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Grandes petrolíferas tentam lucrar com guerra na Ucrânia

2 de março de 2022

Mal os tanques de Putin tinham entrado na Ucrânia e já o lóbi norte-americano do petróleo exigia do governo de Biden medidas que o beneficiavam mas ignoravam de todo o sofrimento do povo ucraniano. Contra ele, precisamos de uma mobilização geral para acabar com a dependência global dos combustíveis fósseis.

Jamie Henn, Esquerda.net / Common Dreams, 1 de março de 2022

Os tanques de Putin ainda quase nem tinham ultrapassado a fronteira da Ucrânia e já o American Petroleum Institute(link is external) marcava presença no Twitter a tentar explorar a crise. Sem sequer uma palavra de solidariedade para com o povo da Ucrânia, o API lançava um conjunto de quatro exigências à Casa Branca, todas elas beneficiando o seu setor e não ajudando em nada a Europa ou a Ucrânia.

Vimos o API e os seus aliados no Partido Republicano usarem o mesmo manual durante os primeiros dias da pandemia de Covid-19, quando apresentaram uma longa lista de exigências à administração Trump que ficou muito feliz por transformar o pacote de ajuda durante a pandemia numa esmola multi-bilionária para as grandes petrolíferas.

Desta feita não podemos deixar que façam isso. Temos de começar por desmontar os seus argumentos alto e bom som, depois centrar-nos nos nossos, nas verdadeiras soluções às questões energéticas que envolvem o conflito e a atual emergência climática.

Em primeiro lugar, o API apelou à Casa Branca para que esta licenciasse mais perfurações em terras federais. Isto é absurdo. Cerca de 52.609 hectares de terras públicas já estão destinadas a explorações de petróleo e gás e a indústria acumulou(link is external) centenas de licenças não utilizadas que comprou a preços incrivelmente baixos. A razão pela qual a indústria quer mais terra não é para bombear petróleo e gás para a Ucrânia mas para ficar com mais reservas e inflacionar a perceção do seu valor. É apropriação pura e simples de terras.

Em segundo lugar, uma vez que poluir terrenos não é suficiente quando também se pode poluir a água, o API apelou à Casa Branca para emitir um novo plano de concessão de licenças offshore por cinco anos. A administração de Biden já tinha feito o erro de ter feito a maior venda de licenças offshore na história dos EUA mas um juiz acabou com ela(link is external) porque não tinha sido feito nenhuma análise climática significativa.

Seja como for, nunca é suficiente para as grandes petrolíferas: querem uma garantia de que vão poder continuar a expandir-se no Golfo do México e para além dele. Como um plano a cinco anos poderia ter alguma relevância num conflito imediato é um mistério, mas claro que esse nem sequer é verdadeiramente o que está em questão.

Em terceiro lugar, o API exigiu que a administração acelerasse o licenciamento da infraestrutura de energia. Essa, é claro, a resposta desta indústria para tudo: na dúvida, construa mais oleodutos. A infraestrutura de energia de que o API fala não são os painéis solares e as turbinas eólicas que poderiam ajudar-nos a libertar-nos da nossa dependência de combustíveis fósseis, mas os oleodutos, refinarias e instalações de exportação que apenas aprofundarão a nossa dependência. O API gosta de fingir que mais infraestrutura permitirá que os EUA de alguma forma inundem o mercado global com petróleo e gás suficientes para que Putin não venda nenhum deles, mas não é assim que os mercados funcionam. Enquanto o mundo ainda depender de combustíveis fósseis, o dinheiro fluirá para o regime de Putin.

Finalmente, o API lançou o genérico “reduzir a incerteza legal e regulatória”, uma maneira chique de dizer “garantem que as regras não se aplicam a nós”. As grandes petrolíferas não gostam da ideia de ter de cumprir a lei e muito menos de serem responsabilizadas em tribunal pelos danos que causaram ao clima. Eles também desprezam as regulamentações, igualmente conhecidas como proteções ambientais e públicas, como as leis do Ar Limpo e da Água Limpa. Neste ponto, a indústria pode estar bastante confiante de que os seus donativos para os senadores Manchin, Sinema e o Partido Republicano mataram as partes mais ambiciosas do Build Back Better Act de Biden, mas nunca se pode ter certeza.

O centro do discurso do API, do conjunto da indústria de combustíveis fósseis e do Partido Republicano durante esta crise está baseado no princípio de que conseguem enganar o público fazendo-o pensar que mais produção de combustíveis fósseis dos EUA ajudará a Ucrânia e prejudicará Putin. De facto, é o contrário. As atuais exportações de gás natural liquefeito dos EUA para a Europa são uma importante medida temporária uma vez que a Europa ainda depende do às, mas nunca serão uma solução a longo prazo. Enquanto houver uma procura europeia e global pelos combustíveis fósseis haverá mercado para o veneno de Putin.

Do que precisamos agora é de uma mobilização geral para acabar com a dependência global dos combustíveis fósseis. Em vez de construir mais infraestrutura para o petróleo, os EUA deveriam estar a cooperar com a Europa e o resto do mundo para incrementar a adoção de tecnologias de energia limpa. Afinal de contas, é a isso que a própria União Europeia apela: algumas declarações da UE sugerem que, em parte devido à crise na Ucrânia, procura embarcar(link is external) num importante plano de segurança energética baseado na eficácia e nas energias renováveis.

E se entretanto os preços do petróleo e do gás subirem? Em vez de deixar as grandes petrolíferas continuarem a burlar os consumidores nas bombas de gasolina, a administração de Biden devia defender uma ideia que ganha força no Reino Unido: implementar(link is external) um imposto sobre os lucros inesperados da indústria petrolífera e usar os lucros para compensar os custos dos consumidores, ao mesmo tempo que se investe em soluções a longo prazo. Os EUA já criaram programas como o Programa de Assistência Energética aos Lares de Baixos Rendimentos que poderiam distribuir o dinheiro de uma forma progressiva que ajudasse quem mais precisa.

As grandes petrolíferas registaram lucros recorde nos último trimestre e não foi devido a nenhuma inovação sua mas por causa da pandemia da Covid-19 e agora da crise na Ucrânia. Muitos consideram que nenhum dos lucros destas grandes petrolíferas são legítimos tendo em conta os danos que causam ao clima. Mas os lucros feitos com estas crises globais são especialmente mal merecidos.

E que melhor forma dos democratas e a administração Biden responderem às tentativas das grandes petrolíferas de lucrarem com esta crise do que fazê-las ajudar a compensar os custos e pagar pela transição dos combustíveis fósseis? Essa seria uma contribuição significativa de uma indústria que há muito tempo é um motor de conflito e não um agente de paz.

Jamie Henn é diretor do Fossil Free Media e co-fundador do 350.org. Texto publicado originalmente no Common Dreams. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.