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José Correa: "Pluriverso" mostra saídas transformadoras

Um convite ao inconformismo, à rebeldia e à convergências entre alternativas transformadoras que, podendo conviver e interagir, podem construir outro mundo

16 de outubro de 2021

[Pluriverso: dicionário do pós-desenvolvimento, é uma obra organizada a dez mãos por Ashish Kothari, Ariel Salleh, Arturo Escobar, Federico Demaria e Alberto Acosta. Com 108 verbetes distribuídos por 576 páginas, ela está em pré-venda, até 31 de outubro, no site da Editora Elefante, podendo ser encomendada com desconto e sem custo de frete aqui. Um convite ao inconformismo, à rebeldia e à convergências entre alternativas transformadoras que, podendo conviver e interagir, podem construir outro mundo. A seguir o texto publicado como orelha do livro.]

José Correa Leite, julho de 2021

Pluriverso está se tornando uma obra de referência fundamental na luta por alternativas sistêmicas. Originalmente enviado para publicação em março de 2019, é editado no Brasil, em meados de 2021, quando a humanidade vive a pandemia da covid-19, sua mais importante experiência coletiva desde a II Guerra Mundial. Ela nos dá condições muito melhores de apreender a importância da(s) crítica(s) ao desenvolvimento organizada(s) nos 108 verbetes de uma verdadeira enciclopédia de alternativas.   

A pandemia vem sendo o pretexto para uma ofensiva conservadora na política, na economia e nos valores, para uma reorganização do capitalismo global a partir não só das finanças mas também das corporações de plataformas. Centenas de milhões de pessoas estão hoje vivendo pior do que há dois anos atrás, pelo desemprego, precarização e retirada de direitos. Mas, ainda que com um gigantesco custo em vidas humanas, a pandemia está também evidenciando os limites e cobrando seu preço dos projetos de extrema-direita, neofascistas, social-darwinistas e ultraliberais - como o que vivemos com força no Brasil.   

A covid-19 torna mais aguda a necessidade de alternativas que rompam com o paradigma do desenvolvimento e do crescimento infinito em um mundo finito, com a injustificada ditadura da economia e, mais, do mercado, em um mundo que provavelmente atingiu o ápice da afluência e agora mergulha na emergência climática e em uma desigualdade inédita. Para retomar o lema do Fórum Social Mundial, um outro mundo é possível, necessário e urgente, embora o movimento na direção desta possibilidade se confronte com um grande bloqueio imaginativo.   

Ashish Kothari, Ariel Salleh, Alberto Acosta,Arturo Escobar e Federico Demaria são todos  intelectuais-ativistas ou militantes-intelectuais envolvidos em intensas disputas políticas e buscam superar o bloqueio imaginativo da esquerda mobilizando experiências práticas, projetos e cosmovisões dos cinco continentes e dos mares do mundo - “tantos vigores dispersos”, lembra Gioconda Belli ecoando Rubén Darío. A diversidade de vozes que se expressa no Pluriverso constrói um panorama no qual vislumbramos outra humanidade - muito mais positiva do que aquela que nos apresenta o mundo saturado de informações e espetáculos à nossa volta - e a Terra que nos abraça.   

O mosaico que constitui o Pluriverso toma como epígrafe um extrato da declaração zapatista de 1997: “o mundo que queremos é um mundo onde caibam muitos mundos”. Esta ruptura epistemológica com as esquerdas dogmáticas, homogeneizadoras e hierárquicas se tornaria, dois anos depois, um fio vermelho de estruturação do altermundialismo que explodiria nas revoltas contra as instituições de governança da globalização neoliberal. Hoje, duas décadas depois, esta é, muito mais do que antes, a única aposta racional para a construção de alternativas sistêmicas ao deserto neoliberal que produz bilhões de derrotas humanas e abre caminho para os Trumps, Bolsonaros e Modis. A multiplicação de paradigmas de esperanças e utopias concretas é também a única forma de mobilizar as energias necessárias não só para se revoltar contra o atual estado de coisas, mas também para construir afirmativamente outro mundo.   

Ao contrário de uma aparente cacofonia, de um ecletismo incoerente, a polifonia orquestrada pelos editores de Pluriverso, revela-se uma inovação metodológica importante. A abordagem não poderia ser mais pedagógica, com a organização dos verbetes e de sua proposta em três partes: I. O desenvolvimento e suas crises: experiências mundiais; II. Universalizar a Terra: soluções reformistas; e III. Um pluriverso dos povos: alternativas transformadoras. Confronta, assim, a tragédia social e ecológica do mundo tanto com os limites e perigos das soluções reformistas quanto com as energias e potenciais das alternativas transformadoras que, podendo conviver, interagir e convergir, podem construir outro mundo. Elas emergem da pluralidade de corpos, conhecimentos, vivências e práticas populares na relação entre os seres humanos e da humanidade com a natureza.    

Sabemos para onde a acumulação sem freios, o fossilismo, o extrativismo, a ditadura da produção sobre a reprodução, oconsumismo, a especulação financeira, a hipermobilidade, a hiperconectividade, o individualismo, o narcisismo, o espetáculo, a psicopolítica e a mercantilização de todas as esfera da vida estão nos levando. Talvez Pluriverso, sendo organizado hoje, incluísse mais um verbete, que poderia ser escrito por Rob Wallace, sobre as zoonoses e como as comunidades foram capazes de lidar com elas. Mas a Editora Elefante já lançou seu livro Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência, que é um complemento útil desta enciclopédia de outro mundo possível.   

Ashish Kothari, Ariel Salleh, Alberto Acosta, Arturo Escobar e Federico Demaria concluem seu prefácio com um trecho de Palavras cativas, de Mustapha Khayati: “Toda crítica do velho mundo foi feita na língua desse mundo, ainda que estivesse dirigida contra ele... A teoria revolucionária teve que inventar seus próprios termos, destruir o sentido dominante de outros termos e estabelecer novos significados… que correspondessem à nova realidade embrionária que reclamava ser liberdade… Cada práxis revolucionária sentiu a necessidade de um novo campo semântico que permitisse expressar uma nova verdade:… porque a linguagem é a morada do poder”.   

Talvez precisamente aí se expresse a ambição ea virtude maior dessa obra: para que estas muitas alternativas reais possam desenvolver suas potencialidades e estabelecer relações virtuosas entre si, necessitam um novo vocabulário e uma nova sintaxe que lhes permita conhecerem-se e reconhecerem-se. Pluriverso é uma contribuição essencial para isso!