Voltar ao site

França: “Há o risco de grande parte dos eleitores desmobilizarem"

22 de abril de 2022

Um entrevista à Radio France Internationale (RFI), Cristina Semblano, economista e professora universitária em França, afirma que o resultado de Jean-Luc Mélenchon “foi uma derrota, mas ao mesmo tempo uma vitória” e sublinha: “Jean-Luc Mélenchon foi o único candidato de esquerda nestas eleições. Bastava a desistência do candidato do Partido Comunista para que a esquerda chegasse ao poder". Jean-Luc Mélenchon, que na primeira volta obteve 22% da votação, apelou na noite da primeira volta, 10 de abril de 2022, que ninguém vote em Le Pen na segunda volta. Cristina Semblano, que é também uma ativa apoiante da “França Insubmissa”, alerta que na segunda volta das eleições presidenciais de França, que têm lugar no próximo domingo, 24 de abril de 2022, “há risco de grande parte dos eleitores desmobilizarem”. “Eu não penso que nós corramos o risco de os eleitores da ‘França Insubmissa’ desmobilizarem. Penso que corremos o risco de uma grande parte dos eleitores desmobilizarem”, salienta a economista, realçando que houve uma “imensa resistência da população” às reformas do presidente Macron nos últimos cinco anos. “A população, no seu conjunto, não quer esta viragem neoliberal, que foi prosseguida de forma ainda mais tensa pelo presidente Macron”, frisa Cristina Semblano, assinalando que “a população resistiu e contra essa resistência o presidente Macron e o seu governo utilizaram a repressão mais feroz, a violência económica, a violência social, mas também a violência física e policial”. Cristina Semblano avisa ainda que nas legislativas deste ano, que se realizarão em junho, "é necessário pensar no que se quer" e, nomeadamente, em “uniões que possam levar a voz da esquerda ao Parlamento”. Lígia Angos entrevista Cristina Semblano para a Rede França Internacional, 21 de abril de 2022

RFI: Falou-se muito de possíveis coligações à esquerda, mas tanto o líder da França Insubmissa como o líder do Partido Comunista refutaram essa ideia. Teria feito a diferença? Cristina Semblano: Teria feito a diferença. Eu diria que bastava a desistência do candidato do Partido Comunista para que a esquerda chegasse ao poder. Isso é lamentável. Quando eu falo de esquerda não falo de esquerda do PS, nem da esquerda ecologista. Aliás, viu-se perfeitamente o descrédito deles nas eleições. Eu não quero julgar as eleições pela percentagem dos votantes. Não quero julgar os candidatos ou os seus políticos, mas enfim... a candidata de um partido, que foi um partido de poder, Anne Hidalgo, que é a atual presidente da Câmara de Paris, nem sequer chegou a 2% e o ecologista, também nem sequer a 5% chegou. Passaram a vida a diabolizar Jean-Luc Mélenchon, mais do que qualquer outro candidato e finalmente saiu-lhes o tiro pela culatra. Eu não considero estes candidatos como candidatos de esquerda, se falarmos em Anne Hidalgo, sabemos que o Partido Socialista esteve no poder. Continuar a chamar socialista ao Partido Socialista é verdadeiramente escandaloso, porque o Partido Socialista nos últimos quarenta anos tem implementado as mesmas políticas que a direita. Apenas há pequenas diferenças de forma ao nível talvez de liberdades, mas no essencial o Partido Socialista tem implementado as mesmas políticas neoliberais do que a direita. A ecologia mostrou bem que é uma ecologia sem coluna vertebral. Uma ecologia que não põe absolutamente nada em causa no modo de produção. Não podemos lutar por políticas ambientais sustentáveis sem que haja uma mudança. Achei particularmente triste a diabolização [que fizeram] do Jean-Luc Mélenchon, nomeadamente instrumentalizando a questão da guerra da Ucrânia. O líder da França Insubmissa afirmou que se abre uma nova página de luta e pediu que se faça melhor. Pergunto-lhe primeiro o que é que isto quer dizer. O número dois da França Insubmissa [Adrien Quatennens] falou da possibilidade de de se impor uma coabitação com Emmanuel Macron nas legislativas de junho deste ano. É esse o caminho, pensar já nas próximas eleições? Isso é importante, não é? Porque as próximas eleições estão aí em junho não é? É preciso definirmos aquilo que queremos. Depois deste quinquénio desastroso, depois da política de Emmanuel Macron, desde que chegou ao Ministério das Finanças, mas que ainda se intensificou depois da sua eleição como Presidente da República houve uma aceleração das políticas neoliberais inédita. Foi uma continuação acelerada que se verificou pela resistência que se cristalizou, nomeadamente, no movimento dos "coletes amarelos" e nas grandes manifestações contra a reforma das pensões. A questão coloca-se em saber se Emmanuel Macron for eleito, o que é que vai acontecer? Quer dizer, vamos ficar de braços caídos? Não! É necessário que nas legislativas pensemos bem naquilo que queremos e, nomeadamente, em uniões que possam levar a voz da esquerda ao Parlamento. Corremos o risco de os eleitores da França Insubmissa se desmobilizarem neste segunda volta? Eu não penso que nós corramos o risco de os eleitores da França Insubmissa se desmobilizarem. Eu penso que nós corremos o risco de uma grande parte dos eleitores se desmobilizarem. Quando há eleições começa-se a falar naqueles que atingiram os melhores resultados, nos vencedores. Neste caso, Emmanuel Macron e Marine Le Pen, mas silenciamos a abstenção. A taxa de abstenção na primeira volta das presidenciais foi muito importante. 25% contra 22% por cento na primeira volta das anteriores eleições [de 2017]. Eu diria que a abstenção seria o o primeiro partido que foi votado, primeiro ganhador. É necessário saber que há seis milhões de potenciais eleitores que não estão inscritos nas listas eleitorais e portanto tudo isso faz com que muita gente não tenha votado. Penso que não vai haver uma grande abstenção dos eleitores da “França Insubmissa”, mas sim uma grande desmobilização global em França. Emmanuel Macron não está a colocar o seu programa contra o programa da Marine Le Pen, o que significa normalizá-la, considerar que ele constitui uma alternativa, Macron está a transformar o voto na segunda volta das eleições presidenciais como um referendo à sua política. Ora, à parte dos mais ricos e dos mais velhos, não vejo quem é que pode dizer sim, pode estar de acordo com o balanço de Macron. Emmanuel Macron continuou a destruição de uma forma inédita do Código do Trabalho, implementou uma política fiscal em benefício dos mais ricos e das grandes empresas, privatizou aquilo que ainda restava para privatizar. Acabou com o estatuto dos ferroviários. Em todas as reformas que Emmanuel Macron fez durante o seu quinquénio, em todas as reformas, a prioridade foi dada ao capital em detrimento do trabalho. Também temos de ver que as reformas do presidente Macron traduziram-se por uma imensa resistência da população. A população não quer no seu conjunto esta viragem neoliberal que foi prosseguida de forma ainda mais tensa pelo presidente. A população resistiu e contra essa resistência o presidente Macron e o seu governo utilizaram a repressão mais feroz, a violência económica, a violência social, mas também a violência física, policial. [Por isso], eu penso que muitos eleitores se vão desmobilizar.