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O celular, a inteligência e os vícios

Três artigos da BBC News Brasil discutem o celular como vício, seu papel sobre a cognição e o impacto da pornografia nas redes sobre os processos neuronais

18 de outubro de 2021

'Não há muita diferença entre o vício em drogas e no celular’, diz psicólogo

Se você fica ansioso ao imaginar um mundo sem Facebook, Instagram ou WhatsApp, preste atenção no seu grau de dependência de novas tecnologias. Você pode estar viciado.

José Carlos Cueto, BBC News Mundo, 18 outubro de 2021

Este experimento já foi realizado de forma involuntária no dia 4 de outubro, quando milhões de pessoas ficaram frustradas quando as três plataformas acima ficaram fora do ar por seis horas.

Uma frustração que, em casos extremos, há quem se atreva a comparar com a síndrome de abstinência, vivenciada por quem abandona as drogas, o álcool ou o cigarro.

Pode parecer uma comparação exagerada, mas o psicólogo espanhol Marc Masip a defende com unhas e dentes. "O celular é a heroína do século 21", diz ele sem rodeios.

Parte de seu trabalho consiste em oferecer tratamento em clínicas de desintoxicação para viciados em tecnologia.

Uma reabilitação que pode se tornar ainda mais difícil do que a das drogas, "porque todo mundo já sabe que estas fazem mal, enquanto as novas tecnologias todos nós usamos sem saber o tamanho do dano que podem causar", explica Masip em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

BBC News Mundo - Quando ficamos sem Facebook, WhatsApp e Instagram, você rapidamente foi ao Twitter comparar as tecnologias com a heroína e nos desejar ironicamente uma "feliz síndrome de abstinência". Muitos podem considerar uma comparação exagerada. Por que você a defende?

As pessoas enlouqueceram quando na realidade nada estava acontecendo. Estamos todos um pouco perdidos. Os vícios são todos vícios, e não há muita diferença entre o vício em drogas e o vício em telefone celular.

É verdade que as drogas não podem ser bem usadas, e o celular pode. Isso é uma vantagem.

Tem gente que compara o celular a um martelo, dizendo que pode ser bem ou mal utilizado, mas não conheço nenhum viciado em martelo.

Quando não dispomos da tecnologia, como acontece quando o WhatsApp ou o Facebook caem, todos nós sentimos um mal-estar, uma síndrome de abstinência. A comparação com a heroína me parece boa porque ainda não temos consciência de todos os danos que pode chegar a causar.

Quando a heroína começou a ser consumida, não se sabia o quão ruim era, e no final morreu muita gente. Espero que não seja assim agora, mas tem gente que morre porque usa o celular até quando está dirigindo.

Sem contar o que certas pessoas sofrem com casos de bullying nas redes sociais. Há consequências para a saúde mental que ainda não entendemos por conta do abuso do telefone celular.

BBC News Mundo - Com a heroína, havia dois finais: você morria de overdose ou era enviado para uma clínica de desintoxicação. E quanto ao vício em tecnologia?

Masip - Já trabalhamos em clínicas de desintoxicação, porque o vício pode levar a problemas de saúde mental graves e até físicos.

Estamos vendo consequências no desempenho acadêmico dos jovens, acidentes de trânsito que podem levar ao pior, ansiedade, estresse, frustração, transtornos alimentares desencadeados pelo Instagram.

Vemos como os jovens se comunicam por meio das telas de forma rápida, fácil e confortável, mas cara a cara eles são covardes e não têm ferramentas suficientes para sentir empatia, olhar ou abraçar.

Mas o pior é acima de tudo a dependência, como o humor das pessoas muda para pior quando ficam sem Facebook ou WhatsApp.

É um problema, porque a dependência é o oposto da liberdade.

BBC News Mundo - O que vocês fazem na clínica de desintoxicação?.

Masip - Oferecemos um tratamento de reeducação sobre o bom uso das redes e das telas. É uma tarefa muito complicada.

Se você pensar bem, quando você lida com o vício em heroína, cocaína ou maconha, parte do pressuposto que é socialmente mal visto. As pessoas presumem que fumar, beber e se drogar faz mal.

Com as tecnologias é mais difícil porque não se trata de deixar de usá-las. O que você tem que fazer é reeducar para que sejam melhor utilizadas. E não é nada fácil quando todo mundo ao seu redor também está usando.

No nosso tratamento, é muito importante que o paciente supere essa fase de conscientização, em que reconhece até que ponto é bom usar uma tecnologia.

BBC News Mundo - Isso me lembra a situação que muitos pais enfrentam, quando se propõem a manter seus filhos mais novos longe da tecnologia, mas não podem impedir que todos ao seu redor a utilizem. No fim das contas, muitos acabam cedendo porque não querem que seus filhos se sintam excluídos.

Masip - Esse é um falso medo dos pais por carinho e amor.

Achamos que nossos filhos não terão amigos se não tiverem telefone e redes sociais, mas isso é mentira. Crianças com telefone podem ou não ter amigos, e crianças sem telefone podem ou não ter amigos. Isso está mais ligado à personalidade e ao ambiente familiar e escolar.

Mas claro, pensamos que, como todas as crianças ou adolescentes têm telefone, as nossas também precisam ter.

Temos que proteger as crianças das telas para que não precisem tanto delas. Para uma criança, ter um smartphone antes dos 16 anos traz mais desvantagens do que vantagens. Sem formação, sem saber usá-lo da forma correta, o lado ruim de um celular tem mais peso do que o lado bom para a criança.

Porque, no fim das contas, o que um smartphone oferece? Que seus pais tenham controle caso algo aconteça com você? Isso também pode ser feito com um telefone normal. Na verdade, se vierem a te sequestrar, dificilmente deixarão você ligar para seus pais.

Se os adolescentes têm um smartphone, é sobretudo por causa das redes sociais. Mas o que as redes sociais oferecem para você? Curtidas? Essa não é uma contribuição real. A curtidas são apenas uma injeção cavalar de dopamina.

É importante entendermos que em nossas redes sociais sempre mostramos nossa melhor versão. Mas essa melhor versão nem sempre está próxima da realidade. Na verdade, quanto mais o eu virtual se afasta do eu real, mais frustração é gerada.

E essa frustração é muito próxima da dependência e do vício.

É importante educar, sobretudo os mais jovens, que não é preciso querer sempre mostrar o que não somos ou o que gostaríamos de ser para ser aceitos. É preciso trabalhar muito a autoestima dos jovens.

BBC News Mundo - Fala-se muito que a tecnologia está avançando a uma velocidade que nem sequer entendemos, não só a gente, mas tampouco as próprias instituições. Como podemos nos proteger de algo que nem sequer entendemos totalmente?

Masip - Estamos vendidos diante do avanço tecnológico porque as empresas buscam que seu uso seja o maior possível em seu próprio benefício. Quase não há regulamentação, e educação para as famílias e nas escolas sobre o uso responsável da tecnologia é muito pobre.

A solução passa por leis que regulamentam o uso adequado das novas tecnologias e que não existem hoje.

Não há ferramentas para educar a população mais jovem, que é quem mais utiliza (essas tecnologias). Estamos deixando a tecnologia avançar livremente, e as consequências são evidentes.

BBC News Mundo - Apesar de posições como a sua, a sensação é que o mundo está se tornando ainda mais interconectado. Que perspectivas nós temos então? Pelo o que você diz, parece preocupante.

Masip - É verdade que o mundo tecnológico estimula que o futuro continue sendo muito tecnológico. Mas devemos ter clara a premissa de que o real sempre vai superar o virtual.

Por mais tecnologia que criem e mais dinheiro que invistam, nada será capaz de dar um abraço como outra pessoa te dá ou um beijo como a pessoa que você ama.

Enquanto houver gente que continue tendo isso claro e entendido, já teremos um grande ganho. É verdade que a tecnologia vai pressionar, mas também acredito que os humanos farão o mesmo.

Acredito que daremos um pequeno passo atrás na tecnologia para dar três à frente no (lado) humano. Partir do princípio que, sim, temos muita tecnologia, mas há limites.

Chegará o momento em que aqueles que utilizam bem as redes e o celular serão mais cool do que quem fica hiperconectado o dia todo.

BBC News Mundo - Há uma técnica que nos permite autodiagnosticar nosso grau de dependência?

Masip - O autodiagnóstico é sempre complicado.

Você deveria se deixar ajudar, mas nem sempre é fácil. Posso indicar alguns sinais para detectar dependência ou vício.

Primeiro, meça sua síndrome de abstinência. Se você precisa consumir algo quando não tem. É algo bastante evidente nas drogas, mas também acontece com as novas tecnologias.

Observe também se você substitui atividades, se você deixa de fazer algo para ficar mais atento ao celular. Isso pode acontecer quando você passa tempo com a família, trabalha, dirige, pratica esportes ou sai de casa.

Preste atenção se o celular faz você se evadir. Se você pega (o celular) para ver uma coisa, e passa uma hora sem que você perceba. Com esses exemplos, você pode se avaliar muito bem.

BBC News Mundo - E como podemos usar a tecnologia com sabedoria?

Masip - Você tem que aplicar muito bom senso.

É importante que a gente use a tecnologia quando nos oferece um serviço. Por isso pagamos por ela. Agora, por exemplo, tenho que ir a uma reunião. Então, eu vou usar a tecnologia para me levar ao ponto de encontro.

Você também pode aproveitar seu celular para enviar um e-mail sem ter que entrar no computador. Mas não utilize (o celular) durante a refeição ou quando estiver com outras pessoas. Nem quando você trabalha, passa um tempo com os amigos, com seu parceiro ou antes de dormir.

Não deixe que passe por cima de você. O WhatsApp pode ser uma ferramenta muito útil, mas se o servidor cair, também não é imprescindível.

BBC News Mundo - Há governos como o da China que estão intervindo diretamente, especialmente com videogames para menores de idade. Mas essas intervenções são suficientes? O que seria suficiente para realmente causar um impacto contra o vício em tecnologia?

Masip - Os governos precisam implementar leis imediatamente, como proibir telefones na sala de aula, impor normas mais rígidas se você dirigir com o celular e restringir seções claramente viciantes de certos aplicativos.

Cada pai educa como pode ou como deseja, mas seria preciso haver uma regulamentação sobre as grandes empresas para que não possam fazer tudo o que querem.

Não é normal que qualquer menor de idade possa entrar para ver pornografia ou jogar um videogame nocivo que seja violento, tenha recompensas financeiras ou seja castigado se abandonar uma partida.

Temos que regulamentar as empresas de tecnologia para o bom uso.

BBC News Mundo - Mas como empresas globais e interconectadas podem ser regulamentadas sem um consenso global? Parece um tanto distante.

Masip - É complicado, mas já vimos que com o coronavírus a maioria do mundo chegou a um acordo.

Mas, sim, não basta a solução que se impõe em cada casa. A solução deve ser global.

É preciso regulamentar os próprios aplicativos, as próprias empresas, para que depois as coisas cheguem bem ao resto do mundo, sem elementos nocivos ou viciantes.

Por que seu telefone celular não está te deixando menos inteligente

Lorenzo Cecutti e Spike W. S. Lee, The Conversation, 10 de outubro de 2021

A tecnologia digital é onipresente. Nos últimos 20 anos, temos dependido cada vez mais de smartphones, tablets e computadores — e essa tendência tem se acelerado devido à pandemia de covid-19.

A sabedoria popular nos diz que a dependência excessiva da tecnologia pode prejudicar nossa capacidade de lembrar, prestar atenção e exercer autocontrole.

De fato, estas são habilidades cognitivas importantes.

No entanto, os temores de que a tecnologia suplantaria a cognição podem não ser bem fundamentados.

Tecnologia altera a sociedad

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Como a tradição oral de fazer discursos requer um certo grau de memorização, ele tinha receio de que a escrita eliminasse a necessidade de aprender e memorizar.

Esta passagem é interessante por duas razões. Primeiramente, mostra que houve uma discussão intergeracional sobre o impacto das novas tecnologias nas habilidades cognitivas das futuras gerações.

Esta continua sendo a realidade até hoje: o telefone, o rádio e a televisão foram todos saudados como arautos do fim da cognição.

Isso nos leva à segunda razão pela qual esta citação é interessante. Apesar das preocupações de Sócrates, muitos de nós ainda somos capazes de guardar informações na memória quando necessário.

A tecnologia simplesmente reduziu a necessidade de certas funções cognitivas, e não nossa capacidade de executá-las.

Piora da cogniçã

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Além das alegações da mídia popular, algumas descobertas científicas foram interpretadas como sugerindo que a tecnologia digital pode levar a uma perda de memória, atenção ou funções executivas.

Após o escrutínio dessas afirmações, no entanto, percebemos duas suposições argumentativas importantes.

A primeira suposição é que o impacto tem um efeito duradouro nas habilidades cognitivas de longo prazo.

A segunda suposição é que a tecnologia digital tem um impacto direto e não moderado na cognição.

Ambas as suposições, no entanto, não são respaldadas diretamente por resultados empíricos.

Uma análise crítica das evidências sugere que os efeitos demonstrados foram temporários, não de longo prazo.

Por exemplo, em um estudo importante que investigou a dependência das pessoas em formas externas de memória, os participantes eram menos propensos a lembrar partes de informações quando era dito a eles que essas informações seriam salvas em um computador e eles teriam acesso a elas.

Por outro lado, se lembravam melhor das informações quando era dito a eles que não seriam salvas.

Há uma tentação de concluir a partir dessas descobertas que o uso da tecnologia leva a uma memória pior — uma conclusão que os autores do estudo não tiraram.

Quando a tecnologia estava disponível, as pessoas confiavam nela, mas quando não estava disponível, elas ainda eram perfeitamente capazes de lembrar.

Sendo assim, seria precipitado concluir que a tecnologia prejudica nossa capacidade de memória.

Além disso, o efeito da tecnologia digital na cognição pode ser devido ao quão motivado alguém está, em vez de seus processos cognitivos.

De fato, os processos cognitivos operam no contexto de objetivos para os quais nossas motivações podem variar.

Especificamente, quanto mais motivadora for uma tarefa, mais engajados e focados vamos estar.

Esta perspectiva reformula as evidências experimentais que mostram que os smartphones prejudicam o desempenho em tarefas de atenção sustentada, memória de trabalho ou inteligência fluida funcional.

Fatores motivacionais tendem a desempenhar um papel nos resultados das pesquisas, levando em conta especialmente que os participantes muitas vezes consideram as tarefas que são solicitados a fazer no estudo como irrelevantes ou enfadonhas.

Como há várias tarefas importantes que realizamos usando a tecnologia digital, como manter contato com entes queridos, responder e-mails e desfrutar de entretenimento, é possível que a tecnologia digital comprometa o valor motivacional de uma tarefa experimental.

Vale ressaltar que isso significa que a tecnologia digital não prejudica a cognição; se uma tarefa for importante ou envolvente, os smartphones não vão afetar a capacidade das pessoas de executá-la.

Mudança na cogniçã

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Ao fazer uso da tecnologia digital, os processos cognitivos internos estão menos focados no armazenamento e computação de informações.

Em vez disso, esses processos convertem informações em formatos que podem ser descarregados em dispositivos digitais — como frases de pesquisa — e depois recarregados e interpretados.

Este tipo de descarregamento cognitivo acontece quando as pessoas fazem anotações no papel, em vez de confiar certas informações à memória de longo prazo, ou quando as crianças usam as mãos para ajudar a fazer conta.

A principal diferença é que a tecnologia digital nos ajuda a descarregar conjuntos complexos de informações com mais eficácia e eficiência do que as ferramentas analógicas, e isso sem sacrificar a precisão.

Um benefício significativo é que a capacidade cognitiva interna, que é liberada de ter que executar funções especializadas, como lembrar um compromisso da agenda, fica livre para outras tarefas.

Isso, por sua vez, significa que podemos realizar mais, cognitivamente falando, do que jamais seríamos capazes antes.

Desta forma, a tecnologia digital não precisa ser vista como competindo com nosso processo cognitivo interno. Em vez disso, ela complementa a cognição, ampliando nossa capacidade de fazer as coisas.

Lorenzo Cecutti é aluno de doutorado em marketing na Universidade de Toronto, no Canadá. Spike W. S. Lee é professor associado de administração e psicologia na mesma instituição. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons..

Como a pornografia faz cérebro voltar a estado juvenil

Rachel Anne Barr, The Conversation, 15 de outubro de 2021

A pornografia é antiga na história humana e se transformou com o aparecimento de novas plataformas. Arqueólogos descobriram centenas de afrescos e esculturas sexualmente explícitas nas ruínas do Monte Vesúvio em Pompeia, na Itália, por exemplo.

Mas, desde o advento da Internet, o uso da pornografia explodiu. O Pornhub, o maior site pornográfico gratuito do mundo, recebeu mais de 33,5 bilhões apenas durante 2018.

A ciência está apenas começando a revelar as repercussões neurológicas do consumo de pornografia. Mas já está claro que a saúde mental e a vida sexual de seu amplo público estão sofrendo efeitos catastróficos. Da depressão à disfunção erétil, a pornografia parece estar sequestrando nossa fiação neural com consequências terríveis.

Em meu próprio laboratório, estudamos a fiação neural subjacente aos processos de aprendizagem e memória. As propriedades do vídeo pornô o tornam um gatilho particularmente poderoso para a plasticidade, a capacidade do cérebro de mudar e se adaptar como resultado da experiência.

Combinado com a acessibilidade e o anonimato do consumo de pornografia online, estamos mais vulneráveis do que nunca aos seus efeitos hiperestimulantes.

A longo prazo, a pornografia parece criar disfunções sexuais, especialmente a incapacidade de atingir uma ereção ou orgasmo com um parceiro na vida real. A qualidade conjugal e o compromisso com o parceiro romântico também parecem estar comprometidos.

Para tentar explicar esses efeitos, alguns cientistas traçaram paralelos entre o consumo de pornografia e o abuso de substâncias.

Por meio do design evolucionário, o cérebro é programado para responder à estimulação sexual com surtos de dopamina. Esse neurotransmissor, mais frequentemente associado à antecipação de recompensa, também atua para programar memórias e informações no cérebro. Essa adaptação significa que quando o corpo precisa de algo, como comida ou sexo, o cérebro se lembra do que fazer para sentir o mesmo prazer.

Em vez de recorrer a um parceiro romântico em busca de contentamento ou satisfação sexual, usuários habituados à pornografia instintivamente pegam seus telefones e laptops quando o desejo vem.

Além disso, explosões de recompensa e prazer fortes e fora do normal evocam níveis de habituação no cérebro fortes e fora do normal. O psiquiatra Norman Doidge explica:

"A pornografia satisfaz todos os pré-requisitos para a mudança neuroplástica. Quando os produtores de pornografia se gabam de criar novos conteúdos, o que eles não dizem é que têm que fazer isso, porque seus clientes estão desenvolvendo uma tolerância em relação a eles."

Cenas pornográficas, como substâncias viciantes, são gatilhos hiperestimulantes que levam a níveis anormalmente elevados de secreção de dopamina. Isso pode danificar o sistema de recompensa da dopamina e deixá-lo sem resposta às fontes naturais de prazer. É por isso que os usuários começam a ter dificuldade em alcançar a excitação com um parceiro físico.

Além da disfunçã

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A dessensibilização de nosso circuito de recompensa prepara o terreno para o desenvolvimento de disfunções sexuais, mas as repercussões não param por aí.

Estudos mostram que mudanças na transmissão da dopamina podem facilitar a depressão e a ansiedade.

Neste sentido, os consumidores de pornografia relatam maiores sintomas depressivos, menor qualidade de vida e pior saúde mental em comparação com aqueles que não veem pornografia.

A outra descoberta convincente neste estudo é que os consumidores compulsivos de pornografia descobrem que querem e precisam de mais pornografia, embora não necessariamente gostem disso.

Essa desconexão entre querer e gostar é uma característica marcante da desregulação do circuito de recompensa.

Seguindo uma linha semelhante de pesquisa, cientistas do Instituto Max Planck em Berlim, Alemanha, descobriram que o maior consumo de pornografia está correlacionado com menos ativação do cérebro em resposta a imagens pornográficas convencionais. Isso explica por que os usuários tendem a passar a consumir formas mais radicais e não convencionais de pornografia.

As análises do Pornhub revelam que o sexo convencional é cada vez menos interessante para os usuários e está sendo substituído por temas como incesto e violência.

A perpetuação da violência sexual online é particularmente preocupante, pois as taxas de incidentes na vida real podem aumentar como resultado.

Alguns cientistas atribuem essa relação à ação dos neurônios espelho. Essas células cerebrais são chamadas dessa forma porque são ativadas quando o indivíduo realiza uma ação, mas também ao observar a mesma ação realizada por outra pessoa.

As regiões do cérebro que ficam ativas quando alguém está vendo pornografia são as mesmas regiões do cérebro que se ativam enquanto a pessoa está realmente fazendo sexo. Marco Iacoboni, professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles, especula que esses sistemas têm o potencial de espalhar comportamento violento: "o mecanismo de espelho no cérebro também sugere que somos automaticamente influenciados pelo que percebemos, propondo assim um mecanismo neurobiológico plausível para contágio de comportamento violento."

Embora especulativa, essa associação sugerida entre pornografia, neurônios espelho e aumento das taxas de violência sexual serve como um alerta sinistro.

Embora o alto consumo de pornografia não leve os espectadores a extremos aflitivos, é provável que mude o comportamento de outras maneiras.

Desenvolvimento mora

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O uso da pornografia está relacionado à erosão do córtex pré-frontal — a região do cérebro que abriga funções executivas como moralidade, força de vontade e controle de impulsos.

Para entender melhor o papel dessa estrutura no comportamento, é importante saber que ela permanece subdesenvolvida durante a infância. É por isso que as crianças lutam para controlar suas emoções e impulsos. Danos ao córtex pré-frontal na idade adulta são chamados de hipofrontalidade, que predispõe um indivíduo a se comportar compulsivamente e tomar decisões erradas.

Nesse sentido, é um tanto paradoxal que o entretenimento adulto possa reverter as conexões cerebrais a um estado mais juvenil.

A ironia muito maior é que, embora a pornografia prometa satisfazer e proporcionar gratificação sexual, ela oferece o oposto.

Rachel Anne Barr é doutoranda em Neurociência na Universidade de Laval, na Bélgica.. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.