemos que as injeções de reforço serão recomendadas ou impostas. Imagine uma injeção anual durante 20 anos com uma vacina protegida por uma patente e, portanto, vendida a um preço elevado… Isto proporciona uma receita extraordinária.

Vale notar que Frank D’Amelio, diretor financeiro da Pfizer, disse aos executivos e acionistas da empresa que o preço atual de US$ 19,50 que a empresa cobrou do Governo americano por sua vacina está condicionado à existência de uma pandemia. Frank D’Amelio continuou argumentando que quando a pandemia acabar, a Pfizer pretende obter um preço melhor. D’Amelio se referiu aos preços «normais» de $150 ou $175 por dose [26], que é cerca de 7,5 a 9 vezes o preço que a empresa cobra atualmente nos EUA e na UE. Aparentemente, a margem de lucro atual para a Pfizer e seu parceiro BioNTech em cada dose de vacina está na faixa de 52-58 %. Segundo Vincent Kiezebrink da ONG SOMO, com base nas informações atualmente disponíveis, os preços pós-pandemia poderiam aumentar esta margem para 1.500-2.000 % se os planos da Pfizer forem realizados. O chefe da Moderna, Stéphane Bancel, fez o mesmo tipo de declaração que o D’Amelio da Pfizer já em agosto de 2020, deixando claro que o preço da vacina subiria após a pandemia [27].

A conclusão deste ponto é que a Big Pharma formou um cartel para cobrar preços abusivos por suas vacinas, para manter suas patentes [28], para aumentar acentuadamente os preços quando a pandemia atingir um novo nível. Eles procuram maximizar seus lucros, pagar o mínimo possível de impostos e ter uma renda garantida por pelo menos 20 anos. Este comportamento é perfeitamente lógico do ponto de vista capitalista, mas também totalmente ilegítimo do ponto de vista dos interesses dos 99 %. 

Não percamos de vista quem são os grandes acionistas da Big Pharma

O objetivo desses investidores é ter o retorno máximo, eles não estão interessados na melhoria da saúde da humanidade ou nos apelos à solidariedade feitos por todos os lados

Os dois maiores fundos de investimento do mundo, Vanguard e BlackRock, sediados nos EUA, são os principais acionistas das seis maiores empresas privadas que atualmente produzem vacinas covid: AstraZeneca, BioNTech, Johnson & Johnson, Moderna, Novavax e Pfizer. A Vanguard e a BlackRock investiram $66 bilhões e $62 bilhões, respectivamente, nessas empresas, a fim de influenciar suas decisões e obter o máximo lucro. No total, os 10 maiores acionistas detêm US$ 250 bilhões que são investidos em ações nas 6 empresas mencionadas acima. Estes 10 acionistas estão todos sediados nos Estados Unidos, exceto o 10º e menor, que é a Union des Banques Suisses [29]. É muito claro que o objetivo desses investidores é obter o máximo retorno, eles não estão interessados na melhoria da saúde da humanidade nem nos apelos à solidariedade feitos por todos os lados. Isto não os impede de fazer declarações em contrário. 

Dívidas ilegítimas contraídas pelos governos durante a pandemia

Os governos têm recorrido a enormes novas dívidas, inclusive para a compra de vacinas e para a vacinação da população.

A nova acumulação de dívida pública serve aos interesses de uma minoria privilegiada, notadamente a Big Pharma e os grandes acionistas dos grandes fundos de investimento. Estamos assistindo a uma nova privatização dos lucros e socialização das perdas. Devemos nos opor a isso

Essas dívidas são apresentadas pelos governos como legítimas porque supostamente servem ao interesse geral. Mas devemos fazer a pergunta: Elas são realmente legítimas?

Na realidade, uma parte significativa das novas dívidas é ilegítima porque, em vez de recorrer à dívida, era necessário e legítimo financiar os gastos com um imposto sobre os 1 % mais ricos, sobre as Grandes Farmacêuticas, sobre a GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft), etc. Os 1 % mais ricos ficaram mais ricos durante a crise e a Big Pharma e a GAFAM ganharam muito dinheiro com a crise de saúde e a crise econômica.

As novas dívidas são ilegítimas porque os preços pagos à Big Pharma são abusivos. Porque a Big Pharma não paga os impostos que deveria. Porque a Big Pharma se recusa a liberar as patentes.

Em resumo, a nova acumulação de dívida pública serve aos interesses de uma minoria privilegiada, notadamente a Big Pharma e os grandes acionistas dos grandes fundos de investimento.

Estamos assistindo a uma nova privatização dos lucros e socialização das perdas. Devemos nos opor a isso. 

Libertar recursos financeiros

Há uma necessidade urgente de libertar grandes quantidades de dinheiro e de fazê-lo com o mínimo possível de novas dívidas.

Há uma maneira simples de liberar recursos financeiros: consiste em suspender imediatamente o pagamento da dívida pública. O dinheiro economizado pode então ser canalizado diretamente para as necessidades prioritárias de saúde. Há outras medidas muito fáceis que podem libertar recursos financeiros: Cobrando um imposto de crise sobre grandes fortunas e rendimentos muito altos, cobrando pesadas multas a pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela grande fraude fiscal, cuja escala é mais uma vez demonstrada após as revelações dos PandoraPapers (que vieram após os Panamá Papers, os Luxleaks e o trabalho de Gabriel Zucman), reduzindo drasticamente os gastos militares, … Voltemos à suspensão do pagamento da dívida, porque na maioria dos casos é a alavanca central que pode melhorar muito rapidamente a situação financeira de um Estado.

Quais são os argumentos legais que podem apoiar uma decisão unilateral de suspender o pagamento da dívida ou de suspender os direitos de propriedade intelectual sobre patentes neste caso?

3 argumentos legais podem apoiar uma decisão unilateral de suspender o pagamento da dívida ou direitos de patente: estado de necessidade, mudança fundamental das circunstâncias e força maior

Estado de necessidade: um Estado pode renunciar a prosseguir o pagamento da dívida porque a situação objetiva (pela qual não é responsável) representa uma séria ameaça à população e o pagamento da dívida a impede de atender às necessidades mais urgentes da população. Esta é exatamente a situação que muitos dos estados do mundo estão enfrentando agora: as vidas de seus cidadãos são diretamente ameaçadas se eles não conseguem financiar uma série de despesas urgentes para salvar o maior número possível de vidas humanas.

O «estado de necessidade» é um conceito legal usado pelos tribunais internacionais e definido no Artigo 25 do projeto de artigos sobre responsabilidade do Estado da Comissão de Direito Internacional da ONU (CDI). Como explicado no comentário ao Artigo 25, o «estado de necessidade» é usado para se referir aos casos excepcionais em que a única maneira de um Estado salvaguardar um interesse essencial ameaçado por um perigo grave e iminente é, por enquanto, deixar de cumprir uma obrigação internacional de menor peso ou urgência.

Este argumento é de fato perfeitamente válido para justificar a decisão de um governo de não respeitar acordos sobre direitos de propriedade intelectual, de levantar patentes e de organizar a produção de vacinas e medicamentos para sua população.

 Uma epidemia global muito grave está em curso

 Os preços da energia estão subindo; e

 A atividade econômica caiu drasticamente em 2020.

Este argumento também é válido para justificar a decisão de um governo de levantar patentes e organizar a produção de vacinas e medicamentos para sua população.

A força maior: As circunstâncias descritas acima são exemplos de força maior. Um Estado pode invocar estas circunstâncias que o impedem de realizar um contrato.

Quando um Estado invoca um estado de necessidade, mudança fundamental de circunstâncias ou força maior para suspender o pagamento da dívida, não importa se a dívida é legítima ou não. Mesmo que a dívida reclamada do país seja legítima, isto não impede que o país suspenda o pagamento. O que é fundamental é que a população garanta que o dinheiro efetivamente libertado pelo não pagamento da dívida seja utilizado para combater o coronavírus, a crise econômica e a crise ecológica. Isto implica que a população exerça um controle rígido sobre a ação do governo, que se mobilize e que esteja disposta a expressar fortemente seu descontentamento se o governo não agir no seu melhor interesse, mesmo que isso signifique derrubá-lo se necessário.

Além disso, do ponto de vista da maioria da população, é fundamental que uma auditoria da dívida seja organizada com uma participação cidadã ativa para identificar as partes ilegítimas, odiosas e ilegais que devem ser definitivamente canceladas. Também é necessário auditar todas as despesas do Estado para verificar se elas são realmente justificadas pela luta para superar a crise sanitária, econômica e ecológica.

Apoiar as reivindicações imediatas

É importante apoiar reivindicações imediatas, tais como: A liberação das patentes de vacinas e a vacinação universal, gratuita e sem restrições são prioridades. O aumento dos investimentos e orçamentos públicos para políticas de saúde pública e de assistência comunitária, incluindo aumento das contratações, dos salários e melhores condições de trabalho para trabalhadores da saúde e da assistência comunitária.

Apoiar e implementar reivindicações radicais

Diante do escândalo de uma nova privatização dos lucros e socialização das perdas, é fundamental apoiar propostas radicais como fazem os signatários do «Manifesto Acabemos com o Sistema Privado de Patentes!, Por uma indústria farmacêutica sob controle social e um plano de vacinação pública global, universal e gratuito», que foi lançado em 2021 pela rede global CADTM [30].

Perante o escândalo de uma nova privatização dos lucros e socialização das perdas, é fundamental apoiar propostas radicais como as feitas pelos signatários do «Manifesto Acabemos com o Sistema Privado de Patentes!»

O Manifesto afirma: «Saúde e acesso a cuidados de saúde e vacinação são um direito humano universal. Portanto, as vacinas devem ser consideradas um bem público global. E para garantir sua acessibilidade universal, a liberação urgente de patentes deve ser acompanhada de mecanismos de nacionalização para indústrias farmacêuticas privadas e de um forte investimento no desenvolvimento de indústrias farmacêuticas públicas em todos os países. Uma ação decisiva que permite que a produção e distribuição de vacinas sejam planejadas publicamente, desenvolvendo suas próprias capacidades produtivas em nível local sempre que possível e complementando com solidariedade internacional vinculante em todos os outros casos.»

Um olhar atento sobre a situação e as consequências mortíferas das políticas que mantêm os privilégios da Big Pharma mostra a necessidade urgente de expropriar o setor farmacêutico e incorporá-lo a um verdadeiro serviço de saúde pública sob controle cidadão.

A indústria farmacêutica privada deve ser expropriada e socializada sob controle cidadão como base de um sistema de saúde pública universal que promova a produção de tratamentos genéricos e medicamentos.

Os signatários do Manifesto apresentam 8 exigências principais:

1. A suspensão de patentes privadas sobre todas as tecnologias, conhecimentos, tratamentos e vacinas relacionadas à covid-19.

2. A eliminação dos segredos comerciais e a publicação de informações sobre custos de produção e investimentos públicos utilizados, de forma clara e acessível ao público em geral.

3. Transparência e controle público em todas as etapas do desenvolvimento de vacinas.

4. Acesso universal, livre e irrestrito à vacinação e tratamento.

5. A expropriação e a socialização sob controle cidadão da indústria farmacêutica privada como base de um sistema de saúde pública universal que promove a produção de tratamentos genéricos e medicamentos.

6. Aumento dos investimentos e orçamentos públicos alocados às políticas de saúde pública e de assistência comunitária, incluindo aumento de contratações, salários e melhores condições de trabalho para o pessoal desses setores.

7. A introdução de impostos sobre a riqueza (patrimônio e renda dos 1 % mais ricos) para financiar a luta contra a pandemia e assegurar uma saída socialmente justa e ecologicamente sustentável das diversas crises do capitalismo global.

8. A suspensão do pagamento de dívidas durante a duração da pandemia e o cancelamento das dívidas ilegítimas e aquelas contraídas para financiar a luta contra o vírus.

É necessário suspender o pagamento das dívidas durante a duração da pandemia e cancelar as dívidas ilegítimas e dívidas contraídas para financiar a luta contra o vírus

Entre os signatários estão Noam Chomsky e Nancy Fraser dos Estados Unidos, Naomi Klein do Canadá, Arundhati Roy e Tithi Bhattacharya da Índia, Silvia Federici e Cinzia Arruza da Itália, líderes sindicais, líderes comunitários, mais de oitenta parlamentares (da Bolívia, Brasil, Colômbia, República Tcheca, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Espanha…) incluindo o presidente do Senado da Bolívia e 22 membros do Parlamento Europeu [31]. Mais de 250 organizações também são signatárias a nível internacional [32].

Você pode apoiar a campanha enviando sua assinatura para manifestocovid no gmail.com. 

Organizar a convergência das lutas e das reivindicações

A luta para defender os bens comuns e conquistar outros novos está intimamente ligada à luta contra as dívidas ilegítimas, contra a crise ecológica, contra a pandemia e contra o sistema capitalista como um todo

Recentemente, os jovens que se mobilizaram pela justiça climática por ocasião do dia 24 de setembro de 2021 deram um exemplo positivo de convergência de lutas e reivindicações ao incluir num mesmo apelo a luta contra a crise ecológica, contra a mudança climática, contra a pandemia do coronavírus, contra as dívidas reclamadas do Sul global, … Aqui estão dois trechos deste apelo que merece ser lido na íntegra:

  • «Os países mais afetados pela crise climática também estão entre os mais afetados pela pandemia da Covid-19’. Enquanto os privilegiados no Norte Global têm maior acesso a recursos para lidar com a pandemia, as pessoas nas regiões mais afetadas têm sido sistematicamente privadas dos recursos necessários para enfrentar a crise sanitária. A pandemia, além de outros problemas políticos e socioeconômicos de longa data, continua a ter efeitos devastadores sobre os Povos das regiões mais afetadas e dificulta a mobilização das comunidades e organizações locais em prol do clima e da justiça social. A distribuição injusta de vacinas também impede que muitas pessoas nas regiões mais afetadas participem de importantes processos de tomada de decisões climáticas, como a COP26 em Glasgow este ano. Assim, um passo fundamental na busca de ações climáticas globais e intersetoriais é apoiar o chamado das comunidades nas regiões mais afetadas para um acesso equitativo às vacinas. Isso inclui, entre outras coisas, a suspensão das restrições de propriedade intelectual sobre as tecnologias de vacina Covid-19, uma vez que essas restrições dão um monopólio aos fabricantes do Norte Global (...). Outras práticas, como o açambarcamento de vacinas pelos países do Norte, devem parar imediatamente e os excedentes de vacinas devem ser distribuídos gratuitamente às pessoas das regiões mais afetadas, sem condições.»
  • Conclusão: A luta para defender os bens comuns e conquistar outros novos está intimamente ligada à luta contra as dívidas ilegítimas, contra a crise ecológica, contra a pandemia e contra o sistema capitalista como um todo.
Notas

[1] Les Échos, «AstraZeneca: le nouveau bonus du patron agite les actionnaires», 11/05/2021, https://www.lesechos.fr/industrie-services/pharmacie-sante/astrazeneca-le-nouveau-bonus-du-patron-agite-les-actionnaires-1314463

[2] Financial Times, «Vaccine Patent Gives US “Leverage” Over Manufacturers. Washington Can Boost Global Access to Covid Shots by Compelling Technology Sharing, Says Top NIH Scientist» [A patente da vacina dá aos EUA “alavancagem” sobre os fabricantes. Washington pode impulsionar o acesso global às vacinas da Covid através da partilha de tecnologia, diz o principal cientista do NIH], 21/04/2021, https://www.ft.com/content/d0c70cc2-0ffa-42dd-b0d0-0f76eeb273f0

[3] Financial Times, mesma referência que a nota 2.

[4] NBCnews, «U.S. Sues Gilead, Claiming it Owns HIV PrEP Patent» [EUA processa Gilead por serem proprietários da patente HIV PrEP], 7/11/2019, https://www.nbcnews.com/feature/nbc-out/u-s-sues-gilead-claiming-it-owns-hiv-prep-patent-n1078346

[5] POZ, «New Twist in the Gilead Patent Lawsuit Over Truvada and Descovy to Prevent HIV», 7/01/2021, https://www.poz.com/article/new-twist-gilead-patent-lawsuit-truvada-descovy-prevent-hiv

[6] BFM, «Gilead a vendu pour 829 millions de dollars de son médicament remdesivir au 2e trimestre», 30/07/2021, https://www.bfmtv.com/economie/entreprises/industries/gilead-a-vendu-pour-829-millions-de-dollars-de-son-medicament-remdesivir-au-2eme-trimestre_AD-202107300026.html,—

[7] Todos os dados foram publicados pelo diário econômico francês Les Échos em novembro 2020, «Covid: 5 chiffres fous sur le financement des vaccins» [Covid: 5 números incríveis sobre o financiamento das vacinas] https://www.lesechos.fr/industrie-services/pharmacie-sante/covid-5-chiffres-fous-sur-le-financement-des-vaccins-1269170. Os números fornecidos por Les Échos são amplamente corroborados, e em alguns casos superados, pelo relatório da Amnistia Internacional de setembro de 2021: «A Double Dose of Inequality, Pharma Companies and the Covid-19 Vaccines Crisis», 22/09/2021, https://www.amnesty.be/IMG/pdf/20210922_rapport_vaccins.pdf

[8] Vincent Kiezebrink, «Moderna’s Free Ride», 13/07/2021, https://www.somo.nl/modernas-free-ride/#printing-Moderna%E2%80%99s%20free%20ride. Todas as citações seguintes são tiradas do mesmo relatório.

[9] Todos os dados são provenientes de Vincent Kiezebrink, «Moderna’s Free Ride», https://www.somo.nl/modernas-free-ride/#printing-Moderna%E2%80%99s%20free%20ride. As outras informações vem também do relatório da Amnistia Internacional e das pesquisas publicadas por Public Citizen.

[10] Nasdaq, «Here’s Why Moderna’s Stock Could Crash Before the End of 2021», 19/09/2021, https://www.nasdaq.com/articles/heres-why-modernas-stock-could-crash-before-the-end-of-2021-2021-09-19. O desempenho espetacular da Moderna no mercado acionário está fazendo com que os consultores de ações sugiram que os investidores vendam suas ações da Moderna para realizar o ganho de capital, o que poderia fazer com que o preço das ações despencasse, ate porque a concorrente Novavax finalmente será capaz de vender suas vacinas covid e, como resultado, os especuladores no mercado de ações provavelmente irão comprar as ações desta última empresa.

[11] Les Échos, «Le Delaware, paradis fiscal “made in USA”», 1/05/2016, https://www.lesechos.fr/2016/05/le-delaware-paradis-fiscal-made-in-usa-206698. Ver também: https://pt.wikipedia.org/wiki/Delaware

[12] Brett Melson, «Over 225,000 New Delaware Companies Formed in 2019», Harvard Business Services, 4/08/2020, https://www.delawareinc.com/blog/delaware-releases-annual-report-companies-formed/.

[13] Interpelação de Stéphanie Prezioso em setembro 2021 no Conselho Nacional da República Helvética.

[14] Le Courrier, «Doses de mauvaise foi» [Doses de má fé], 23/09/2021, https://lecourrier.ch/2021/09/23/doses-de-mauvaise-foi/

[15] Yago Alvarez (El Salto) «Vacunas. La ingeniería fiscal de Moderna llega a la Comisión Europea», 21/09/2021, https://www.elsaltodiario.com/vacunas/ingenieria-fiscal-farma-moderna-llega-comision-europea

[16] European Commission and Moderna Switzerland GmbH, Advance Purchase Agreement (“APA”) for the production, priority-purchasing options and supply of a successful Covid-19 vaccine for EU Member States, 2020, https://www.rai.it/dl/doc/2021/04/17/1618676613043_APA%20Moderna__.pdf.

[17] O mídia El Salto publicou partes do contrato entre a Comissão e a empresa farmacêutica alemã Curevac. Ver Yago Alvarez, «Coronavirus Los secretos tachados de los contratos de compra de vacunas de la Comisión Europea», 27/01/2021, https://www.elsaltodiario.com/coronavirus/secretos-tachados-contratos-compra-curevac-vacunas-comision-europea. Os extratos disponíveis correspondem ao que também é encontrado no contrato entre a Comissão Europeia e Moderna resumido acima.

[18] El Salto também publicou trechos do contrato entre a AstraZeneca e a Comissão Europeia. Assim como no contrato com a Curevac (ver nota anterior), os extratos disponíveis correspondem ao que também é encontrado nos contratos entre a Comissão Europeia e a Moderna resumidos acima. Yago Alvarez, «Industria farmacéutica | El contrato de AstraZeneca lleva tachadas todas las cláusulas del conflicto con la Comisión Europea», 29/01/2021, https://www.elsaltodiario.com/industria-farmaceutica/contrato-astrazeneca-comision-europea-lleva-tachadas-clausulas-conflicto

[19] Os números são extraídos do relatório da Amnistia Internacional já citado: «A Double Dose of Inequality, Pharma Companies and the Covid-19 Vaccines Crisis», 22/09/2021, https://www.amnesty.be/IMG/pdf/20210922_rapport_vaccins.pdf

[20] Fonte: Our World in Data, Coronavirus (Covid-19) Vaccinations - Statistics and Research - https://ourworldindata.org/covid-vaccinations Lembramos que este site está sendo realizado por uma equipe de universidade de Oxford.

[21] Public Citizen, « Statement : Moderna Vaccine Belongs to the People », publicado no 16 de novembro de 2020,

[22] Public Citizen, «How to Make Enough Vaccine for the World in One Year», 26/05/2021, https://www.citizen.org/article/how-to-make-enough-vaccine-for-the-world-in-one-year/

[23] As informações sobre as vacinas russas e chinesas vêm do relatório da Amnistia Internacional de setembro de 2021: «A Double Dose of Inequality, Pharma Companies and the Covid-19 Vaccines Crisis», 22/09/2021, https://www.amnesty.be/IMG/pdf/20210922_rapport_vaccins.pdf, pp. 57-58.

[24] RTBF, «Cuba: le deuxième candidat-vaccin anti-Covid, Soberana 2, est efficace à 91,2 % après trois doses» [Cuba: a segunda vacina candidata contra o Covid, Soberana 2, é 91,2 % eficaz após três doses], 9/07/2021, https://www.rtbf.be/info/monde/detail_cuba-le-deuxieme-candidat-vaccin-anti-covid-soberana-2-est-efficace-a-91-2-apres-trois-doses?id=10801101

[25] Public Citizen, «How to Make Enough Vaccine for the World in One Year», 26/05/2021, www.citizen.org/article/how-to-make-enough-vaccine-for-the-world-in-one-year/

[26] Ver esta passagem da resposta de Frank D’Amelio a Jason Eron Zemansky, que representava o acionista Bank of America Merrill Lynch: «So in terms of the current margins, I always start with, we’re in a pandemic pricing environment. So the one price that we published is the price with the U.S. of $19.50 per dose. Obviously, that’s not a normal price like we typically get for a vaccine, $150, $175 per dose. So pandemic pricing. (…) Now let’s go beyond a pandemic-pricing environment, the environment we’re currently in. Obviously, we’re going to get more on price. And clearly, to your point, the more volume we put through our factories, the lower unit cost will become. So clearly, there’s a significant opportunity for those margins to improve once we get beyond the pandemic environment that we’re in.» Isso se encontra na página 19 das minutas oficiais de uma reunião on-line da Pfizer realizada no 2 de fevereiro 2021. Pfizer, «Edited Transcript – Q4 2020 Pfizer Inc Earnings Call», Feb. 2021, https://s21.q4cdn.com/317678438/files/doc_financials/2020/q4/PFE-USQ_Transcript_2021-02-02.pdf.

[27] Ankur Banerjee & Carl O’Donnell, «Moderna prices Covid-19 vaccine at $32-$37 per dose for smaller volume deals», Reuters, 5/08/2020, https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-moderna-pricing-idUSKCN2511UL

[28] Ver o relatório já citado da Amnistia Internacional, ver em particular p. 23.

[29] Dados oriundos do já citado relatório da Amnistia Internacional, p. 59-60.

[30] «Acabemos com o Sistema Privado de Patentes!», https://www.cadtm.org/Acabemos-com-o-sistema-privado-de-patentes

[31] «Lista das primeiras 360 assinaturas de pessoas que apoiam o Manifesto Fim do Sistema Privado de Patentes!» #FREECOVIDPATENTES https://www.cadtm.org/Lista-das-primeiras-360-assinaturas-de-pessoas-que-apoiam-o-Manifesto-Fim-do

[32] «Listado de organizaciones firmantes del Manifiesto: ¡Acabemos con el sistema de patentes privadas!», https://www.cadtm.org/Listado-de-organizaciones-firmantes-del-Manifiesto-Acabemos-con-el-sistema-de

[33] «On September 24, we will strike to demand for intersectional climate justice!» #Uproot The System https://www.cadtm.org/On-September-24-we-will-strike-to-demand-for-intersectional-climate-justice. Ver também o site: https://fridaysforfuture.org/

Eric Toussaint é docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.

É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.

Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.