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Notas marginais, por Herbert Daniel

Excerto do ensaio “Anjos do Sexo” de 1983.

8 de janeiro de 2021

Poder-se-ia escrever, como já é um hábito comum, uma história da homossexualidade que começasse numa infância feliz, ingênua e pagã da humanidade, de “sexo natural”, onde os homossexuais tinham relativa liberdade. Esta pacífica manhã resvalaria no crepúsculo medieval, sob o manto judaico-cristão (“com varão não te deitarás, abominável é”, escrevia Moisés, que só escrevia para os homens.)

Sob a espada dos severos anjos de Sodoma, conheceram a fogueira inquisitorial sodomitas e bruxas zoófila, cabras e bodes.

O capitalismo não viria melhorar a vida de bichos e bichas. Pelo contrário. De sujeito do direito canônico à questão médico-legal, o crime, que encontrara a sua asserção na fé, passa a ter sua verificação na ciência. A fé não depõe as suas armas e a ciência vem ombreá-la no mesmo combate. A psiquiatria revalida a moral, a razão ilumina a revelação bíblica. Do segredo do consultório partia a fundamentação da Lei e a justificação da ação policial.

Juntos, médicos, padre, juiz e policial concertavam uma repressão sem tréguas, que impunha a ordem sexual burguesa, racional, autoritária. O homossexual é dissecado, pesado e medido, sistematizado num conjunto de perversões. A sexualidade era modelada, estátua familiar sagrada, com o cisel da terapêutica e o martelo da justiça.

A repressão aumenta, aperfeiçoa-se, numa história que vai da medicina à política. Como o resto da sexualidade, a homossexualidade, a partir de uma época relativamente recente, torna-se cuidado da revolução. E a repressão toma novas formas, nas promessas de paraísos sociais do gozo perfeito, onde o homossexualismo se extirpa (se se considera que é um vício da decadência) ou terá direitos à cidadania, como minoria social, “integrada”, “aceita”.

Nossa história esbarra numa enorme dificuldade: saber do estamos, além da descrição da repressão. O que é o objeto dessa repressão? Que “homossexualidade” é essa? Uma entidade própria da sexualidade, que atravessaria as épocas, como qualidade inata de certos indivíduos? O que mudaria seriam apenas as formas da repressão e daí as “manifestações” dessa entidade material?

Ressalta imediatamente nesta perseguição histórica que a repressão se dirige diferentemente a objetos diferentes.

A não ser que se suponha uma homossexualidade, supra histórica, que não se “revelaria” em sua “verdade própria” por causa das formas da repressão, não encontraríamos um “fio explicativo” na nossa história acima. Hipótese facilmente descartável.

Primeiro, porque considerar que a homossexualidade (ou a sexualidade em geral) tenha uma “verdade” especial que a consciência só revela no avanço da ciência é inventar uma “verdade física” (corporal), acima da história, escondida nas trevas da ignorância, esperando as luzes do saber.

Segundo, porque não é a maior ou menor repressão que define o aparecimento e desenvolvimento da “minoria homossexual”. Sociedade onde não há repressão ao homossexualismo, como é o caso da Grécia clássica ou de certas sociedades “primitivas”, deveriam ver o aparecimento de uma ou várias organizações sociais homossexuais. E isto não acontece. Embora não haja interdições neste sentido, não se diferencia um comportamento específico e/ou exclusivamente homossexual, mas o desejo e o ato homossexual aparecem “dissolvidos” e integrados no conjunto da sexualidade. Há diferenças sexuais nítidas e estruturas sociais próprias, separando homens e mulheres, mas nenhuma evidência de regulamentação de “minorias”. Para outras qualidades, como as diferenças de idade, existem sempre organizações ou estruturas sociais que as regulamentam e integram. Por que não os homossexuais, se fossem uma diferença sexual? A tolerância às minorias faria dissolver a diferença? Neste caso, evidencia-se que a homossexualidade não é uma qualificação de certos indivíduos (como o é a diferença de idade). Não sendo um comportamento sexual que caracterize alguns indivíduos, é, em certas sociedades, uma variante socialmente definida dos seres humanos.

Esta é uma primeira hipótese a ser guardada: a homossexualidade não pode ser considerada uma “diferença sexual” (uma qualidade sexual), mas é fundamentalmente uma diferença social, uma variante do comportamento sexual, estabelecida como critério para definir uma categoria social (o homossexual).

Mas, ainda assim, outras dificuldades permanecem na nossa história da repressão. Como explicar que é sob o capitalismo, exatamente, que a “diferença sexual” se cristaliza, fazendo emergir uma “minoria” onde a homossexualidade vai erigir-se num estatuto?

Seria a repressão mais eficaz, mais violenta, noutras sociedades? Os fatos dizem que não. Sob o capitalismo a repressão não só é mais estendida, como mais específica e instrumentalizada. E isto nos mostra uma curiosa contradição. A violenta e implacável perseguição não apenas se mostra absolutamente inútil, como resulta em objetivos opostos. Especialista em genocídios, em violentações ecológicas monstruosas, o capitalismo não consegue esmagar o desejo homossexual. E ainda: não consegue impedir a constituição de uma categoria social organizada. Pior, o homossexual deixa de ser uma das formas de desejo, para ser um grupamento a ser preservado.

Essa “contradição” nos obriga a levantar outra hipótese. A repressão não aparece e se desenvolve para oprimir uma casta. A ação do poder consiste exatamente em definir uma raça. Isto é, postula os direitos a serem reivindicados pela minoria, na medida em que inventa, determina, institucionaliza um setor homogêneo. A criação do grupo ou gueto não decorre de diferenças preexistentes nos indivíduos, que o poder regula e controla. No caso de homossexuais é a própria criação da diferença que é a esfera de ação própria do poder.

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A terminologia técnica – homossexual, homossexualismo, homossexualidade – constitui-se de ambiguidades. As palavras foram postas em curso pela psiquiatria nos meados do século XIX, junto a outras (homofilia, inversão, hermafroditismo psíquicos, etc.). Nunca se encontrou, porém, um termo que não levantasse objeções. Muitas designações, para indicar alguma coisa que permanecia obscura. Sempre sobram palavras, quando estão ausentes as ideias, Marx já acentuou.

A terminologia caracteriza, principalmente, um ato sexual. O ato não nos informa diretamente a estrutura de um “desejo homossexual”. Entretanto, quando se diz “homossexualidade” – seja: certa “composição” da sexualidade – definimos o desejo a partir do ato ou relação sexual. As imprecisões são flagrantes:

a) O objeto do desejo não é sempre o objeto de realização do ato. Por exemplo, tanto a masturbação, como zoofilia, ou homossexualidade podem ser variantes ou substitutivos de um ato genital e “heterossexual”. No caso da masturbação obrigatória do adolescente, da zoofilia do tropeiro com a sua mula, do homossexualismo nas prisões existe uma substituição do objeto erótico ausente. Mas nem sempre é a substituição que leva ao ato.

b) Ao definir a homossexualidade como relação sexual entre indivíduos do “mesmo sexo”, estabelece-se, de fato, uma definição extremamente precária do sexo (considerando igual à zona erógena, genitalidade). É evidente que na relação genital heterossexual pode-se encontrar a impulsão que leva o indivíduo a buscar o seu HOMOSSEXO no parceiro (por exemplo, o homem que busca na mulher um outro “homem” enquanto papel a ser desempenhado na relação).

c) Pode ser perigosamente mecânico definir o desejo a partir do objeto, ou da forma de realização do ato. Isto pode levar a fazer do desejo uma espécie de interpretação psíquica da necessidade. E confundir a satisfação da necessidade com a satisfação do desejo. Assim como a água satisfaz a sede, o ato homossexual satisfaria a homossexualidade. Como se pode encontrar as explicações fisiológicas da sede, encontra-se a razão fisiológica (médica) da homossexualidade.

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Aceitando a homossexualidade como qualidade das “relações sexuais entre dois indivíduos do mesmo sexo”, podemos generalizar de forma ampla, concluindo naturalmente que todas as relações “entre indivíduos do mesmo sexo são homossexuais”, em maior ou menor grau. Como explicação, isto não nos leva muito longe. A não ser concluir que todas as relações entre indivíduos têm um nítido conteúdo sexual. O que é apenas uma passável banalidade.

O desejo homossexual, o desejo que tem por objeto um indivíduo de mesma conformação corporal, é uma presença constante na sexualidade. Se caracterizarmos a sexualidade como um processo, a homossexualidade corresponde a momentos desse processo, mas não é nem o específico, nem um modo dele.

O desejo homossexual (tanto quanto o desejo heterossexual) não caracteriza nem o conjunto do desejo, nem uma “entidade” do desejo. Nem caracteriza uma estrutura do indivíduo, nem qualidade imanente dessa pessoa.

Se falarmos agora da forma como é vivido sob a civilização capitalista vemos um desejo homossexual ser transformado num modo da sexualidade.

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Pode-se dizer que “ser homossexual” é uma opção. Tanto quanto ser “heterossexual” ou “homossexual”.

Como compreender essa opção homossexual?

Uma opção é um ato de vontade: “ser homossexual” é um ato de vontade. O que não significa que um homossexual tenha “escolhas” entre desejar ou não. Neste ato de vontade homossexual não há nada de “livre arbítrio”, de vontade nascida duma consciência.

Primeiro, essa “vontade” é determinada por uma história pessoal, um desenvolvimento particular do indivíduo. A homossexualidade resulta do jogo de forças que o próprio indivíduo não controla, que não dependem da sua consciência, nem da sua vontade consciente – que entra nesta história como uma das forças em jogo, mas não a força determinante. Da mesma forma como, noutros, se apresenta a heterossexualidade.

Será sempre um ato de vontade que fará o indivíduo viver de diversas maneiras o seu desejo. Sua consciência se desenvolve segundo opções sucessivas que lhe serão apresentadas.

Cada uma solucionada de forma própria as questões da sua sexualidade. O desejo homossexual não se apresenta como coisa, objeto exterior ao indivíduo e à sua história pessoal: ele é criado e desenvolvido num jogo de conflitos que inventam, que postulam e estimulam esse desejo. Esta é a esfera de ação do poder.

Não é uma ação linear. Como movimento contraditório, apresenta rupturas, brechas, instantes. Pode ser contraposta pela ação duma consciência (política). O indivíduo não é meramente um jogueta nas mãos do poder: o que lhe permite escapar de um jogo cego (um destino) onde a história se escreve fora e acima do indivíduo.

O desejo homossexual apresenta, para cada um, um enigma: na sua história pessoal ele será resolvido segundo opções mais ou menos conscientes. Estas opções envolvem uma definição diante dos mecanismos do poder: são, de fato, opções políticas.

Durante a vida inteira a sexualidade imporá opções políticas ao indivíduo. Opções que podem levá-lo a viver de forma mais ou menos conflituosa os vários instantes da sexualidade.

Entre o desejo (campo das ações – repressivas, mas não só – do poder) e a vontade (campo de opções – conscientes, mas não só) há todo um mecanismo político que caracteriza o que se chamará homossexualidade. UM PROBLEMA POLÍTICO.

Nesta política (da perversão em geral) vive-se um labirinto. Escapar da dialética própria do poder é uma questão não só de política, mas de política revolucionária. Porque entre as inúmeras opções possíveis não se exclui, de forma nenhuma, opções reacionárias, sob formas de rebeldias marginalizantes.

Ser homossexual não se limita aos campos do poder. Inscreve-se também no querer. Isto nos leva a uma abordagem simples, porém globalizante: a homossexualidade é uma forma de viver o desejo em geral.

A homossexualidade não se fecha numa definição, nem mesmo pode ser reconhecida como objeto definível. É simplesmente uma forma de viver a sexualidade.

Portanto, só há uma “definição” possível: homossexual é quem se define como tal. Inevitavelmente só esta autodefinição poderá englobar todas as questões que levanta a homossexualidade: o fato de estar inscrita numa história pessoal, que implica própria idealização do indivíduo de si mesmo, por um lado, e as tensões sociais que estão presentes, por outro lado. Só este critério permite situar as complexas relações políticas envolvidas entre o desejo e a vontade homossexual. Só assim se especifica e se determina a opção.

Por ser um critério autocentrado, nem por isto é um critério subjetivo. Porque a homossexualidade, enquanto desejo e vontade, é objetiva, isto é, real. É exatamente a autodefinição que expressa essa realidade, permitindo determinar os conflitos da sexualidade, as adequações da opção no quadro desses conflitos, etc., sem querer descrever um “modelo”, uma “coisa-homossexualidade”, contra a qual se chocaria à vontade (moral) individual.

Daí que não interessa nenhuma “explicação” e nem nunca poderá haver uma “explicação” para a homossexualidade. Simplesmente não é possível “explicá-la”. É preciso vivê-la.

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Constatando que a homossexualidade “não é explicável” estamos afirmando que qualquer “teorização” sobre a sexualidade é uma forma de vivê-la. Sempre será muito mais do que uma “análise”: será uma postura.

O que é então o preconceito? Será fundamentalmente uma forma preconceituosa de viver a própria homossexualidade.

Essa forma conflituosa não apresenta apenas problemas individuais. Ela corresponde, em sua essência, a uma posição política profundamente reacionária: uma aceitação da sexualidade burguesa que implica uma aceitação (ou supervalorização) do caráter repressivo e autoritário característico. Quando este preconceito toma a forma de um discurso “de esquerda”, apresenta-se como uma veiculação do totalitarismo, usando a terminologia da revolução para esvaziar todas as revoluções.

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O mais importante é que a questão seja apresentada de tal forma que todos, todos nós, nos víssemos diante da nossa própria (homo)sexualidade, dos nossos preconceitos. Em primeiro lugar, o sexo não é uma discussão abstrata, mas uma discussão política, pois implica uma certa visão de nós mesmos e do mundo. Em segundo lugar, o contra preconceito, como forma de viver a própria homossexualidade, torna-se mais agressivo quanto maior é o medo do próprio sexo. Em terceiro lugar, além do preconceito e do contrapreconceito, há o preconceito de ter preconceito: o que faz com que a maioria das pessoas, que imaginam terem superado os preconceitos, acredite que saiba tudo sobre a homossexualidade e tenda a “aceitar” o homossexual (alheio).

Para mim, justificar, aceitar, explicar, recusar ou abominar a homossexualidade é o problema de quem justifica, aceita, recusa, abomina, etc. São atitude, no fundo, idênticas, pois se toma uma posição em relação a alguma coisa – a homossexualidade– exterior a si mesmo. Qualquer dessas posturas diante da homossexualidade faz do homossexual um ente diferente, uma pessoa à parte no grupo humano, faz dos homossexuais uma “minoria”.

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Ora, a questão é certamente esta: a repressão ao homossexualismo, sob o capitalismo, consiste em fazer dos homossexuais uma minoria dentro da sociedade, um grupo fechado dentro de um gueto. Explico melhor isto:

+ a homossexualidade, enquanto “pulsão homossexual”, certa pulsão que dirige o desejo sexual para alguém supostamente do mesmo sexo, existe em todos os seres humanos indistintamente, em todas as épocas históricas, em todos os momentos da vida sexual de uma pessoa;

+ cada sociedade trata diferentemente as várias pulsões sexuais, levando de uma forma ou de outra à constituição de uma sexualidade considerada “normal” (padrão), reprimindo ou “adaptando” as outras pulsões sexuais da forma mais conveniente àquele meio social;

+ a minoria homossexual é uma invenção capitalista. Invenção porque nunca houvera, em qualquer sociedade repressora, um grupo social que se distinguisse por esta peculiaridade do comportamento. O homossexual – uma pessoa que se define enquanto certo padrão social específico – nunca existiu. Noutras sociedades, existia, sodomia, atos “contranatura”, atos sexuais variantes, atitudes diversas de pessoas que não tinham nenhuma “especialização sexual”, que poderiam (ou não) ser punidas, segundo as normas morais vigentes. A repressão não se dirigia a um grupo, nem a alguns seres especiais, mas duma forma generalizada condenava um ato possível de ser realizado por todos, indistintamente;

+ a minoria é invenção própria do capitalismo, na repressão que ele exerce sobre a sexualidade de todos. O capitalismo é mais sofisticado, é claro. Não reprime um ato. Força o responsável pelo ato a se tornar um ator completo. Já não é mais um mero criminoso, mas uma entidade completa, um ser humano diferente de todos os outros, que tem uma fisiologia, uma psicologia e uma realidade humana diferente do normal. Assim, ao querer que o homossexual seja esse “diferente”, forja, através do complexo mecanismo social de modelação sexual, o “homossexual” enquanto uma diferença social, uma verdadeira subcultura;

+ a “maioria normal” é aquela que consegue abafar o seu desejo homossexual, que consegue, de um modo qualquer, realizar suas pulsões homossexuais sublimando-as, recalcando-as, ou fazendo delas o que chamamos de “preconceito”: o ódio contra o homossexual – que acredita que é alguma coisa fora de si mesmo, diferente de si mesmo. O ódio contra o homossexual “que existe externamente” origina-se do ódio contra certos aspectos da própria sexualidade;

+ o capitalismo não inventa a pulsão homossexual, mas torna o que é característica de todos em característica de um grupo, através duma repressão que violenta todos nós, indistintamente. Assim, a violência contra todos se localiza sob a forma da repressão contra um grupo – minoritário – de “anormais”.

***

A repressão sexual que todos sofremos obriga aqueles que pretendem, por várias razões, realizar atos homossexuais, a se tornarem “especiais”, a se tornarem “completamente” homossexuais, uma minoria de diferentes.

A diferença homossexual não preexiste à opressão, mas o que esta faz é exatamente criar, cristalizar essa diferença. A repressão que atinge tutti quanti é incorporada em alguns que são isolados, como “exemplo” para outros.

A existência da “minoria homossexual” não é apenas a forma da repressão, mas o próprio conteúdo da repressão. Não é por serem oprimidos que os homossexuais se tornam uma minoria. Eles se tornam homossexuais por serem inventados, moldados, enquanto minoria.

***

É preciso entender que a ação do poder político é mais profunda e mais unificada do que a simples repressão pela recusa e negação duma “sexualidade padrão”. Antes da repressão (negação), é preciso falar da ação de modelação do poder, da forma como socialmente somos obrigados a cumprir certos papéis, servindo nós mesmos de instrumentos do poder.

Não se pode dizer que isso seja uma questão politicamente secundária. A liberdade – inclusive a liberdade sexual – não é nunca uma questão “menor”. E nunca poderemos falar verdadeiramente em liberdade enquanto não soubermos de todas as pedras dos murros onde estamos aprisionados.

(...)

Só para terminar, nesta seção, uma palavra sobre a Esquerda, esta gente à qual pertenço. Para a esquerda, a questão a homossexualidade não deve ser a de um grupo que possa ser contado como força política organizada (e isolável) na luta pelo socialismo (libertário, democrático e ecológico - como define bem o Liszt Vieira). O problema, no seu fundo mesmo, é compreender a ação do poder, para melhor combatê-lo. A homossexualidade - enquanto objeto da repressão - é uma questão inerente à discussão do sujeito revolucionário, que não é (já se provou) aquela classe operária abstrata, assexuada, bem-comportada, higiênica e sanitária.

Ao falar da sexualidade, enquanto homossexual, não se faz uma tentativa de introduzir um discurso homossexual na esquerda, mas UMA CRÍTICA AO DISCURSO HOMOSSEXUAL QUE A ESQUERDA TEM.

E ela tem um. Muito afiado. Seja o silêncio, seja a compreensão do tipo “tirar o corpo fora".

Numa revolução não se tira o copo fora. A revolução é Pura Tesão. O resto é silêncio e uma vida que se leva morrendo até uma morte-susto que não se vive.

A chamada democracia liberal tem a perniciosa mania de parar na porta da fábrica. Nenhuma democracia pode parar aí, e nem na beirada da cama proibida.

Deixemos que os anjos do sexo ganhem as ruas da Terra, que queremos como toda, como nua.

* Herbert Daniel (1946 – 1992) ingressou na militância de oposição ao Regime Militar no Brasil em 1967 na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), participando depois do Comando de Libertação Nacional (Colina) e, por último, da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Acompanhou também a criação do foco guerrilheiro do Vale do Ribeiro, em 1969, e participou em 1970 dos sequestros do embaixador alemão da Vanguarda von Halleben e do suíço Giovanni Bucher. Sendo um dos militantes mais procurados pela força repressiva no Brasil, exilou-se na Europa em 1974. Não foi anistiado pela lei nº 6.683 de 1979, a Lei da Anistia, e só retorna ao Brasil em 1981 após a prescrição de suas acusações. Desde 1983 passou a escrever sobre a epidemia de HIV/Aids no Brasil. Foi um dos fundadores o Coletivo Triângulo Rosa no RJ e em 1986 foi Candidato a Deputado Estadual no Rio de Janeiro pelo PT/PV. Descobriu que estava com HIV em 1983 e nesse ano fundou o primeiro coletivo de luta pelos direitos de pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil, Pela Vida. Faleceu em 1992.