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Lula-Alckmin: um amargo presente no Natal de 2021

A esquerda passará as festas de fim de ano com certa amargura. Ao invés de buscar as sínteses para um ano decisivo, ficaremos discutindo se é correto ou não o convite para Alckmin ser o candidato a vice presidente na chapa de Lula.

26 de dezembro de 2021

2021 foi um ano muito difícil. O número de mortes pela COVID atingiu, entre janeiro e novembro, 415 mil pessoas. Os índices de inflação e desemprego cresceram. A fome voltou a assolar milhões de famílias, dentre outros. Em nome da saúde mental, é melhor não fazer a “retrospectiva” dos piores momentos deste ano. Todas sabemos o que se passou.

Chico de Filippo e Well Leal, 22 de dezembro de 2021

No meio destes indicadores, um governo de extrema direita que traz para o presente alguns dos piores cenários distópicos do futuro. É tarefa urgente e essencial construir alternativas a este governo. E não adianta ser qualquer alternativa. Precisam ser alternativas à esquerda. Outros setores da direita, também chamados de terceira via, já mostraram que não terão a ousadia necessária, não só para romper com os marcos do bolsonarismo, como também reconstruir um ciclo de inclusão social e fortalecimento de direitos. Quando falamos de ousadia, é porque antes dela trabalhamos a esperança. 2021 foi um ano muito difícil.  Mas, para muitas, é um melhor que 2020 porque traz dentro de si a esperança de que 2022 pode iniciar um novo ciclo. Foi o ano das vacinas, um ano de mobilizações importantes, de diversos giros à esquerda para construir frentes para derrotar o fascismo. E terminamos o ano celebrando a vitória de Gabriel Boric no Chile, dentre outros. Ao de tudo, para nós socialistas a esperança é moto de luta, sonhamos e constituímos parte de um processo que talvez não presenciaremos, mas damos nossa contribuição política de alimentar nossos sonhos de futuros que virão, ainda que não vivenciemos esse futuro. 

O ano poderia encerrar de maneira esplêndida com a esquerda celebrando as últimas pesquisas eleitorais, que apontam Lula com ampla margem de vantagem sobre os demais, afinal Lula consegue pontuar muito bem sem qualquer necessidade de aliança à direita. Do outro lado vemos Bolsonaro aumentando sua rejeição, Moro seguindo seu rumo em direção à espantalho da mídia golpista e grupos lavatistas que insistem em uma solução punitivista como meio de sanar o projeto de país desigual, outros até supõe que essa perspectiva punitivista é passo para uma revolução. Nesse contexto até Ciro teve que recuar de suas posições lavajatistas, justamente por ter sido alvo de uma ação de cunho semelhante, desestimulando alguns dos seus entusiastas na esquerda que vê salvações em juízes. Poderíamos ir além. O ano poderia se encerrar com a esquerda discutindo novos contornos de unidade, nas ruas e sínteses eleitorais que se avizinham. Afinal, são muitos detalhes, federações, Fundo Eleitoral, pesquisa, programa. Para tal, era necessário levar a sério os contornos da chamada de Frente de Esquerda. Levar a sério a importância da unidade para derrotar Bolsonaro e começar um ciclo de um novo projeto. Afinal durante esse ano vimos Lula e dirigentes do PT circulando em algumas capitais, chamando debates com bases sociais importante em várias cidades do país, com partidos da esquerda e convencendo setores da necessidade política da unidade social contra o Bolsonarismo. 

Mas talvez seria sonhar demais? Afinal socialistas precisam esperançar. Mas não. A esquerda passará as festas de fim de ano com um presente amargo. Ao invés de buscar as sínteses para um ano decisivo, ficaremos discutindo se é correto ou não o convite para Alckmin ser o candidato a vice presidente na chapa de Lula. Isto, por si só, já é uma derrota grande neste processo. Poderíamos estar avançando em diversos processos, mas estamos retrocedendo e divergindo. 

Para justificar tal escolha, alguns setores ávidos pelo fim do bolsonarismo estão entrando numa lógica adesista, do topa tudo. A fórmula que levou ao golpe da Dilma, aos enfraquecimentos e cooptação dos movimentos sociais vai se repetir com um grande plus. Vemos infelizmente grandes quadros políticos da esquerda justificando esse programa pela sua necessidade pragmática, voltamos a famosa REALPOLITK. Há ainda quem vê o incomodo dessa união tucana como peculiaridade, um mero capricho da esquerda, enquanto o “povo não quer saber”, afinal uma foto de garçons com o Lula inibe e justifica qualquer aliança com a direita. 

Afinal, todo legado atroz do Alckmin não incomoda, segundo Márcio França e até o Haddad, apontado como grande articulador dessa estratégia REALPOLITK, é justamente esse histórico tucano alquimista que se busca e se deseja. Sendo assim, ao não construir uma Frente de Esquerda efetiva, como apontava em debates com jovens da quebrada do Rio e São Paulo,  o PT e Lula optam frustrar a tentativa de aliança à esquerda e romper a unidade que vinha se desenhando. Mesmo que ao final saiamos juntos, aos trancos e barrancos, as cicatrizes deste debate ficarão e dificultarão a condução de um governo que deveria ser de resgate aos direitos.

Mas, além de dividir a esquerda, o convite para Alckmin ajudou a organizar a direita. Ao menos em SP. Alckmin é o principal favorito ao governo do Estado, sem sombra de dúvidas. Mas estava isolado pela força do Dória no PSDB e não teria apoio estrutura do Tucanistão. Precisaria sair e buscar abrigo em outro partido da direita para se viabilizar, gerando atritos internos. Era mais fácil a unidade de França, Boulos e Haddad para enfrentá-lo do que este movimento. Mas, mais que isto, de escanteado no PSDB, Alckmin se torna todo poderoso junto a esquerda, podendo escolher entre governo e vice, e impondo suas condições para qualquer dos dois cargos.  

E, ao falar de condições, entramos em outro elemento do debate. Qual programa será apresentado com Alckmin? Ao discutir uma aliança com argumento como: “vale tudo para derrotar o Bolsonaro”, “Alckmin é um tucano que gosta de pobre”, dentre outros discursos que não aprofundam mais elementos e tentam impor a força esta unidade, o PT reproduz à máxima aquela política que levou ao golpe: vale tudo, do rebaixamento de programa, às alianças e ao financiamento espúrios para se mostrar conciliador, para oferecer, de graça, à burguesia brasileira, um pedaço importante na gestão do Estado. E não é qualquer pedaço. É a garantia de que rupturas fundamentais não serão realizadas. Será um governo melhor que Bolsonaro e Temer? Sem sobra de dúvidas. Mas isto não é mérito. É obrigação. Até Dória e, pasmem, Moro podem fazer. 

No momento em que se faz memória dos 10 nos do terrível massacre do Pinheirinho, em São José dos Campos, pelo Governo Alckmin, a tarefa da esquerda comprometida com a transformação social não é fácil. Defendemos a unidade rompida por ora pelo convite para Alckmin de vice. Vários movimentos indicam que praticamente nenhum setor progressista será sequer ouvido a esse respeito. Temos a responsabilidade de derrotar Bolsonaro no primeiro turno. Mas, desde já, é necessário adicionar à esperança por um novo ciclo no país, o presente amargo recebido neste Natal, digeri-lo e se preparar para seguir a bem esquerda do futuro governo possa ser eleito, lutando pela efetivação de direitos e pela preservação da natureza e dos bens comuns.

Nós socialistas temos nossos jargões e mantras, principalmente para justificar muitas derrotas e almejarmos que nossa esperança não se vá entre os dedos como água, mas antes que nunca é preciso insistir em nossa tarefa histórica para esse momento em que vivemos, não porque é a única saída sugerida pelo petismo, mas porque derrotar o fascismo é nossa condição fundamental para termos base para sonhar num futuro ecossocialista. Entretanto a que custas toparemos desesperadamente continuar ter esperança, nossa saída é ceder a direita num governo de retomada democrática? Tudo que vivemos e aprendemos nos últimos 20 anos de nada serviu? No próximo golpe Lula voltará para repactuar as classes? Em síntese, continuaremos a debater a necessidade dessa frente ou vamos caminhar só?

O futuro da esquerda radical está no enfrentamento e derrota do bolsonarismo como primeiro objetivo em 2022, mas não está em ceder sobre nossos sonhos do poder popular do futuro ecossocialista após isso. A nossa semente germinou, mas o lugar ao sol será tomado e não cedido seja por Alckmin ou por Lula.