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França: Três estratégias desiguais para um resultado incerto

Macron e sua primeira-ministra, Élisabeth Borne

11 de junho de 2022

Uma análise da temporalidade, dos diferentes posicionamentos que os líderes políticos assumiram, das dinâmicas de alianças e da “escolha crucial” da nova primeira-ministra nas vésperas do processo eleitoral.

Olivier Guyottot, The Conversation France / Esquerda.net, 11 de junho de 2022

Numa altura em que as incertezas sobre o resultado do escrutínio legislativo de 12 e 19 de junho são numerosas e em que a obtenção de uma maioria de deputados em apoio do presidente eleito, Emmanuel Macron, permanece incerta(link is external), parece instrutivo analisar as estratégias das três principais forças políticas que resultaram das presidenciais. Por um lado para compreender e analisar melhor a situação atual numa altura em que a abstenção se anuncia(link is external) como historicamente alta para as legislativas. Por outro porque se trata de estratégias muito diferentes que deverão ter um impacto significativo no resultado.

A questão da temporalidade

Alguns minutos depois da eleição de Emmanuel Macron, Jean-Luc Mélenchon lançava a batalha das legislativas, insistindo na ideia que estas seriam a 3ª volta(link is external) das presidenciais. Colocava-se assim como principal opositor(link is external), sem deixar tempo a Emmanuel Macron e a Marine Le Pen para se regozijarem ou digerirem os resultados da segunda volta.

As semanas que se seguiram foram dominadas, nos meios de comunicação social e na opinião pública, pelas negociações entre os partidos de esquerda e pela implementação da Nova União Popular Ecológica e Social, ao mesmo tempo que a União Nacional rejeitava os avanços(link is external) da Reconquista!, de Zemmour, e que Marine Le Pen decidia ir de férias(link is external).

Emmanuel Macron parecia abertamente aceitar “deixar andar” defendendo que era necessária um respiro democrático(link is external) depois das presidenciais.

A ideia era, sem dúvida, deixar passar o entusiasmo mediático provocado por esta nova união de esquerda. E retomar a iniciativa com a nomeação posterior da sua ou do seu novo primeiro-ministro numa situação em que o período entre as eleições presidenciais e as legislativas foi este ano duas semanas mais longo e sabendo que uma reeleição geralmente provoca menos entusiasmo(link is external) do que uma primeira ascensão ao poder.

Posicionamentos muito diferentes

A reeleição de Emmanuel Macron para o lugar de presidente, faz com que ele, segundo as suas próprias palavras(link is external), se posicione como presidente de todos os franceses e limita inevitavelmente o seu papel e ação de chefe de clã.

Apesar do discurso(link is external) de Jean-Luc Mélenchon na noite da primeira volta das presidenciais parecer marcar o anúncio de uma passagem de testemunho e de uma ida para a reforma, assistiu-se, pelo contrário, a uma estratégia de forte afirmação do líder da França Insubmissa. Esta impede várias personalidades de esquerda de se juntar ao movimento da união (Carole Delgas(link is external), José Bové(link is external), Yannick Jadot…). Mas a personalização visa, sem dúvida, mobilizar(link is external), nas legislativas, os eleitores seduzidos antes de mais pela personalidade e liderança do do chefe dos insubmissos.

Ao reivindicar(link is external) o lugar de primeiro-ministro se a NUPES obtivesse maioria nas legislativas, Jean-Luc Mélenchon posicionou-se a um nível nacional. Deste ponto de vista, a sua decisão, criticada pelos seus adversários, de não se candidatar nas legislativas permitiu-lhe finalmente assumir um posicionamento acima dos partidos, que uma campanha local no terreno teria sem dúvida tornado mais complicado.

Ao apresentar-se(link is external) a estas eleições, Marine Le Pen escolheu por seu turno uma estratégia muito diferente. Ainda que finalista das presidenciais, a sua candidatura posiciona-a a um nível mais local e legitima a ideia, que ela própria defendeu, que Emmanuel Macron irá necessariamente obter uma maioria para governar durante cinco anos.

Estratégias e dinâmicas de alianças

As diferentes estratégias de aliança explicam sem dúvida também as incertezas atuais. Apesar da criação da coligação Ensemble(link is external) de apoio a Macron ter dado lugar a algumas fricções e inquietudes em alguns dos seus membros, ela apenas oficializou e organizou, na ótica de um futuro mandato, os apoios que faziam estavam presentes na sua candidatura presidencial.

Apesar das críticas e das dissidências, a criação da NUPES deu lugar a uma verdadeira coopetição(link is external), juntando forças que tinham estado em oposição e concorrência. Esta pode assim reivindicar ser uma nova abordagem face às presidenciais e ser uma referência aos sucessos eleitorais das uniões de esquerda que a precederam (Frente Popular, Programa Comum, Esquerda Plural).

Ao recusar aliar-se com a Reconquista!, a União Nacional(link is external) de Marine Le Pen teve uma estratégia oposta à unitária empreendida pela LFI e não conseguiu criar, a fiar-nos nas sondagens e para além dos seus importantes bastiões no norte(link is external), uma dinâmica que a sua qualificação para a segunda volta das presidenciais teria podido engendrar na perspetiva das legislativas.

Novas dinâmicas?

Na realidade, as diferentes sondagens(link is external) dedicadas às eleições legislativas não mostraram uma evolução notável em matéria de intenções de voto ao nível nacional desde que a situação das forças em presença foi oficializda.

O Ensemble e a NUPES estão ombro a ombro(link is external) à volta dos 27/28% na primeira volta, enquanto que a União Nacional se situa entre 19% e 21% e a Reconquista! entre 5% e 6%.

Mas as projeções no que diz respeito a números de deputados evoluíram(link is external) pelo contrário e parecem mostrar uma dinâmica a favor da NUPES ao passo que o Ensemble era amplamente maioritário ainda há umas semanas. O projeto de união da esquerda dinamizado por Jean-Luc Mélenchon parece seduzir uma parte do eleitorado de esquerda marcado pelas divisões e por mais uma ausência(link is external), depois de 2017, de um dos seus representantes na segunda volta das presidenciais.

Mas para além desta mobilização, é sobretudo a escolha de Elisabeth Borne(link is external) e a constituição do novo governo que colocam dúvidas de um ponto de vista estratégico.

A escolha crucial da primeira-ministra e do governo

Em 2017, Emmanuel Macron tinha escolhido como primeiro-ministro Edouard Philippe, um homem público que apesar de desconhecido do grande público era aguerrido(link is external) nas lutas eleitorais para encabeçar a batalha das legislativas. E a sua segunda escolha, aquando da remodelação em 2020, foi(link is external) de um perfil de alto funcionário e de tecnocrata, um simples eleito local, com Jean Castex. Esta decisão parecia dar crédito à ideia de que era necessário nomear um perfil político no início do mandato para se apoiar numa personalidade habituada à dureza de uma campanha eleitoral nacional.

Ao escolher Elisabeth Borne, cujo currículo é mais próximo de Jean Castex do que de Edouard Philippe, Emmanuel Macron procedeu de outra forma e correu o risco de deixar o campo livre à estratégia de omnipresença mediática de Jean-Luc Mélenchon e da NUPES.

A nomeação do novo governo devia permitir avançar com as prioridades do novo mandato (ecologia, poder de compra…) e voltar a ter impacto mediático. Só que a escolha de Elisabeth Borne e a confirma(link is external)ção(link is external) de vários pesos pesados em postos chave não permitiram, apesar de alguns sucessos rapidamente manchados por polémicas(link is external) (Pap Ndiaye na pasta da Educação ou Damien Abad nas Solidariedades), desencadear uma nova dinâmica.

As últimas deslocações de Emmanuel Macron testemunham certamente uma vontade de recentrar as legislativas no seu projeto e pessoa para conseguir vencer. Será este envolvimento suficiente para ganhar a maioria e evitar a coabitação? Se o modo de escrutínio maioritário uninominal a duas voltas destas legislativas torna uma projeção difícil e deve teoricamente favorecer os candidatos que se colocam no centro do quadro político, isto parece contudo dar crédito à ideia de que as legislativas se tornaram a 3ª volta das eleições presidenciais.

Olivier Guyottot é professor e investigador de Estratégia e Ciências Políticas no INSEEC Grande École. Texto publicado originalmente no The Conversation(link is external). Traduzido para o Esquerda.net por Carlos Carujo.