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Narrativa da "ida ao centro" não explica resultado eleitoral

Ainda que extrema direita tenha sido derrotada e o centro extremo siga como maior força a governar as cidades, saem fortalecidos os partidos de direita que hoje dão sustentação fisiológica ao governo Bolsonaro no Congresso e o partido mais à esquerda na oposição.

3 de dezembro de 2020

Eduardo D'Albergaria

Finalmente a queda livre para o inferno chegou ao fim” Alexandra Ocasio-Cortez, deputada socialista norte-americana, ao comentar a vitória de Joe Biden nas eleições.

Além do isolamento internacional, com a derrota de Trump, Bolsonaro andou recebendo outras noticias desagradáveis: dos 59 nomes referendados por ele em suas “Lives Eleitorais Gratuitas” somente 13 foram eleitos, dois prefeitos do interior e 11 vereadores. No segundo turno, os três apoiados por Bolsonaro – Crivela (Rio), Capitão Wagner (Fortaleza) e Delegado Eguchi (Belém) - também foram derrotados.

Os dois partidos que um dia foram a base original do governo Bolsonaro (PSL e Novo), e que recentemente se fracionaram entre apoiadores e opositores do presidente, tiveram desempenho pífio. O PSL, apesar de ter nas mãos o segundo maior fundo eleitoral das eleições, foi o 12º em votos recebidos para seus candidatos a prefeito/a.

O Novo, mesmo governando um estado, Minas Gerais, teve votações residuais para prefeito e só ganhou em Joinville. Elegeram apenas 29 vereadores, um resultado razoável para um partido ideológico recentemente fundado, mas insuficiente para disputar com o bolsonarismo a hegemonia na direita.

Por outro lado, saiu fortalecido o conjunto de partidos que hoje dão sustentação fisiológica ao governo Bolsonaro no Congresso, o Centrão liderado por Arthur Lira (PP) - que sonha em ser o novo presidente da Câmara dos Deputados, com a benção do bolsonarismo. Esse bloco de partidos, junto com o Republicanos (onde estão dois dos filhos parlamentares do presidente), PSC e PRTB (partido do vice-presidente) ampliaram sua votação no primeiro turno de 31 para 43 milhões de votos, e aumentaram a população a ser governada de 46 para 68 milhões de brasileiros.

Já no bloco de partidos que a mídia empresarial rebatizou de “centro” somente o DEM ampliou a votação em primeiro turno – de 5 para 8 milhões de votos – e a população governada de 11 para 24 milhões de brasileiros.

O MDB e o PSDB, embora sigam no pódio dos partidos mais fortes, foram os que mais se enfraqueceram nessa eleição. O PSDB será o partido que mais governará brasileiros (34 milhões), mas um resultado muito inferior ao de quatro anos atrás (48 milhões de brasileiros). O MDB segue como o partido mais votado no 1º turno das eleições, com 10,9 milhões de votos recebidos, mas muito menos do que há quatro anos, quando recebeu 15 milhões de votos. Ambos os partidos perderam em número de prefeituras e vereadores eleitos.

É verdade que o "extremo centro" (DEM-PSDB-MDB) – próximos da agenda ultraneoliberal de Guedes, mas mais independentes ao Bolsonarismo – continua sendo o bloco político mais forte do Brasil, mas é a segunda eleição seguida em que perde espaço.

Reconfiguração da oposição

A narrativa midiática de “ida ao centro” também não explica o resultado da oposição ao bolsonarismo. Os partidos mais centristas desse campo político, o PSB e o PDT, foram os que mais se enfraqueceram. Perderam 5 milhões de votos no 1º turno – de 16 foram para 11 milhões – e diminuíram significativamente a fatia da população que governarão: de 30 para 20 milhões de brasileiros. E, ainda que tenham vencido em Recife, saíram muito desgastados no conjunto da esquerda pela campanha obscura operada no segundo turno contra Marília Arraes, candidata do PT, e pela aposta fracassada no Rio de Janeiro, em que fragmentaram a esquerda, sob argumento de uma suposta viabilidade eleitoral da delegada Martha Rocha, e não conseguiram sequer chegar ao segundo turno.

Importante destacar também que a cláusula de barreira ameaçará a sobrevivência de dois dos partidos da oposição: Rede e PC do B. Entre os 14 partidos com menor número de vereadores do Brasil, à exceção do PSOL e do Novo, todos os demais tiveram - com o fim da coligação proporcional - perdas de cadeiras acima de 20% (porcentagem que chegou a 79% no caso do PMB). O PC do B reduziu à metade os vereadores eleitos, de 1121 para 695, e reduziu a população a ser governada de 2,5 milhões para 1 milhão. Tendo resultado expressivo somente em São Luiz (com 10,58%) e Porto Alegre (com 45% dos votos no segundo turno).

Já o PT, anunciado como grande perdedor pela mídia empresarial, embora tenha reduzido o numero de prefeituras, na verdade conseguiu manter a votação majoritária recebida no primeiro turno (6,8 milhões em 2016 e 7 milhões em 2020) e o número de cidadãos governados pela sigla, seis milhões. Ainda que se possa questionar o resultado a partir do fato que o partido teve em mãos o maior fundo eleitoral de todos e de que antes de 2016 o PT governava mais cidades e pessoas.

No campo da oposição, foi justamente o partido mais à esquerda que se fortaleceu: o PSOL conseguiu eleger Edmilson em Belém e ter uma campanha histórica à prefeitura de São Paulo, chegando a 41% dos votos e sendo o mais votado em oito zonas eleitorais da periferia. O partido foi o mais votado da esquerda em cidades importantes como Florianópolis e Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, o partido conseguiu vencer o duplo desafio de apresentar uma candidatura nova, que encarnasse setores historicamente excluídos, e também ampliar a já expressiva bancada de vereadores (de 6 para 7), demonstrando que o PSOL segue como o partido de esquerda mais forte na cidade. Em todo o Brasil, o partido ampliou em 50% o número de vereadores eleitas/os (em muitas cidades com a candidatura mais votada), chegando a 88 cadeiras, se fazendo presente em metade das capitais e em 36 das 96 maiores cidades do Brasil.

E o perfil das candidaturas vitoriosas no partido foi justamente o que mais diferenciou o PSOL da política tradicional do dito “centro” brasileiro. Dos 33 mandatos eleitos pelo PSOL nas capitais, 17 são de mulheres; 13 de pessoas negras; 5 mandatos coletivos, além das duas primeiras vereadoras trans em capitais brasileiras (junto com Duda Salabert em BH). Mesmo na maioria dos municípios médios, em que o partido não conseguiu eleger vereador, a candidatura mais votada (algumas vezes muito mais votada) também teve esse perfil de candidaturas coletivas e de mulheres. Dando uma indicação de por onde o partido deve ampliar seu enraizamento nos próximos anos.

Esse perfil de crescimento do PSOL é indicativo de que, a despeito da votação do Centrão, a crise de representatividade e o desgaste da política tradicional seguem presentes para uma parte da população que está pedindo novas formas de fazer política.

Outra ideia que ganha força no eleitorado progressista é a da necessidade da unidade da esquerda. Essa posição se tornou mais evidente com o resultado no Rio de Janeiro, já que a dispersão possibilitou que só a direita estivesse representada no segundo turno. No interior do PSOL, os setores que foram contra a possibilidade de alianças com os demais partidos da oposição saíram derrotados. Como dois vereadores do Rio não reeleitos depois de protestarem publicamente contra a possibilidade de alianças mais amplas no município.

No segundo turno (à exceção de Recife), se conseguiu avançar na convergência da oposição, com destaque para São Paulo, em que Boulos recebeu o apoio de Marina, Lula, Ciro e Flavio Dino.

O recado das urnas em 2020 é de a que a oposição unificada é competitiva. E que na esquerda quem cresceu e se fortaleceu foi quem fez menos alianças com o Centrão, quem se apresentou com a forma mais diferenciada da política tradicional, com novas cores, novos corpos e práticas mais coletivas.