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Impacto e revelações da CPI da Pandemia

Artigos de Bruno Lupion e Paula Adamo Idoeta sistematizam e avaliam a CPI de Pandemia depois de duas semanas de trabalho

22 de maio de 2021

O impacto político da CPI da Pandemia até o momento

Bruno Lupion, Deutsche Welle, 21 de maio de 2021

A CPI da Pandemia encerrou sua segunda semana de depoimentos ouvindo dois ex-ministros de Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde), e reafirmando-se como uma comissão parlamentar de inquérito de grande visibilidade e alto potencial de desgaste para o presidente.

Cada depoente teve suas especificidades, mas as sessões da CPI até o momento revelam alguns elementos gerais e estratégias comuns, segundo cientistas políticos ouvidos pela DW Brasil. Entre eles, tentativas de transferir responsabilidades para gestores estaduais ou subordinados, discursos carregados de ideologia e negação da realidade e visão pouco pragmática para resolver os problemas da pandemia.

A atuação de senadores independentes e de oposição, por sua vez, tem constrangido o governo, com reflexos na popularidade do presidente, e deu à CPI o controle da agenda pública. Para tentar reagir, aliados do Palácio do Planalto avançam com pautas ideológicas na Câmara para mobilizar sua base fiel e desacreditam o trabalho da comissão como um "circo de políticos".

Alta visibilidade entre a população

Um aspecto da CPI da Pandemia que a diferencia de comissões parlamentares de inquérito instaladas nos últimos anos é seu alto grau de acompanhamento pela população, já que apura responsabilidades na gestão de uma pandemia que provocou até o momento mais de 440 mil mortes.

"É uma CPI com bastante visibilidade pública e ampla cobertura, como há tempos não tínhamos. E é natural que tenha, pois em última instância ela está investigando a perda de vidas", afirma Lucio Renno, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

Ele diz que as CPIs haviam perdido influência nos últimos 15 anos, em parte devido ao fortalecimento de instituições de controle e fiscalização como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, que "obscureceu o papel fiscalizador do Poder Legislativo".

"Esta CPI não é igual às outras. Esta CPI não é de uma estrada, aquela que o feirante e o camelô não estão nem aí. Esta CPI está na casa de todos nós. Não tem um brasileiro que não tenha perdido um familiar, um amigo, um conhecido", afirmou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta sexta.

A repercussão da comissão é potencializada pelo fato de os senadores estarem dando destaque à questão das vacinas, que mexe com as expectativas da sociedade, afirma a cientista política Monalisa Soares Lopes, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). "A imunização é a grande saída da pandemia e é o grande tema para a população", diz.

Transferência de responsabilidade

Um traço comum nos depoimentos colhidos até momento é a tentativa de transferir responsabilidades para outras pessoas ou gestores, segundo Lopes, no que ela identifica como lógica de "cascata".

Ele menciona o ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República Fabio Wajngarten e o ex-chanceler Ernesto Araújo, que tentaram colocar a responsabilidade de algumas decisões sobre a pandemia nas costas de Pazuello. O ex-ministro da Saúde, por sua vez tentou transferir a responsabilidade para governadores, secretários estaduais e subordinados, como na secretária de gestão do trabalho e da educação na saúde da pasta, Mayra Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina", que dará depoimento na próxima terça.

Pazuello disse que partiu de Pinheiro a sugestão para criar o aplicativo de diagnóstico instantâneo TrateCov, que recomendava o uso de cloroquina. "Vamos ver se ela empurrará [a responsabilidade] para mais pra alguém", diz Lopes.

Outra estratégia usada por Pazuello para buscar isentar Bolsonaro de responsabilidade foi classificar algumas ordens e declarações do presidente em defesa da cloroquina ou questionando as vacinas como "apenas uma posição de internet" ou "uma posição como agente político na internet", feitas para mobilizar apoiadores mas que não interferiam na definição das políticas públicas.

Negação da realidade

Outro elemento dos depoimentos à CPI é a "negação da realidade observada", afirma Rachel Meneguello, professora de ciência política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Um exemplo desse comportamento, diz, é quando Pazuello declarou que nunca recebeu ordem de Bolsonaro pare rever suas decisões, apesar de haver vídeos do presidente determinando que ele cancelasse um acordo de intenção de compra de vacinas do Instituto Butantan, devido ao conflito político com o governador de São Paulo, João Doria.

"Falava-se há um tempo que esse governo fundava-se na pós-verdade, hoje está cada vez mais claro que pós-verdade é a negação da realidade", diz.

Ela menciona também o depoimento de Wajngarten, que negou que havia dito à revista Veja que a gestão do Ministério da Saúde havia sido incompetente. Durante a sessão da CPI, a revista divulgou em seu site o áudio da entrevista, no qual Wajngarten aponta "incompetência" do Ministério da Saúde.

"A participação dos depoentes na CPI tem uma certa 'sincronia da negação', e cabe aos senadores desmontar esse jogo de cena", afirma Meneguello.

Ideologia e pouco pragmatismo

Outro aspecto comum entre os depoentes identificado por Renno, especialmente em Araújo e Pazuello, foi o uso de uma retórica "ideológica" e pouco voltada à solução de problemas que deve guiar a gestão pública.

"Gestores que não atuavam de forma proativa, que aguardavam os problemas acontecer, sem tempestividade para agir", afirma.

Segundo ele, os depoimentos revelaram que tanto na pasta das Relações Exteriores quando na da Saúde havia "alguns atores muito incompetentes, com impactos devastadores em termos de vidas perdidas".

Desgaste para o governo

A expectativa de que a CPI iria provocar desgaste para o governo "vem se confirmando" até o momento, segundo Lopes, da UFC. Pesquisa Datafolha realizada em 11 e 12 de maio, depois da instalação da CPI, mostrou que a aprovação a Bolsonaro caiu seis pontos percentuais em relação ao último levantamento, em março, e está agora em 24%, pior marca desde o início do seu mandato.

Para Renno, a CPI força o governo a se colocar na defensiva e dá à comissão o controle da agenda, com efeito "imediato" no desgaste de Bolsonaro, na cristalização da avaliação negativa do governo e do fortalecimento do antibolsonarismo. "Os que tinham dubiedade ou hesitação vão tender à avaliação negativa [do presidente], e se reduz a possibilidade de incluir apoiadores além da sua base consistente e ideológica", afirma.

O núcleo bolsonarista, que ele estima em 20% da população, segue fechado em torno do presidente e não deve ser afetado pela CPI, diz Renno. "Não é um grupo desprezível, mas não assegura uma vitória eleitoral", afirma.

Meneguello ressalta que os trabalhos da comissão também influenciam a preparação para a disputa de 2022, considerando que o ex-presidente Lula tem aparecido neste momento como principal opositor a Bolsonaro. Mas ela diz ser necessário aguardar a evolução da economia nos próximos meses para verificar se haverá "reversão" na tendência de queda da popularidade do presidente.

Reação do Planalto

A estratégia de Bolsonaro para reagir à CPI é multifacetada. Em uma frente, senadores próximos ao governo tentam responsabilizar os governadores, prefeitos e outros gestores públicos nas falhas do combate à pandemia.

O Planalto já havia tentado fazer isso antes do início da CPI, e tentou incluir os governadores e prefeitos no escopo oficial da comissão. A manobra, porém, foi barrada pela Secretaria Geral da Mesa do Senado, que informou que o regimento da Casa proíbe a ampliação do objetivo da CPI para outros entes federados.

Nesta quinta, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), próximo do presidente, mostrou durante a sessão da CPI um vídeo dos governadores Helder Barbalho (Pará), Flávio Dino (Maranhão) e Wellington Dias (Piauí) de março de 2020, no início da pandemia, em que não se opunham ao uso da cloroquina. Um gesto que deixou "muito claro como o governo está buscando articular sua contra-narrativa", diz Lopes.

Há também diversos pedidos para convocar secretários e gestores públicos estaduais para deporem na CPI, ainda não foram votados pela comissão.

Outro flanco usado pelo grupo de Bolsonaro é reativar pautas ideológicas na Câmara dos Deputados para fidelizar sua base. Em 13 de maio, a Câmara instalou uma comissão especial para analisar um projeto que torna o voto impresso obrigatório já nas próximas eleições, tema mencionado com frequência por Bolsonaro.

Na última terça, um projeto de lei que busca descriminalizar a educação domiciliar, outro tema caro à base do presidente, começou a ser discutido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. E, no mesmo dia, o deputado bolsonarista Diego Garcia (Podemos-RR), tumultuou uma reunião de uma comissão especial na Câmara que debate o uso medicinal da maconha, empurrando o presidente da comissão, Paulo Teixeira (PT-SP). "Há uma série de ações dialogando com pautas caras ao bolsonarismo para tentar se fortalecer no momento em que eles enfrentam desgaste na CPI", diz Lopes.

Na própria comissão, há tentativas de criar episódios para deslegitimar a CPI. No dia do depoimento de Wajngarten, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, assumiu a palavra na sessão e chamou o relator, Renan Calheiros (PMDB-AL), de "vagabundo", provocando bate-boca. Tem ocorrido também a produção e distribuição de memes que associam a CPI a um "circo" repleto de "baixarias e ofensas", para serem compartilhados em redes sociais e pelo WhatsApp, segundo Renno.

Próximos depoimentos

Na próxima terça, será ouvida a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, a "capitã cloroquina".

Além dela, já foram aprovadas as convocações de Antônio Elcio Franco Filho, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e braço direito de Pazuello na pasta, Fernando Marques, presidente da União Química, que produz a vacina Sputnik V no Brasil, Nise Yamaguchi, médica defensora do uso de cloroquina por pacientes com covid-19 que teria participado de uma reunião no Palácio do Planalto para alterar a bula do remédio, Marcellus Campelo, secretário de Saúde do Amazonas, e Dimas Covas, diretor do Butantan, entre outros nomes. As datas desses depoimentos ainda não foram confirmadas.

O presidente da CPI, Omar Aziz, afirmou que defenderá a prorrogação do trabalho da comissão para além dos 90 dias previstos.

CPI da Covid: as principais revelações e os destaques dos depoimentos até agora

Paula Adamo Idoeta, BBC News Brasil, 22 de maio de 2021

A CPI da Covid, que busca apurar ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia, ainda tem um longo caminho pela frente: há mais dez depoentes já convocados e uma duração prevista para um total de 90 dias — prazo que pode ser ampliado.

Se duas semanas de depoimento ainda não trouxeram à tona nenhuma informação que possa ser considerada bombástica, na avaliação de senadores e analistas consultados pela BBC News Brasil houve revelações importantes a respeito da atuação federal no último ano. Eis as principais delas:

Cartas da Pfizer ignoradas

A demora na compra da vacina da farmacêutica americana Pfizer é um dos temas mais explorados na CPI até o momento.

E o principal fato concreto em torno disso foi mencionado no depoimento do ex-secretário de Comunicação do governo Fabio Wajngarten, que citou uma carta de 12 de setembro enviada pela Pfizer a seis autoridades brasileiras: ao presidente Jair Bolsonaro, a seu vice, Hamilton Mourão, aos então ministros Paulo Guedes (Economia), Eduardo Pazuello (Saúde), Walter Braga Netto (Casa Civil) e ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster.

A carta foi ignorada por dois meses, afirmou Wajngarten — agregando que, quando tomou conhecimento do assunto, em novembro, entrou em contato com a farmacêutica e se reuniu uma vez com o executivo da empresa no Brasil, Carlos Murillo.

No dia seguinte, Murillo afirmou, em seu depoimento, que a primeira oferta da empresa, de 70 milhões de doses, fora feita em 14 agosto ao governo federal e tinha prazo para resposta de 15 dias — o governo ignorou o prazo e a oferta expirou.

Se essa oferta tivesse sido aceita, as primeiras doses da vacina poderiam ter sido entregues ainda em dezembro de 2020, afirma Murillo.

A segunda e terceira ofertas de 70 milhões de doses foram feitas em 18 e 26 de agosto, e também não foram aceitas pelo governo, segundo Carlos Murillo.

Foi só em março deste ano que o governo assinou o acordo com a empresa, e a primeira remessa de cerca de 1 milhão de doses da vacina da Pfizer/BioNTech chegou ao Brasil no final do último mês de abril.

Murillo afirmou à CPI que os outros países fecharam o contrato de compra antes da aprovação das agências regulatórias. Nos EUA, a vacinação começou em 14 de dezembro de 2020, com aprovação emergencial pela FDA, a agência regulatória americana.

Ao depor à CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello contestou: "(As cartas da empresa) foram respondidas. A resposta à Pfizer é uma negociação que começa com a proposta e termina com a assinatura do memorando de entendimento para compra. Quando nós tivemos a primeira proposta oficial da Pfizer, ela chegou com cinco cláusulas que eram assustadoras."

O ex-ministro citou exigências como a isenção de responsabilidade por efeitos colaterais, transferência do fórum de decisões sobre questões judiciais para Nova York, pagamento adiantado e não existência de multa por atraso de entrega.

As exigências são as mesmas feitas pela empresa para outros países e similares a propostas de outras empresas.

Pazuello afirmou que as "cláusulas leoninas" foram avaliadas por advogados da assessoria do ministério.

"Hoje já temos outras propostas com essas cláusulas, mas na época não havia", afirmou. "Talvez hoje possamos ouvir com um grau de normalidade. Mas a primeira vez que eu ouvi isso achei assustador. Além disso, a Pfizer trouxe a (custo de) US$ 10 dólares a dose, e nós estávamos negociando a US$ 3. Além das discussões logísticas sobre armazenamento."

Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), porém, "os documentos (em posse da CPI) já demonstram a demora e a má vontade" na negociação com a Pfizer.

Segundo a Folha de S.Paulo, esses documentos incluem dez emails a respeito de vacinas que foram enviados pela Pfizer e ignorados pelo governo.

Envolvimento da Secretaria de Comunicação nas vacinas

Outro ponto chamou a atenção dos senadores nas discussões com a farmacêutica: o envolvimento de políticos cuja atuação não teria, em tese, nenhuma relação com aquisição de vacinas.

Em entrevista prévia à revista Veja, Fabio Wajngarten havia dito que se envolvera na compra de imunizantes na Secretaria Especial de Comunicação (Secom) porque o processo estava "sofrendo entraves".

Em áudio tornado público pela revista, Wajngarten afirmou que havia "incompetência" no Ministério da Saúde.

No depoimento à CPI, porém, Wajngarten foi vago em relação à entrevista, dizendo apenas que teve uma reunião com a Pfizer e levou o assunto ao conhecimento de Bolsonaro "para ajudar no impasse".

"Vi por bem levar o assunto Pfizer ao presidente Bolsonaro na busca de uma solução rápida, e assim foi feito. Minha atitude proativa em relação ao laboratório produtor da vacina foi republicana e no sentido de ajudar. Nunca participei de negociação. O que busquei sempre foi o maior número de vacinas para atender a população brasileira com uma vacina que tinha maior eficácia", afirmou Wajngarten.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-GO) opinou, em entrevista coletiva, que Wajngarten deveria ser "homenageado" por ter assumido sua responsabilidade de servidor público e tomado a iniciativa de contactar a Pfizer, em vez de "botar (o assunto) na gaveta". "O problema é que há uma sanha acusadora no âmbito do Senado, por parte da oposição, que é incompreensível", disse Rogério.

Já o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, afirmou durante o depoimento de Wajngarten que o envolvimento do ex-secretário em tema desvinculado da sua área de atuação reforça os indícios de que Jair Bolsonaro teria uma "consultoria paralela" ao Ministério da Saúde para tomar decisões relacionadas à pandemia (veja mais abaixo).

Segundo o depoimento de Carlos Murillo, quem também participou da reunião com a farmacêutica foi Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, que é vereador no Rio de Janeiro pelo partido Republicanos e não tem cargo oficial no governo federal.

Discussão para mudar a bula da cloroquina

Rejeitadas pelas agências internacionais de saúde no combate à covid-19 por sua ineficácia em tratar a covid-19 e por seus efeitos colaterais potencialmente graves, a cloroquina e a hidroxicloroquina foram constantemente sugeridas por Bolsonaro e por ações oficiais do Ministério da Saúde desde o início da pandemia.

Na última quinta-feira (20/05), Bolsonaro afirmou em uma live que voltou a usar cloroquina recentemente após sentir sintomas de covid-19: "Não vou falar o nome (do remédio) para não cair a live", disse o presidente.

O que a CPI trouxe de novo é a informação de que foi discutida, no âmbito do governo, a ideia de modificar a bula da cloroquina, medicamento originalmente voltado ao tratamento da malária.

Em seu depoimento à comissão, em 4 de maio, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que durante sua gestão ele foi chamado a uma reunião em que "havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus. E foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, (Antônio) Barra Torres, que disse não."

Barra Torres também depôs e confirmou essa tratativa, que acabou sendo rejeitada naquela mesma reunião.

"Só quem pode modificar a bula de um medicamento registrado é a agência reguladora do país (a Anvisa), mas desde que solicitado pelo detentor do registro", declarou Barra Torres.

O presidente da Anvisa afirmou, também, que o documento com a minuta de mudança da bula foi comentado pela médica Nise Yamaguchi, que participava da reunião.

"(Isso) provocou uma reação até um pouco deseducada minha, de dizer que aquilo (mudança de bula) não poderia ser", afirmou Barra Torres.

Nise Yamaguchi é uma das convocadas para depoimento nas próximas semanas

A médica diz que a fala de Barra Torres "não corresponde à realidade". Ela deve comparecer na condição de convidada e não de testemunha, o que significa que não pode incorrer no crime de falso testemunho caso falte com a verdade.

Suspeita de "aconselhamento paralelo" a Bolsonaro

Os depoimentos na CPI reforçaram, entre os senadores críticos ao governo, a tese de que Jair Bolsonaro recebia um "aconselhamento paralelo" ao Ministério da Saúde no que se refere à estratégia de enfrentamento da pandemia.

Desse aconselhamento, argumentam os senadores, parecem ter saído as iniciativas de defesa da cloroquina e a ideia de imunidade de rebanho por contaminação, em vez de por vacinação. Por trás disso, está a falsa percepção de que, quanto mais gente infectada, maior seria a imunidade da população como um todo.

Embora o Ministério da Saúde nunca tenha oficialmente adotado a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas, Bolsonaro disse diversas vezes que a contaminação da maioria da população era inevitável e que "ajudaria a não proliferar" a doença.

"Muitos pegarão isso (vírus) independente (sic) dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde", afirmou Bolsonaro em 15 de março de 2020 à CNN Brasil.

Em abril daquele ano, Bolsonaro afirmou que "o vírus vai atingir 70% da população, infelizmente é uma realidade"

Em seu depoimento, Eduardo Pazuello afirmou ter ouvido a tese de imunidade de rebanho do deputado Osmar Terra (MDB-RS), que tem sido mencionado como um desses possíveis "conselheiros paralelos" a Bolsonaro.

Mas questionado se a estratégia foi adotada na pandemia, Pazuello respondeu que "em hipótese alguma".

Outro nome que teria envolvimento nesse suposto aconselhamento paralelo é o do empresário Carlos Wizard, que afirmou à TV Brasil que passou um mês como conselheiro do Ministério da Saúde. Pazuello, porém, negou isso.

"Carlos Wizard, por si só, propôs reunir um grupo de médicos para aconselhamento, mas eu não aceitei. Teve uma reunião de 15 minutos e não gostei da dinâmica da conversa. Não tive aconselhamento nem assessoramento de grupos de médicos."

Para o senador Otto Alencar (PSD-BA), porém, "está caracterizado com clareza a tentativa do governo, com Pazuello e o presidente (Bolsonaro), de pensar em imunidade de rebanho, (...) com esses assessores em paralelo", opina.

Em entrevista coletiva, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, afirmou que "existia um comando no Palácio do Planalto que compreendia como estratégia para enfrentamento da pandemia a contaminação de todos, a cloroquina como solução, e a chamada imunidade coletiva. Esse comando não apostava nos meios da ciência".

Os depoimentos de Fabio Wajngarten e Carlos Murillo sugerem que esse "comando paralelo" teria tido ingerência nas negociações das vacinas, prosseguiu Randolfe.

"Temos que entender melhor quem fazia parte desse gabinete paralelo para ver, deste comando, de quem é importante pedir quebra de sigilo e a quem é importante fazer a convocação", agregou o senador.

Em contrapartida, Pazuello, Wajngarten e o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo negaram, em seus depoimentos, terem conhecimento de que houvesse redes extraoficiais de aconselhamento a Bolsonaro.

Jogo de empurra quanto à responsabilidade pela crise em Manaus

Ao falar à CPI, Pazuello voltou a responsabilizar o governo do Amazonas e o fornecimento privado pela crise em Manaus no início do ano, quando a escassez de oxigênio levou ao extremo o colapso no sistema de saúde local.

Para o senador Alessandro Vieira, um dos pontos que chamam a atenção é o fato de "a decisão pela não intervenção em Manaus ter tido a participação direta do presidente da República".

Ele se refere ao momento do depoimento em que Pazuello contou ter havido uma reunião ministerial com Bolsonaro para discutir uma possível intervenção no Estado, mas que, pelo que o ex-ministro se recorda, chegou-se à conclusão de que o governo amazonense "tinha condição de continuar fazendo a resposta" à pandemia no Estado.

Vieira diz que um dos pontos que ainda precisam ser esclarecidos - e que podem indicar omissão do governo - é a aparente recusa à oferta de um avião americano para levar suprimentos emergenciais a Manaus em janeiro.

Quando foi questionado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sobre por que não aceitou a ajuda americana, Pazuello afirmou que a oferta não tinha chegado a ele. O ex-ministro agregou que, pelo que soube mais tarde, a oferta não seria gratuita, dando a entender que o governo brasileiro teria de pagar pela ajuda americana.

Nesse momento, Gama acusou Pazuello de mentir, dizendo ter em mãos um documento do próprio Ministério da Saúde que evidenciaria que a pasta tinha conhecimento sobre o caso.

Em seguida, o advogado da Advocacia-Geral da União que acompanhava Pazuello orientou-o a ficar em silêncio. "Melhor ele ficar em silêncio do que se comprometer cada vez mais. A explicação dele não bate com a explicação do ministério", respondeu o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

'Blindagem' de Bolsonaro

Os senadores de oposição criticaram Pazuello, em seu depoimento, por supostamente blindar Jair Bolsonaro de qualquer responsabilidade pelo altíssimo número de vítimas da covid-19 no Brasil.

"Pazuello tentou fazer uma barreira de proteção ao presidente", critica Otto Alencar.

"É inacreditável ele afirmar que algo dito pelo presidente na internet não valia", agrega Alessandro Vieira - em alusão ao momento de seu depoimento em que Pazuello afirmou que as recusas públicas de Bolsonaro à CoronaVac não afetaram as decisões de compra da vacina.

Em outubro de 2020, Bolsonaro declarou que já tinha "mandado cancelar" o protocolo de intenções de compra do imunizante. Segundo Pazuello, porém, isso foi "uma posição como agente político na internet" que não interferiu em nada na discussão em curso com o Instituto Butantan, responsável pela CoronaVac.

"Uma fala na internet não é uma ordem", disse Pazuello. "Bolsonaro nunca falou para que eu não comprasse. Ele falou publicamente, mas para o ministério ou para mim, nunca falou."

Esse distanciamento em relação ao presidente ocorreu mesmo no caso do ex-ministro Mandetta, avalia o analista político Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral. "O depoimento de Mandetta tinha um potencial explosivo, mas ele foi muito cauteloso, uma vez que é um eventual candidato (em 2022) e não quer se desgastar totalmente com o eleitor bolsonarista", diz Carazza.

Se todas as Comissões Parlamentares de Inquérito são, por natureza, instrumentos de pressão e convencimento da opinião pública, a CPI da Covid o é ainda mais por abordar um tema tão próximo à realidade de cada um dos brasileiros, prossegue o analista.

"Então é de se esperar que seja explorada ao máximo pela oposição e também pelo governo, de jogar a conta (das mortes na pandemia) aos Estados e municípios e tentar se blindar", explica.

"Depois de uma primeira fase com nomes muito aguardados (como os de ex-ministros), agora a CPI precisará não perder o foco, por uma tendência natural de desgaste da opinião pública. Teremos personagens mais coadjuvantes, então há o risco de a oposição perder o controle dos holofotes, mas também a chance de surgirem elementos novos para sacudir a história", conclui Carazza.