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Francisco Louçã: Putin será sempre derrotado

20 de março de 2022

O Presidente russo não aceita qualquer solução que não seja a integração da Ucrânia no império, recuar seria uma derrota com um preço interno incalculável.

Escrevia Machiavelli ao seu amigo Guicciardini, em maio de 1521, há portanto pouco mais de 500 anos, uma recomendação preciosa, “creio que esse seria o verdadeiro modo de ir para o paraíso: aprenda o caminho do inferno para o evitar”. É duvidoso que o conselho seja hoje tido em conta. Esses caminhos infernais são as armadilhas de que a política bélica fica sempre prisioneira. Assim é nesta guerra, nenhuma das partes parece querer uma solução razoável, com base na retirada das tropas invasoras, a reconstrução com a compensação pelos danos causados, a neutralidade que proteja a soberania da Ucrânia e a aplicação do Acordo de Minsk para regular a autonomia das regiões russófonas.

Putin não aceita qualquer solução que não seja a integração no império, recuar seria uma derrota com um preço interno incalculável. Lavrov arredondou a ambição, afirmando esta semana que se trata simplesmente de voltar aos equilíbrios da Guerra Fria, como se isso fosse possível com a realidade política dos países do Leste europeu após a queda do Muro. Zelensky parece querer acelerar a inclusão na NATO, embora tenha dado alguns sinais contraditórios sobre a questão, ao sentir a dificuldade. Ele quer defender-se militarmente de Putin e atacar Bruxelas, Berlim e Washington com pressão política, sabendo que o seu tempo é curto. Finalmente, a NATO aposta na sua extensão na fronteira russa, sabendo que o seu tempo é longo. Já ganhou, a simples reparação do trauma afegão já é um triunfo de enorme alcance.

De todos, um perderá em todos os cenários. É Putin. Perderá por duas razões, e não vejo como as possa evitar. A primeira é militar, não conseguiria manter um Exército de ocupação na Ucrânia, com a necessária rotação das tropas e face a uma população unida pelo ódio ao invasor. O império tem pés de barro. A segunda é económica: a Rússia não tem capacidade para sustentar uma economia autárcica (a Europa representa 37% das suas importações e 38% das exportações, não pode viver sem elas), nem a China, cuja economia é 10 vezes maior, substitui este mercado, pois não pode fornecer equipamentos para os aviões, semicondutores e outros bens de capital. A China também não dispõe de um sistema de pagamentos interbancários alternativo ao Swift (o CIPS inclui 80 bancos na área yuan e só em fevereiro integrou o primeiro europeu). O default do Estado russo será inevitável, mas o fecho da sua economia tem um custo social interno que pode pôr o regime em causa.

Ora, essa é a escolha da renovada aliança Washington-Berlim. A curto prazo, a Alemanha precisa do gás e do petróleo russos e, por isso, continua a importá-los, mantendo os principais bancos russos na rede de pagamentos. Dispensará a importação dentro de alguns meses ou anos, aceitando entretanto o custo da inflação, com a falta de produtos essenciais (o níquel para as baterias dos automóveis elétricos, por exemplo). O prémio da destruição da economia russa tem um custo, a recessão na Europa. Assim, graças a Putin, este será o século americano, pelo menos até ao confronto com a China. O mundo tornou-se um lugar mais perigoso, que não evita, antes prefere os caminhos para o inferno.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 11 de março de 2022