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O interrogatório dos imperadores das Big Techs

Um pequeno dossiê sobre os gigantes da tecnologia - FAANG (Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Alphabet/Google)

1 de agosto de 2020

Jeff Bezos, Sundar Pichai, Mark Zuckerberg e Tim Cook, respetivamente os CEOs da Amazon, Alphabet (Google), Facebook, e Apple, foram esta terça-feira sujeitos duras críticas no Congresso dos EUA com acusações de monopólio do mercado mundial e “excesso de poder”.

Esquerda.net, 30 de julho de 2020

A sub-comissão da Concorrência do Congresso dos Estados Unidos da América começou a investigar oficialmente o domínio do mercado digital mundial por parte destas quatro multinacionais há cerca de um ano.

As sessões de interrogatório aos quatro líderes começaram com a acusação, do presidente da comissão, de que estas multinacionais são gigantes que impedem qualquer a democracia. “Os nossos fundadores não se vergaram perante o Rei. E nós não nos deveríamos vergar perante os imperadores da economia digital”, disse o congressista democrata, segundo noticia o The Guardian.

O comportamento predatório destas empresas é exemplificado pela forma como a Google utiliza a hegemonia do seu motor de busca. Quando a Google começou a roubar as avaliações de estabelecimentos comerciais publicadas na Yelp, direccionando os utilizadores para o seu próprio sistema de avalição, a Yelp pediu à Google para parar. A resposta foi a ameaça da Google em simplesmente eliminar a Yelp das listas do seu motor de busca, objetivamente levando a Yelp à falência.

“Os fatos parecem evidenciar de forma clara que, conforme a Google se tornou o portal da internet, começou a abusar do seu poder”, disse o presidente da comissão.


Por seu lado, Zuckerberg foi questionado sobre a aquisição do Instagram em 2012. Os documentos apresentados como prova pela comissão revelam que a Facebook avançou com a aquisição para neutralizar a ameaça competitiva que ela apresentava, violando diretamente as leis contra a concentração económica em vigor.

Em julho de 2019, o Facebook anunciou que iria lançar uma criptomoeda digital que permitiria aos utilizadores de WhatsApp e Messenger enviar dinheiro entre si e adquirir produtos. Uma iniciativa que daria a Zuckerberg o poder não só de conhecer os movimentos financeiros mas também os hábitos e gostos de cada pessoa.

Jeff Bezos, CEO da Amazon, foi acusado de recorrer a metadados de empresas externas para tomar decisões comerciais, algo que contraria as garantias de outro executivo da Amazon também no Congresso, e de favorecer os seus próprios produtos na gestão das entregas durante a crise pandémica.

Zuckerberg e Bezos recorreram ao mito americano para se defenderem com a sua biografia pessoal. O chefe da Amazon relembrou que as origens humildes dos seus pais, e Zuckerberg afirmou que “começámos do nada e fornecemos produtos superiores a que as pessoas dão valor”. “As empresas não são más apenas por serem gigantes”, acrescentou.

Já o CEO da Apple, Tim Cook, foi questionado sobre a transparência do processo de avaliação da App Store, a loja online da Apple onde programadores podem vender os seus programas para dispostos com iOS. “As regras são inventadas ao longo do processo e os programadores são obrigados a aceitarem as regras ou a abandonarem a loja”. “Isso é uma enorme concentração de poder”, afirmou o congressista Hank Johnson. Cook rejeita a acusação de monopólio porque 84% das aplicações são grátis.

As preocupações dos congressistas republicanos foram distintas, ignorando o problema económico e concentrando-se apenas em alegações de viés anti-conservador nas plataformas sociais, e de trabalharem para silenciar Donald Trump nas eleições presidenciais que se aproximam, acusações difíceis de compatibilizar com a recusa absoluta de Zuckerberg em impedir campanhas de ódio na Facebook, instrumento essencial para a vitória de Trump em 2016.

Em 2019, a congressista Alexandria Ocasio-Cortez questionou Mark Zuckerberg sobre o efeito objetivo de apoio ao discurso de ódio que a suposta neutralidade da Facebook permite. Pode ver aqui no vídeo (em inglês).

FAANG: a sigla mais cara da história


A crise reforçou o poder de mercado e o valor das ações do Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google

Migual Ángel Garcia Vega, El Pais Brasil, 25 de julho de 2020

A distância entre Main Street (o mundo real) e Wall Street (o mundo da Bolsa de Valores) é hoje maior do que nunca. Embora o coronavírus tenha mergulhado os EUA em uma profunda crise econômica e sanitária, o mercado financeiro atinge altas históricas. Grande parte da responsabilidade por esse impulso das Bolsas é das famosas empresas FAANG (Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Alphabet/Google). A capitalização (com dados de quinta-feira) é tão alta que falta pouco para se assemelhar ao PIB das grandes potências mundiais. Facebook (663,22 bilhões de dólares, ou 3,47 trilhões de reais), Amazon (1,49 trilhão de dólares, ou 7,79 trilhões de reais), Apple (1,61 trilhão de dólares, ou 8,42 trilhões de reais), Netflix (210,62 bilhões de dólares, ou 1,1 trilhão de reais) e Alphabet (1,03 trilhão de dólares, ou 5,39 trilhões de reais) compõem aquela que deve ser a sigla mais cara da história.

Somando o valor de mercado de todos esses gigantes tecnológicos, o resultado deslumbra: mais de 5 trilhões de dólares (26,1 trilhões de reais). O PIB da Alemanha − a quarta maior economia do planeta − é de 3,96 trilhões de dólares (20,7 trilhões de reais) e o da Espanha beira 1,42 trilhão (7,42 trilhões de reais). Não são empresas, são Estados; são, para muitos, um profundo problema. “Antes da pandemia, todas as semanas era publicado um ensaio alertando sobre como o poder dos monopólios nos EUA tinha alcançado níveis extraordinários, e o pouco que o Governo fazia para evitar isso”, conta Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard e ex-economista-chefe do FMI. “Agora que a pandemia está tirado do jogo os pequenos e médios jogadores, a concentração de poder é pior. As empresas FAANG representam problemas particularmente graves, porque muito do que fazem afeta outros negócios e a sociedade em geral.” Ele alerta, por exemplo, para a quantidade de informação pessoal que Google e Facebook acumulam. Ou para o poder da Amazon e do mecanismo de pesquisa do Google para escolher vencedores e perdedores.

O abismo entre os dois mundos tem uma explicação. Barry C. Lynn, diretor do think tank Open Markets Institute, recorre à história. Resume um percurso de décadas em poucas frases. Os Estados Unidos abraçaram a política monopolista da Escola de Chicago e abandonaram sua luta contra os monopólios. Foi na década de 1980. Os primeiros dias da revolução neoliberal. Uma década depois, exportaram essa filosofia para seus aliados democráticos. “Essa nova filosofia sustenta que o tamanho não importa, por isso não temos de separar essas grandes corporações, que podem se reestruturar facilmente”, reflete Lynn. A consequência final é uma maior concentração em Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Microsoft e Alphabet (Google).

“A ascensão dessas superempresas tem implicações negativas na concorrência, no investimento e, principalmente, no mercado de trabalho”, adverte Megan Greene, economista da Escola Kennedy da Universidade de Harvard. “Porque mina a capacidade de negociar salários. Se trabalham em uma indústria de alta concentração, os funcionários não têm muitas opções para mudar de emprego.” E devem aceitar as condições que lhes oferecem. Enquanto isso, o setor financeiro segue seus próprios salmos. No ano passado, 75 empresas de tecnologia entraram na Bolsa nos Estados Unidos. Mas entre 1995 e 2000 foram, segundo o Goldman Sachs, “400 por ano durante seis anos”.

A divisão entre a rua e os mercados é um pesadelo. No fundo, “está se impondo um prêmio crescente nas ações de empresas que têm características ‘similares às dos serviços públicos’ com nomes sólidos e balanços firmes”, assinala Dana Habib, responsável pelo escritório de análise Rosenberg Research & Associates. Mas os norte-americanos querem deixar a distribuição do sistema de saúde nas mãos da Amazon? E abrir mão de suas revalorizações na Bolsa? Porque foram muito altas no último ano. Frente a tanto dinheiro, o mais importante não faz barulho. Por exemplo, que “o Facebook tenha problemas com as mensagens de ódio e a integridade dos dados, que o Google domine a publicidade online ou que a Apple defenda a enorme disparidade salarial em relação a seus funcionários na China”, descreve Daniel Morgan, gerente de carteira sênior da Synovus Trust Company. Ou o domínio monopolista da Apple Store. Um problema? “As empresas FAANG continuarão gerando lucros acima da média!”, exclama Morgan. Juntas, têm um caixa de 557 bilhões de dólares (2,9 trilhões de reais) para investir. “A crise acelerou tanto a situação que algumas empresas parecem ter consumido esteroides”, comenta Thomas Husson, analista da Forrester.

Alguns argumentam que essas empresas não são mais bem-sucedidas do que a IBM nos anos setenta ou o Walmart nos 90. “Sua influência é muito maior e, além disso, têm uma grande capacidade de evasão fiscal”, adverte Federico Steinberg, pesquisador principal do Real Instituto Elcano, em Madri. A Europa prepara um imposto digital e o lógico é que, se em novembro for eleito um Governo democrata nos EUA, este apoie uma certa regulamentação. “Numa época em que os norte-americanos estão cada vez mais preocupados com a desigualdade, a privacidade, os monopólios privados e os efeitos das fake news na tomada de decisões democráticas, as empresas de tecnologia devem estar atentas se não querem ver um turbilhão de intervenções governamentais em seus negócios”, alerta John Paul Rollert, professor da Escola de Negócios Booth da Universidade de Chicago. Deveria ser óbvio. “Você não pode viver em um mundo onde ameaça adotar represálias contra um país quando este faz algo de que você não gosta”, afirma Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, no site BizNews. Ou como aponta Thomas Piketty: “A tributação das empresas é importante. Mas não é suficiente. É necessária uma tributação progressiva individual sobre o lucro e a riqueza”.

O CLUBE DO TRILHÃO
Apple, Microsoft e Amazon superam, individualmente, 1 trilhão de dólares (5,2 trilhões de reais) em capitalização. A empresa da maçã foi a primeira a quebrar essa barreira, em agosto de 2018. Dezessete meses depois, valorizou 38%. A sigla “FANG” (Facebook, Amazon, Netflix e Google) foi proposta pela primeira vez pelo apresentador Jim Cramer, da rede CNBC, em 2013. Desde então, vem mudando. Foi acrescentado o “A” da Apple e até o “M” da Microsoft, e alguns especialistas falam em “Famangs”. Além disso, a Bolsa também inventou “FANG+” para incluir a Tesla, o Twitter e as gigantes chinesas Baidu e Alibaba. Não importa. Vivemos nos tempos das FANG, Famangs ou FANG+. “E é urgente controlar mais seu poder”, observa Rui da Mota, especialista da Analistas Financieros Internacionales, de Madri. A Alphabet, o antigo Google, criado há 21 anos em uma garagem, poderia valer 2 trilhões de dólares (5,4 trilhões de reais) “em um futuro próximo”, segundo alguns analistas.

Gigantes tecnológicos crescem em meio ao desmonte econômico dos EUA

Apple, Amazon, Facebook e Google resistem ao desafio da pandemia e apresentam um lucro trimestral conjunto superior a 28 bilhões de dólares

Pablo Guímon, El Pais Brasil, 31 de julho de 2020

As grandes empresas tecnológicas dos Estados Unidos resistem à aposta do coronavírus. Apple, Amazon, Facebook e Google superaram as expectativas em seus resultados do segundo trimestre do ano, período em que a economia norte-americana sofreu uma contração sem precedentes, segundo os dados publicados nesta quinta-feira.

A Apple reportou um aumento de 11% em seu faturamento nos meses de abril, maio e junho com relação ao mesmo período do ano anterior. O crescimento da demanda por aplicativos e hardware para trabalho à distância compensou a perda de receita pelo fechamento de suas lojas no mundo todo, contrariando as expectativas de uma queda no faturamento. A Amazon, cujo negócio de venda e entretenimento on-line saiu fortalecido pelo confinamento, viu seu lucro trimestral duplicar (5,2 bilhões de dólares, 26,8 bilhões de reais).

Também o negócio publicitário do Facebook desafiou a recessão, apesar de ver uma desaceleração de seu ritmo de crescimento, e seu faturamento aumentou 11%, chegando a 18,7 bilhões de dólares. O Google (representado por sua matriz Alphabet), entretanto, registrou o primeiro decréscimo trimestral em seu faturamento em 17 anos de cotação na Bolsa (2% com relação ao mesmo trimestre do ano passado), afetado por uma diminuição no investimento dos anunciantes, embora o faturamento com publicidade no YouTube e seu negócio de computação em nuvem tenham crescido.

Somados seus resultados, as quatro companhias apresentaram mais de 28 bilhões de dólares (144,37 bilhões de reais) em lucros. Os resultados das empresas tecnológicas, que resistem ao desmonte generalizado da economia dos EUA ― num momento em que muitos de seus serviços são mais solicitados do que nunca por consumidores trancados em suas casas ―, foram divulgados apenas um dia depois de seus presidentes deporem ao Congresso numa histórica audiência de cinco horas, que deixou clara a frustração dos poderes constituídos e da opinião pública com o seu crescimento descontrolado e seu papel dominante no mercado.

Somente 24 horas depois de enfrentarem duras críticas e acusações dos congressistas, o valor das quatro companhias cresce ainda mais, empurrado por seus resultados, salientando seu papel central em uma sociedade que tem medo do seu poder incontido.