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Nuclear não é um meio prático de lutar contra mudanças climáticas

23 de janeiro de 2022

Declaração de ex-dirigentes de organismos responsáveis pela segurança nuclear e de especialistas em nuclear

[Nota introdutória

[Esta Declaração sobre nuclear e clima, de dois ex-dirigentes dos organismos de segurança nuclear dos Estados Unidos e da Alemanha, juntamente com especialistas independentes, me foi enviada neste mês de janeiro de 2022 pelo físico nuclear francês Bernard Laponche, um dos especialistas que a assinaram. 

[Bernard Laponche era um especialista a serviço do nuclear. Chegou a vir ao Brasil nos anos 80 em programas de cooperação com o programa nuclear brasileiro. Mudou de lado primeiro conhecendo mais de perto, com os movimentos sindicais da França, os riscos a que são submetidos os trabalhadores das usinas, e depois descobrindo pouco a pouco toda a insanidade que caracteriza o uso dessa tecnologia para produzir eletricidade. 

[Hoje é um dos físicos nucleares franceses mais respeitados e que mais atuam para denunciar essa insanidade, em seu país e no mundo.

[Quando será que o simples bom senso fará com que os defensores do nuclear no Brasil deixarão de lado outros interesses e se curvarão a argumentos como os apresentados nessa declaração, e se decidirão a afastar o pesadelo nuclear de nosso país? 

[Quando esses argumentos chegarão aos brasileiros em geral e nós exigiremos que se interrompa a expansão do nuclear no Brasil?

[Chico Whitaker, da Coalisão por Brasil livre de usinas nucleares - Xô Nuclear] 

O aquecimento climático se acelera. A evolução dos conhecimentos sobre a sensibilidade climática e sobre as taxas de derretimento do gelo polar mostram claramente que a elevação do nível do mar se acentua, assim como as tempestades destruidoras, as grandes precipitações e inundações. sem esquecer os incêndios de floresta. Com uma inquietação crescente e uma tomada de consciência da velocidade e do ritmo da transição à energia de baixo carbono que é necessária, o nuclear tem sido reconsiderado como uma resposta parcial à ameaça do aquecimento global. Mas no centro de tudo colocam-se as questões de saber se o nuclear poderia ajudar a enfrentar a crise climática, se o nuclear é economicamente viável, quais são as consequências dos acidentes nucleares, o que fazer com os resíduos, e se existe um lugar para o nuclear na utilização crescente das energias renováveis. 

Como especialistas que trabalharam na linha de frente da questão nuclear, assumimos responsabilidades nos mais altos níveis governamentais de regulamentação nuclear e de radioproteção nos EUA, na Alemanha, na França e no Reino Unido. Nesse contexto, consideramos que é de nossa responsabilidade coletiva comentar o debate-chave: o nuclear poderia desempenhar um papel significativo como uma estratégia contra as alterações climáticas? 

A mensagem central, mil vezes repetida, segundo a qual uma nova geração de centrais nucleares será limpa, segura, inteligente e barata, é uma ficção. A realidade é que o nuclear não é nem limpo, nem seguro nem inteligente; ele é uma tecnologia muito complexa. com o potencial de causar danos significativos. O nuclear não é barato, mas extremamente caro. Talvez o ainda mais importante é que o nuclear simplesmente não faz parte de uma estratégia viável que possa fazer frente às alterações climáticas. Para dar uma contribuição relevante para produção mundial de eletricidade, seriam necessários mais de dez mil novos reatores, dependendo do tipo de reator. 

Em suma, o nuclear como estratégia contra as alterações climáticas é: 

- Demasiado dispendioso em termos absolutos para dar uma contribuição relevante para a produção mundial de eletricidade.

- Mais caro do que as energias renováveis em termos de produção de energia e de redução das emissões de CO2, mesmo levando em conta os custos das ferramentas de gestão da rede assim como o armazenamento de energia associado à implementação de energias renováveis. 

- Demasiado dispendioso e arriscado para o investimento no mercado financeiro, e, portanto, dependente de subsídios públicos e de garantias de empréstimos muito elevados. 

- Insustentável devido ao problema não resolvido dos resíduos radioativos de vida muito longa. 

- Inviável financeiramente, uma vez que nenhuma instituição económica está preparada para fazer um seguro contra o custo total potencial dos impactos ambientais e humanos da liberação acidental de radiações - com a maior parte desses custos muito significativos sendo suportados pelo público. 

- Militarmente perigoso, uma vez que as novas concepções de reatores agora promovidas aumentam o risco de proliferação de armas nucleares. 

- Intrinsecamente arriscado devido a inevitáveis acidentes em cascata por erro humano, falhas internas e impactos externos; vulnerabilidade à elevação do nível do mar provocada pelo clima, a tempestades e aos riscos de inundações, provocando impactos econômicos internacionais.  

- Sujeito a demasiados problemas técnicos e de segurança não resolvidos associados a novos conceitos não comprovados, incluindo os "Reatores Avançados" e os pequenos reatores modulares (SMRs). 

- Demasiado pesado e complexo para criar um regime industrial eficiente para processos de construção e operação no prazo de construção previsto e com a dimensão necessária à mitigação da mudança climática. 

- É pouco provável que dê uma contribuição relevante para a necessária atenuação das alterações climáticas necessárias até 2030 em razão dos prazos de desenvolvimento e de construção extremamente longos do nuclear e de custos de construção esmagadores do grande volume de reatores que seriam necessários para fazer a diferença. 

Dr. Greg Jaczko, ex-Presidente da Comissão de Regulação Nuclear dos EUA. 

Prof. Wolfgang Renneberg, ex-Chefe da Segurança dos Reatores, da Radioproteção e dos Resíduos Nucleares, no Ministério Federal do Meio-Ambiente da Alemanha. 

Dr. Bernard Laponche, ex-Diretor-Geral da Agência Francesa de Gestão da Energia, Ex-Conselheiro do Ministério francês do Meio Ambiente, da Energia e da Segurança Nuclear.

Dr. Paul Dorfman, ex-Secretário do Comité do Governo do Reino Unido para a Análise do Risco de Radiação de Emissores internos.

3 de janeiro de 2022