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Movimentos negro e periférico devolvem oposição às ruas

"Ganhamos a rua dos bolsonaristas", avalia Simone Nascimento, oradora no ato de SP

12 de junho de 2020

Contra o vento e a maré, atos públicos antirracistas e antifascistas – pela vida e contra Bolsonaro – aconteceram em 20 cidades capitais estaduais e muitos outros municípios, no domingo 7 de junho. Várias cidades médias, como Campinas, Rio Claro, Blumenau e Joinville, São José dos Campos, também tiveram mobilizações.

 

Assim, apesar da limitação dos atos devido à pandemia, o domingo passado pode ter marcado uma importante “virada de chave” na situação nacional. “Nós mostramos, com todos os cuidados sanitários, que as ruas também são nossas”, avalia Simone Nascimento, do Movimento Negro Unificado em São Paulo e militante da Insurgência. “Ganhamos essa batalha do bolsonarismo”.

O justo temor do contágio e, principalmente, de possíveis acusações, de parte do governo, de que a esquerda estaria agora desobedecendo o distanciamento social, impuseram muito debate na oposição ampla a Bolsonaro e mesmo no interior dos movimentos sociais - o que é, além de legítimo, absolutamente explicável nessa conjuntura inusitada.

 

Partidos de oposição como PSB, Rede e PV fizeram apelos apaixonados para que ninguém fosse à rua. PDT e PcdoB se dividiram na questão. O PT, por seu lado, legitimou os atos em cima da hora, o que não contribuiu em nada, dado ao atraso, para convocação. (Com algumas figuras importantes, como Jacques Wagner, abertamente contra as mobilizações). O problema mais sério foi a argumentação de alguns desses opositores aos atos: para eles, poderiam “provocar” um contra-ataque da ulltradireita, facilitando a sanha golpista dos bolsonarismo. O resultado dos atos de domingo, no entanto, desmentiram essa possibilidade.

 

Além das dúvidas e debates genuínos, os que queriam ou não viam outra alternativa senão se manifestar tiveram, como usual nos últimos anos, enfrentar o fortíssimo aparato repressivo das polícias militares. Mas prevaleceu a força e disposição de luta dos movimentos negro e periféricos, instigados pela situação de calamidade sanitária nas favelas e bairros pobres, pela revolta contra incursões policiais, e também pelo exemplo da explosão antirracista nos EUA que se espalha pelo mundo.

 

Os dois maiores atos foram o de Brasília e o de São Paulo. Na capital federal, o ato teve o simbolismo de substituir em grande e numeroso estilo, na Esplanada, os já tradicionais atos antidemocráticos de apoiadores de Bolsonaro. Para chegar ao ato vitorioso que aconteceu – ainda de vanguarda –, os movimentos trabalharam ao longo dos últimos 14 dias, para se contrapor ao acampamento dos 300, grupo neofascista de Sara Winter. Mulheres, LGBTQI+, negras e negros fizeram intervenções em diferentes pontos da cidade.

 

O de São Paulo, à tarde, foi realizado longe da Avenida Paulista por determinação judicial. Tanto em SP quanto no DF, o que se viu foi uma aliança na prática entre coletivos e entidades de negras e negros, de trabalhadores precários, torcidas organizadas e grupos antifascistas. Organizado pela Frente Povo Sem Medo e torcidas dos principais times, o ato paulistano contou ainda com a Frente de Advogados Negros, muitos representantes dos trabalhadores da saúde e uma verdadeira ala dos rappers: Mano Brown, Taíde, Dexter, Big da Godoi e Negredo, entre outros.

No Rio de Janeiro, apesar da fortíssima “repressão preventiva” da PM – que já prendia em estações do metrô da Zona Sul que estivesse “com cara” de ir à manifestação - a passeata do domingo saiu e marchou pacífica, corajosa, pela Avenida Presidente Vargas, com uma linha de frente de advogados negros, exigindo respeito ao direito constitucional. Os manifestantes exigiram justiça para João Pedro, Miguel, Marielle e tantas outras vítimas fatais da brutalidade do Estado racista.

 

Apesar de ter havido presença policial ostensiva por todo o país, o destaque negativo do domingo cabe, infelizmente, ao governo estadual do Ceará, onde o petista Camilo Santana ordenou que a polícia não permitisse sequer a realização de uma concentração.

“Começa a haver uma compreensão generalizada de que as bandeiras contra o racismo são centrais, não contraditórias com a luta pela democracia e contra Bolsonaro”, interpreta Simone. A partir dessa articulação entre movimentos negro, torcidas organizadas, movimentos sociais, periféricos, de trabalhadores formais e informais, é possível fazer surgir, via ampliação, um majoritário movimento contra Bolsonaro e seu neofascismo.

No próximo domingo manifestações devem voltar acontecer em diversas cidades do Brasil.