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François Chesnais: O “campismo” e a minha posição sobre a guerra

Na foto a cidade de Mariupol sob ataque russo.

27 de abril de 2022

Carta a amigxs e colegas brasileirxs a propósito da invasão da Ucrânia

François Chesnais, Esquerda.net, 26 de abril de 2022

Nesta carta quero explicar a amigxs e colegas brasileirxs a minha posição sobre a guerra na Ucrânia, a saber: que se trata de uma agressão unilateral da Rússia. De facto, recebi uma mensagem de um amigo em que pude notar a ideia de que esta era uma resposta legítima a uma situação criada pela NATO. Esta posição “campista” é encorajada pelo facto de quatro países da América Latina que estão na linha da frente do combate contra os Estados Unidos – Cuba, Nicarágua, Bolívia e El Salvador – se terem abstido de votar a resolução da Assembleia Geral da ONU que condena a "agressão contra a Ucrânia". Uma dúzia de países africanos que foram colónias fizeram o mesmo. Também a posição pró-Rússia adotada pelo Monthly Review pode tê-los encorajado a escolher o "campo anti-imperialista/anti-EUA".

Uma profunda hostilidade face ao imperialismo norte-americano, alimentada por mais de um século de história e que remonta à presidência de Woodrow Wilson (com a invasão de Cuba em 1902), partilhada por muitos militantes da esquerda latino-americana, pode fazer com que alguns amigxs e colegas se tornem agnósticxs ou até tolerantes à invasão, na medida em que estejam desinformadxs sobre os seus objetivos e sejam indiferentes aos métodos de guerra contra as populações civis que utiliza o exército russo. Mas o que Putin e os seus ministros denominam “operação especial” é uma agressão da Rússia com o objetivo de tirar do poder o governo de Zelenski, eternizar a cisão da região do Donbass a leste, dominar as partes central e norte do país e submeter toda a sua população.

Reconheço que a minha posição está marcada pelo facto de que a Rússia é parte constitutiva do quadro geopolítico do meu pensamento, tal como o todo europeu. Devido à estalinização da Internacional Comunista no começo da década de 1930, à influência internacional do estalinismo na subordinação dos países da Europa de Leste e ao peso dos partidos comunistas, tanto em França como em Itália ou em Espanha, os revolucionários depararam-se com Partidos Comunistas que assumiam as posições da política externa decididas na URSS. Tenho a recordação viva dos tanques russos a intervir em Budapeste em 1956 e, mais ainda, em Praga em 1968 (documentada por abundante material fotográfico) para ilustrar os dirigentes políticos daqueles países. É indubitável que estes acontecimentos têm uma grande influência na minha abordagem e caracterização da invasão da Ucrânia, tal como a pertença a uma tradição política na qual o combate ao estalinismo e contra o imperialismo andam de mãos dadas.

Relações de produção, de propriedade e sistema político na Rússia depois de 1991

É muito importante caracterizar a Rússia ao nível económico e político. Na sua recente declaração sobre a guerra, a Monthly Review elude a questão adotando a caracterização de “grande potência” utilizada nos debates norte-americanos depois da dissolução da URSS. Segundo os estrategas do Departamento de Estado, dever-se-iam mobilizar meios extraordinários

“[...] para debilitar a posição geopolítica da Rússia de forma permanente e irrevogável, antes que ela esteja em condições de se recuperar e colocar na órbita estratégica do Ocidente todos os Estados que agora a rodeiam e que antes faziam parte da União Soviética ou tinham caído na sua esfera de influência” (extratos do Plano do Pentágono: “Preventing de Re-Emergence of a New Rival”, New York Times, 8 de março de 1992).

Para que a Aliança Atlântica dirigida pelos Estados Unidos dominasse a Eurásia, era necessário, em primeiro lugar, adquirir primazia no que Brzezinski chamava “o buraco negro” que o desaparecimento da União Soviética tinha deixado na cena mundial. Isto significava tratar de diminuir a Rússia ao ponto que ela não pudesse mais reivindicar o estatuto de grande potência.

Mas dizer que a Rússia é uma grande potência é bastante insuficiente. É uma potência imperialista devido às suas relações de produção e de propriedade internas e ao seu lugar no mercado mundial. A seguir ao que, por comodidade, chamaremos de processo de “queda do comunismo”, nos anos que vão desde a destruição do Muro de Berlim em novembro de 1989 à dissolução da URSS e à renúncia de Gorbachov como Secretário-Geral do PC da URSS em dezembro de 1991, as relações de produção e de propriedade na Rússia passaram a ser capitalistas e leis muito importantes votadas pelo regime de Yeltsin concretizaram essa natureza. Sob o ângulo da propriedade dos meios de produção e dos recursos minerais e energéticos, estas são relações marcadas por uma grande concentração e centralização. É uma característica do capitalismo contemporâneo que foi acentuada pelas condições em que se privatizaram as empresas de Estado em 1995-1997, notáveis pela extrema corrupção e a formação da camada dos oligarcas.

A nível político, o sistema político estabelecido após a morte de Estaline em 1953 e a execução de Beria por ordem dos outros membros do Politburo em dezembro do mesmo ano, o reinado do partido único com traços colegiais, em que o Secretário-Geral era primus inter pares, foi substituído, depois da renúncia de Gorbachov em 1993, por um regime constitucional formalmente multi-partidário, com eleições presidenciais e legislativas, no qual Yeltsin foi o primeiro presidente. Depois, com a ascensão de Putin à presidência a 31 de dezembro de 1999 (dez anos depois da renúncia de Gorbachov), assistiu-se à paulatina instalação de um sistema ditatorial militar-policial de facto, com uma concentração muito forte da tomada de decisões nas mãos de Putin, sem nenhum contrapoder.

Uma etapa foi a emenda à Constituição em 2008, que, a partir de 2012, prolongou o mandato presidencial de quatro para seis anos, renovável por uma vez. Em 2020 várias emendas à Constituição foram aprovadas por referendo com mais de 78 % dos votos, uma das quais colocava a zero o contador do número de mandatos presidenciais, permitindo a Putin ser elegível para dois mandatos suplementares.

Para Putin, razões históricas multi-seculares tornam intolerável da independência da Ucrânia

O carácter ditatorial do poder de Putin e o prolongamento do tempo no qual – salvo algum acidente – o exercerá explicam os estudos que tentaram esclarecer a sua visão do mundo e o seu atual sanha contra o povo ucraniano. Em novembro de 1989, Putin era coronel da KGB em Dresden, e a queda do Muro de Berlim representou para ele um primeiro grande traumatismo, segundo sublinham vários autores. Houve outro ainda mais decisivo mas muito menos comentado: o processo de dissolução da URSS entre meados de 1990 e dezembro de 1991 com as declarações de independência de vários países e a sua saída da União. Os três países bálticos – Letónia, Estónia, Lituânia– declararam-se independentes, enquanto que a Ucrânia cindiu no 1º de dezembro de 1991 com um referendo no qual 90 % dos eleitores votaram pela independência.

Putin refere-se a estas independências dizendo que a queda da URSS foi o acontecimento mais grave do século XX. O índice de gravidade não é o mesmo para todos os casos. Os três países bálticos tinham sido ocupados e anexados recentemente, em 1939. A Ucrânia, por seu turno, era parte do coração do Império Czarista como a Bielorrússia. Antes de Pedro, o Grande, ter promovido a ascensão de São Petersburgo, o triângulo Moscovo, Kiev, Minsk, constituía o fundamento da potência do Império. Este é um ponto realçado por Putin nas exposições e discursos que consagrou à definição das suas relações entre a Rússia e a Ucrânia. Se lhe tivessem perguntado, Putin certamente que declararia estar de acordo com o autor do Grande Tabuleiro Mundial, Brzezinski, segundo o qual “a Rússia sem a Ucrânia deixa de ser um império”.

Putin publicou um longo artigo a 12 de julho de 2021, depois da primeira fase de concentração de tropas e oito meses antes da invasão. Destinado a preparar politicamente a invasão no plano ideológico, não se refere à questão da NATO. Intitulado “Unidade histórica entre a Rússia e a Ucrânia”, o artigo foi difundido de imediato em inglês. As decisões que Putin tinha tomado e se dispõe a colocar em prática têm a sua raiz no amplo passado imperial da Rússia:

“Para compreender melhor o presente e olhar para o futuro, devemos voltar-nos para a história. Certamente, é impossível abarcar neste artigo todos os desenvolvimentos que ocorreram desde há mais de mil anos. Mas vou-me concentrar nos momentos chave e cruciais que devemos recordar, tanto na Rússia como na Ucrânia.

Os russos, os ucranianos e os bielorrussos são todos descendentes da antiga rus, que era o maior Estado da Europa. As tribos eslavas e outras através do vasto território – de Lagoda, Novgorod e Pskov até Kiev e Tchernigov – estavam ligadas por uma língua (a que chamamos agora o velho russo), por ligações económicas, o reinado dos príncipes da dinastia Rurik, e, depois do batismo da Rus, pela fé ortodoxa. A opção espiritual feita por São Vladimir, que era simultaneamente Príncipe de Novgorod e Grande-Príncipe de Kiev, determina ainda mais amplamente a nossa atual afinidade.

O trono de Kiev ocupava uma posição dominante na antigua Rus. Tal era o costume desde finais do século IX. O relato daqueles anos passados foi transmitido para a posteridade nas palavras de Oleg o Profeta referentes a Kiev: “Que esta seja a mãe de todas as cidades russas”. Mais tarde, como outros Estados europeus da época, a antiga Rus teve de enfrentar o declínio da dominação central e a fragmentação. Ao mesmo tempo, a nobreza e o povo comum entendiam a Rus como um território comum, como a sua pátria.”

Putin expressa a seguir a dimensão do seu desacordo com Lenine sobre a criação da URSS em 1922 como União de Estado, ou seja como Estado federal que reunia nações que aderiam a ela depois de ter exercido o seu direito à auto-determinação. Escreve:

“Em 1922, quando foi criada a URSS, e a República Socialista da Ucrânia se tornou uma das suas fundadoras, um debate muito forte entre os dirigentes bolcheviques conduziu à execução do plano de Lenine de formar um Estado de união sob a forma de uma federação de repúblicas iguais. O direito das repúblicas de livremente escolherem a secessão da União foi incluído no texto da Declaração sobre a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e, posteriormente, na Constituição da URSS de 1924. Ao fazê-lo, os autores colocaram na fundação do nosso Estado a bomba ao retardador mais perigosa que que explodiu no momento em que o mecanismo de segurança previsto pelo papel de primeiro plano do PCUS desapareceu e o próprio partido implodiu.

Os bolcheviques trataram o povo russo como um material inesgotável para as suas experiências sociais. Sonhavam com uma revolução mundial que aniquilaria os Estados nacionais. Por isso foram tão generosos ao traçar as fronteiras e conceder doações territoriais. Claro que, no interior da URSS, as fronteiras entre as repúblicas nunca foram consideradas como fronteiras entre Estados; eram nominais no seio de um país único que, ainda que exibisse todos os atributos de uma federação, era muito centralizado, o que era garantido pelo papel de primeiro plano do PCUS. Mas, em 1991, todos esses territórios e, o que é mais importante, as pessoas viram-se de um dia para o outro no estrangeiro, despojados, desta vez efetivamente, da sua pátria histórica.”

Mais próximo de nós, e a partir da óptica chauvinista grã-russa de Putin, as coisas pioraram ainda mais em 1954 quando Nikita Kruschev ofereceu a Crimeia à Ucrania como reconhecimento do seu papel na guerra mundial.

Um povo turbulento que coloca continuamente os seus governos em dificuldades

Putin celebrou, por assim dizer, o seu acesso à presidência da Federação Russa em janeiro de 2000 lançando a segunda guerra na Chechénia, a destruição completa de Grozny e o massacre de civis numa escala muito grande; algo a que apenas alguns militantes franceses prestaram atenção.

Nos casos da Ucrânia e da Bielorússia, tal como nas antigas repúblicas soviéticas dispostas a ser dóceis, estabeleceu alianças com homens políticos vindos da burocracia brezhneviana-gorbachoviana no poder. Pedia-se-lhes para que se abstivessem de estabelecer qualquer tipo de relações com a NATO e reprimir os movimentos sociais, a começar por aqueles cujo horizonte era a aproximação à União Europeia. Se foi necessário esperar até 2020 para que a população bielorrussa se sublevasse em Minsk, Kiev assistiu muito antes a imensas manifestações que tinham como objetivo a independência efetiva, incluindo o direito a decidir as relações com a União Europeia. Primeiro em 2004, contra os dirigentes apoiados por Putin, Leonid Koutchma e Viktor Yanukovitch. Depois, numa escala infinitamente maior, durante o inverno 2013-14, entre 30 de novembro e 8 de dezembro; depois entre 18 e 23 de fevereiro.

As manifestações, compostas inicialmente sobretudo por estudantes, começaram depois de Yanukovitch ter anunciado, em 21 de novembro de 2013, que não iria assinar o acordo de associação entre a Ucrânia e a União Europeia. Os manifestantes protestaram contra a corrupção e as condições de vida mas não se deve ver nisto uma espécie de “Maio de 1968”. Aos estudantes juntaram-se os partidos da oposição. As forças políticas ultra-nacionalistas passaram a estar cada vez mais ativas. O protesto, inicialmente pacífico e pró-norte-americano passou a ser violento a partir de dezembro, e culminou em confrontações de rua armadas em janeiro. A ocupação de edifícios públicos e as batalhas de rua levaram à renúncia de Yanukovich. Isto selou o fim do movimento e abriu caminho para a ocupação de facto, por parte da Rússia, de Donestk e Lugansk no Donbass em 2014 e à anexação da Crimeia.

Crimeia e Donbass

Putin aproveitou o movimento da Praça Maidan e a queda de Yanukovich para pôr fim à união entre a Crimeia e a Ucrânia decidida 60 anos antes. Anexou a Crimeia em março de 2014, impulsionando a formação de uma república autónoma que reclamava a adesão à Federação Russa. Simultaneamente, a minoria ucraniana pró-russa reagrupou-se no Leste no Donbass e, com o apoio da Rússia, proclamou, no verão de 2014, as duas repúblicas populares de Donestk e Lugansk. A Ucrânia não as reconheceu, e assim passaram a ser o palco de uma guerra latente.

Em 2022, o seu reconhecimento e integração na Federação da Rússia foram apresentadas por Putin como justificação da invasão. Foi denominada “operação militar especial” no discurso de 24 de fevereiro e o seu objetivo proclamado foi o “de proteger as pessoas que foram vítimas de intimidação e de genocídio às mãos do regime de Kiev desde há oito anos. E, por isso, lutaremos pela desmilitarização e pela desnazificação da Ucrânia”. Existe na Ucrânia uma ala de extrema-direita ultra-nacionalista, herdeira do setor de ucranianos que tinham saudado o exército alemão em 1941, mas o qualificativo de “neonazis” que Putin utiliza é pura propaganda.

O apoio a Putin do Monthly Review

O relato de Putin recebeu o vergonhoso apoio do Monthly Review. A revista qualifica as manifestações da Praça Maidan de golpe de Estado realizado com o apoio de forças neonazis:

“Yanukovitch tinyha sido amigável com o Ocidente. Mas, face às condições financeiras impostas pelo Fundo Monetário Internacional, o seu governo voltou-se para a Rússia para obter ajuda financeira, provocando a ira do Ocidente. Isto levou ao golpe de Estado de Maidan alguns meses mais tarde, com um novo dirigente ucraniano escolhido pelos Estados Unidos. O golpe de Estado foi realizado em parte pelas forças neonazis, que têm raízes históricas nas tropas fascistas ucranianas que ajudaram na invasão nazi da União Soviética. Hoje em dia, estas forças estão concentradas no batalhão Azov, agora parte do exército ucraniano apoiado pelos Estados Unidos”.

Monthly Review apoia a anexação da Crimeia e faz do apoio militar russo aos territórios separatistas no Donbass uma resposta legítima à tentativa ucraniana de os impedir:

“Depois do golpe de Estado, a Crimeia decidiu fundir-se com a Rússia através de um referendo no qual o povo da Crimeia teve também a possibilidade de continuar a pertencer à Ucrânia. A região do Donbass, em grande parte russófona, no leste do país, separou-se por seu lado da Ucrânia, como resposta à repressão violenta contra os russos étnicos que tinha sido desencadeada pelo novo governo de direita. [...] Lugansk e Donestk receberam o apoio militar da Rússia, enquanto que a Ucrânia (Kiev) recebeu um apoio militar cada vez mais importante, empreendendo assim o processo a mais longo prazo de integração da Ucrânia na NATO. Na guerra da Ucrânia contra a população russófona das repúblicas separatistas do Donbass, cerca de 14.000 pessoas foram assassinadas e 2,5 milhões deslocadas, a maioria das quais se refugiou na Rússia. O conflito inicial terminou com a assinatura, em 2014-2015, dos acordos de Minsk por parte da França, Alemanha, Rússia e Ucrânia, aprovados pelo Conselho de Segurança da ONU. Segundo estes acordos, Donestk e Lugansk deveriam ter direito à autonomia de governo, permanecendo na Ucrânia. Contudo, o conflito militar manteve-se e voltou finalmente a intensificar-se.”

E chega-se a fevereiro-março de 2022, quando o Monthly Review acusa o governo ucraniano de ter “rompido os acordos de Minsk” e não vê problema nenhum em que a incorporação de Lugansk e Donestk seja colocada por Putin entre os objetivos que justificariam, junto à caça aos “neonazis”, “a operação especial”.

Para onde caminha Putin? 

O objetivo desta carta é explicar as causas da guerra e não prever o seu desenlace. Limitar-me-ei ao seu curso nas primeiras seis semanas. Recordemos antes que a renúncia de Yanukovitch foi seguida pela eleição de Petro Porochenko em 2014 e, a seguir, de Zelenski em 2019. O primeiro tinha continuado a política conciliadora do seu predecessor enquanto a guerra no Donbass o permitiu mas Zelenski é um nacionalista convicto, orientado para a União Europeia. Existe um abismo entre ele e Putin. Tudo o que Zelenski faz atiça o ódio de Putin para com os ucranianos. Também há a questão do timing. Não está claro porque é que em março-abril de 2021 começou a mobilização massiva de tropas nas fronteiras com a Ucrânia e se lançou a invasão em fevereiro de 2022. As formas de guerra utilizadas na invasão foram as experimentadas na Síria em 2016-2017. Não houve nenhuma mudança significativa da NATO nas relações com a Ucrânia estabelecidas desde Maidan. As razões do timing devem sem dúvida procurar-se na necessidade, por parte de Putin, de encontrar, no quadro das mudanças geopolíticas mundiais, um campo de ação política e militar que lembre aos Estados Unidos e à China que a Rússia é uma grande potência igual, ou quase, a eles. Mas fracassou. Mostrou que a sua força é muito inferior a deles.

A invasão de 24 de fevereiro esteve marcada por decisões estratégicas baseadas em erros de apreciação muito importantes sobre as capacidades de resistência dos ucranianos, que por seu turno revelaram o estado real do exército russo nos planos operacional e material. Putin, acreditando-se forte pelo seu desprezo para com os ucranianos em geral e pelo seu presidente Zelenski em particular, e animado pelas informações e conselhos que recebia a partir do seu círculo íntimo, apostou numa guerra-relâmpago, um “passeio militar” com uma entrada rápida em Kiev e a expulsão de Zelenski por assassinato ou fuga. A resistência encarniçada do exército ucraniano e o começo de ações da população contra os tanques russos decidiram outra coisa. A partir de então, a maquinaria militar travou: colapso parcial das linhas de abastecimento de combustível e alimentos, paralisação dos movimentos das tropas e, retroativa e cumulativamente, perdas crescentes de pessoas e material, particularmente tanques.

Desde que a superioridade do exército russo sobre o exército ucraniano revelou ser menos importante que o previsto e maior a resistência da população, o Estado-Maior russo passou à guerra contra os civis e ao bombardeamento de cidades: muitas delas pequenas, como as que rodeiam Kiev, ou grandes, como Mariupol, situada perto do mar de Azov, 100 quilómetros a sul de Donestk, que teve um destino análogo ao de Grozny em 2000. Quanto mais se submerja na guerra, mais Putin terá a perder. Mas explicá-lo requer outro trabalho.

François Chesnais é investigador e economias marxista. Professor emérito na Universidade de Paris 13. Faz parte do Conselho Científico da ATTAC-França, diretor do Carré Rouge e membro do Conselho assessor do Herramienta. Texto publicado originalmente na revista Herramienta(link is external). Traduzido do francês por Aldo Casas. Traduzido a partir desta versão para português por Carlos Carujo.