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O milenar sistema de castas da Índia em dez pontos

É difícil olhar para a sociedade indiana sem se interessar pelo sistema de castas. Há mais de 200 milhões de sem casta.

19 de julho de 2020

Mathilde Loire, Europe Solidaire Sans Frontiere, 31 de outubro de 2017

Pouco conhecidas pela França e o Ocidente, onde muitas vezes as consideramos erroneamente abolidas, as castas dizem muito sobre a Índia - tanto sua história como sua realidade atual. A questão não cessa de cruzar as notícias indianas: quando dois intocáveis concorreram à presidência do país em 2017, quando as manifestações da casta dos Jats em Haryana mataram 19 pessoas em 2016, ou quando um estudante intocável se suicidou no mesmo ano.

1. A palavra “casta” designa dois tipos de hierarquia
A palavra “casta” não é um termo indiano, mas um derivado do Português que significa “espécie, raça” ou “puro, sem mistura”. Ela é utilizada pelo Ocidente desde a chegada dos colonos portugueses ao país, no século XVI. Os indianos, por outro lado, usam as palavras varna e jati, que significam duas coisas diferentes.

Varna, que significa “cor”, diz respeito a um sistema hierárquico herdado da sociedade védica (1500 a 600 a.C.). Existem quatro varnas, hierarquizadas segundo um princípio de pureza ritual e correspondente a uma parte do ser primordial, Purusha. Os brahmanes, que proferem o sacerdócio e os ensinamentos, são os mais “puros”, e representam a boca; os kshatriya, que representam os braços, são os governantes e guerreiros; os vaishya, que representam as coxas, são os agricultores e mercadores. Essas três classes são ditas dvija, ou “nascidas duas vezes”: seus membros passam por um ritual de iniciação antes da idade adulta, que os autoriza a portar um cordão sagrado. A quarta varna representa os pés do Homem Primordial: são os shudra, os operários e trabalhadores agrícolas, que servem às três classes superiores. Finalmente, os “sem-casta”, os intocáveis, que são hoje chamados dalits (“oprimidos”), teriam nascido da terra.

Partindo da concepção religiosa, as varna são diretamente ligadas à noção de transmutação das almas, e respondem a dois grandes princípios filosóficos e religiosos. O karma é a ideia de que as ações de um indivíduo em suas vidas anteriores condicionam a casta em que nascerá: os brâmanes são aqueles cujas ações em vidas anteriores foram as mais puras, por exemplo. Complementar do karma, há o dharma: se um indivíduo cumpre bem os deveres ligados à sua varna, ele pode nascer em uma casta superior na próxima vida.

O jati (“nascimento”), é um agrupamento sócio-profissional que cada hindu pertence, geralmente devido à profissão de seus pais. Estima-se que existam cerca de 4.600 jatis na Índia, cujos nomes variam por região, e que têm surgido novos, ainda ligados às profissões. Eles estruturam as relações sociais do cotidiano sob os princípios de endogamia e hierarquia.

O jati de um hindu é geralmente identificável por seu nome de família, que faz referência ao ofício do jati. No entanto, afirmam Sudhir e Karharina Kakar em Os Indianos - Retrato de um povo (edições do Sul), que “o jati há muito tempo impõe [ao indivíduo] a profissão de seu pai, mas essa característica tem rapidamente evoluído”. Encontra-se ainda jatis de intocáveis, considerados totalmente impuros física e simbolicamente, por realizarem atividades “sujas”, como esfoladores de carcaças de animais podres, coletores de lixo, curtidores, limpadores de fossa...

Observe que os jati não fazem o mesmo sentido em qualquer lugar: cada estado na Índia tem seu próprio sistema de jati, um barbeiro do norte não terá o mesmo nível, necessariamente, que um barbeiro do Sul. No entanto, os varna são muito mais importantes no norte, onde a tradição brâmane está mais arraigada.

2. A origem das castas não é consensual
É geralmente estabelecido que a hierarquia de castas, em particular as varnas, estão intrinsecamente ligadas a religião hindu, desde seus fundamentos védicos - a religião védica está ligada aos invasores indo-europeus que se instalaram no subcontinente em 1500 a.C.. Segundo numerosos observadores, entre eles o antropólogo francês especialista em Índia Louis Dumont, os varna tem origem em uma das quatro obras fundamentais do hinduísmo e do vedismo, o Rig-Veda (escrito entre 1500 e 900 a.C.), onde a palavra varna aparece pela primeira vez. O conceito das quatro varnas está descrito no canto Purusha Sukta. No entanto, muitos historiadores estimam hoje em dia que o canto foi inserido posteriormente ao texto védico, talvez para torná-lo um mito fundador.


A hierarquia de varna também é estabelecida em textos como o Manusmriti (Leis de Manu, século II); mesmo que esses textos tenham ajudado a elevar a hierarquia dos brâmanes no tecido social, não parece “crível” que eles tenham criado o sistema de castas do zero, como afirma, por exemplo, a antropóloga britânica Susan Bayly. Ela faz parte de uma outra corrente de observadores de castas, que desafiam a simples explicação religiosa de sua existência. Para esses historiadores, são os fatores sócio-econômicos a origem do sistema de castas. Por exemplo, alguns estimam que os arianos poderiam ter instaurado um sistema cástico a fim de assegurar o poder sobre as populações indigentes, e assegurar pela endogamia que seria preservada a “nobreza” de sua casta.


Os ativista intocáveis estimam que quanto a origem as castas surgem no momento em que uma classe dominante decide se constituir como uma, com seus membros se casando apenas entre si. Segundo o Dr. Abekdar, um intocável e companheiro de luta de Gandhi, os brâmanes dividem a sociedade entre brâmanes e não-brâmanes, e os outros procuram seu lugar nos degraus da hierarquia.


3. Os colonos britânicos aproveitaram-se do sistema de castas
Os colonos britânicos, tão logo quando chegaram, utilizaram o que entenderam no sistema de castas para organizar sua dominação no país. Desde o primeiro recenseamento completo da Índia, em 1872, eles se apoiavam na divisão das varnas: percebiam o efeito das castas como um reflexo das classes sociais europeias, e permeavam seu sistema de dominação classificando os indianos segundo sua função. Assim, eles confiaram nos brâmanes para ajudá-los a governar e reproduziram os mecanismos de dominação sobre as castas mais baixas. Somente no século XX o Raj britânico [regime colonial britânico que foi imposto ao subcontinente indiano de 1858 a 1947] reservou uma cota de empregos e assentos nas assembleias para intocáveis.


Acredita-se que os britânicos estejam por trás de alguma "consciência de casta" na Índia. Durante os vários censos realizados durante a era colonial, os índios, questionados em sua "casta" sem saber o significado desse termo, deram várias respostas sobre a profissão, religião ou região de origem. Suas respostas não correspondiam ao sistema de identificação dos britânicos, que se baseavam no varna. As comissões do censo eram, portanto, responsáveis por atribuir a cada grupo uma ocupação específica e por estabelecer uma hierarquia em cada parte do Império, com os brâmanes ainda no topo.


4. A Constituição Indiana não aboliu as castas
Ao contrário do que se pensa geralmente, as castas não estão abolidas na Índia. No entanto, a Constituição indiana de 1950 [1] afirma a igualdade entre todos os seus cidadãos. O artigo 15 proíbe qualquer discriminação com base em religião, casta, sexo ou lugar de nascimento, o artigo 17 abole a noção de intocabilidade. A palavra “intocável” foi substituída depois da independência, em favor do termo dalit, que significa “oprimido”, e popularizada pelo Dr. Ambedkar, um líder intocável da luta pela independência, que esteve presidente do comitê de redação da Constituição.


Foi sob a sua influência que foi implantado o sistema de “cotas”. O artigo 46 da Constituição estabelece que o Estado deve promover os interesses econômicos e educativos dos “setores mais vulneráveis da população” e reservar-lhes certas vantagens. Por um lado eram os dalits, vistos como “castas programadas” e de outro as populações aborígenes, como “tribos programadas”. As vantagens são detalhadas ao longo da seção XVI da Constituição, que trata das “Disposições particulares a certas classes”, e reproduz o princípio de cotas reservadas que já existiam na colonização, mas as estendia às populações tribais.


Assim, o Estado reserva um certo número de vagas no serviço público e na educação às castas e tribos programadas. Um número de assentos lhes são reservados na câmara baixa do Parlamento, a Lok Sabha, e nas assembleias legislativas dos Estados através de um sistema de proporcionalidade: em 1951, 15% dos assentos eram reservados para as castas programadas, e 5% para as tribos programadas.


Em 1989, as 73ª e 74ª emendas constitucionais atribuíam cotas reservadas a outros setores desfavorecidos da população, as “outras classes atrasadas”, ou as classes mais baixas, os shudra. Desde 1950, os postos reservados na vida política e na administração das escolas se multiplicou, no entanto sem ultrapassar 50% dos empregos públicos. A Constituição previa uma expiração original do sistema de cotas ao cabo de 20 anos. De fato, o fim das cotas tem sido adiado desde 1970.


5. Há mais de 200 milhões de “sem-casta” na Índia
O recenseamento mais recente da população indiana, feito em 2011, estima o número de dalits hindus, sikhs e budistas no país em 201,4 milhões. Isso representa um acréscimo de 20,8% desde 2001, mais rápido que o da população total do país no mesmo período (17,7%). Um montante certamente subestimado, afirma a ONG Rede Internacional de Solidariedade com os Intocáveis (IDSN) [2], já que os muçulmanos e cristãos intocáveis não são recenseados nas “castas programadas”.


O IDSN escreveu em 2013: “Segundo certas estimativas há 15 a 20 milhões de dalits cristãos na Índia, e o número de intocáveis muçulmanos pode chegar a 100 milhões ou mais. Se essas estimativas forem confirmadas, o número de intocáveis na Índia pode ultrapassar os 300 milhões - sendo um quarto da população de um país de 1.2 bilhão de habitantes.” A título de comparação, os Estados-Unidos recenseou em 2016 mais de 320 milhões de habitantes.


Por outro lado, essas estimativas computam apenas as “castas programadas”, em detrimento das “tribos programadas” a outra parte “sem-casta” da população indiana. Existem 705 tribos reportadas, em uma população de 104 milhões de Adivasis (“primeiros habitantes”), ou aborígenes da Índia. Considerados como “primitivos” para os indianos não-aborígenes, eles há muito habitam regiões remotas, distantes do resto do país. Eles saíram do anonimato sob o Raj britânico, com a exploração de seus territórios pelos colonos. Os Adivasis não formam o grupo único e estão espalhados por todos o território, em especial pelos estados do nordeste e pelas planícies da Índia central. Apenas 2,4% das “tribos programadas” vivem em cidades.


6. As castas são vetores de desigualdade
Se existem dalits empresários e brâmanes mendigos, a hierarquia das castas continua sendo vetor de desigualdades importantes, notadamente no plano econômico. As primeiras vítimas dessas desigualdades são os dalits, a despeito da abolição oficial da intocabilidade. De fato, eles são continuamente discriminados de maneira sistêmica: é muito mais difícil para os indianos da casta terem acesso à educação e ao emprego, e tem menos facilidade de comprar terras. Eles são, no entanto, frequentes vítimas de discriminações, de ataques, assassinatos ou estupro, sem que os responsáveis sejam punidos.


O sistema justifica a si mesmo as desigualdades que os dalits sofrem: como catar lixo ou limpar latrinas são tarefas impuras, sãos os dalits que se encarregam delas - e isso justifica a baixa remuneração. As crianças dalits tem menos chance que as outras de continuar os estudos, porque os trabalhos considerados como tarefas dos dalits não necessitam deles. O sistema de cotas na universidade não é suficiente para resolver esse problema, já que sem uma educação primária e secundária completas é difícil chegar ao ensino superior.


Por outro lado, uma pesquisa feita entre 2011 e 2012 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (NCAER) e a Universidade de Maryland [3], assinalam que um a cada quatro indianos ainda pratica a intocabilidade, apesar de sua proibição. As pessoas que dizem não praticar a intocabilidade [4] se colocam diante de um segundo questionamento: “você permitiria que um membro de uma ‘casta programada’ entre em sua cozinha e utilize seus utensílios?” 27% dos perguntados, por toda a Índia, admitiram praticar ao menos uma forma específica de intocabilidade. Eles eram 52% dos brâmanes, e 30% dos Hindus perguntados que praticavam. Os preconceitos contra a impureza inerente dos dalits ainda são muito presentes na sociedade indiana.


Existem, no entanto, cada vez mais e mais exemplos de intocáveis que conseguem subir na escala social. Alguns foram capazes de estudar mais e criar suas empresas, ou alcançar altas funções políticas. A eleição presidencial de julho de 2017 viu confrontarem-se dois candidatos dalits [5]: Meira Kumar, diplomata e imagem da luta pelos direitos dos dalits, foi designada pelos partidos políticos de oposição frente a Ram Nath Kovind, o candidato do Bharatiya Janata Party (BJP), da situação, que acabou sendo eleito presidente.


O sucesso de alguns não é suficiente para nos fazer esquecer que as castas mais baixas (castas programadas, tribos programadas e outras classes baixas) são em sua maioria das classes sociais mais pobres. No meio rural, eles têm um acesso muito limitado à terra, e representam 83% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, contra menos de 12% pertencentes a castas altas. No entanto, os trabalhos mais precários são ocupados majoritariamente pelos indianos das classes mais baixas.


7. As castas dão margem à segregação espacial
Tradicionalmente, as castas organizam o espaço e a organização das cidades e comunidades. Em seu Atlas da Índia (edições Autrement), Philippe Cadène apresenta um registro físico das castas nas cidades: “O modelo de organização é feito para colocar os grupos superiores no centro, perto dos templos onde habitam as divindades mais putas, os grupos inferiores na periferia e os intocáveis ainda mais longe.” Eles vivem em aldeias fora das vilas, frequentemente separados por uma fronteira física como um rio. Além disso, cada parte da cidade é organizada por jati.


Nas cidades, onde vivem um terço dos indianos segundo o Banco Mundial em 2016, essa organização é menos rigorosas. Na prática, o crescimento constante das cidades não permite uma segregação espacial tão nítida. No entanto, se as castas vivem ao lado umas das outras, a diversidade ainda está longe de ser uma realidade, e um quarteirão é geralmente habitado por indianos de uma mesma casta. Nós vemos, além disso, uma nova segregação ligada à emergência econômica de certos indianos, da parte das castas mais altas. As famosas favelas das cidades indianas são maioritariamente habitadas por pessoas de castas baixas e intocáveis nos seus arredores.


8. As práticas das castas estão em constante evolução
Tradicionalmente, a casta, em particular a jati, dita as relações sociais entre os indianos com os tipos que profissão que eles podem ocupar. O casamento inter-casta, notadamente, é sempre um fenômeno muito importante no país. Um relatório datado de janeiro de 2005 de uma visita senatorial à Índia relata: “Durante o seu deslocamento, a delegação pôde constatar, com a simples leitura dos anúncios matrimoniais publicados na imprensa, que o sistema de castas permanece extremamente vivo, inclusive com menção da casta a qual o pretendente deve pertencer [6].” A representação de casais inter-casta na TV ou na cultura popular indiana é, em geral, ainda bastante rara.


Certas práticas tendem a evoluir, ou mesmo desaparecer com a modernização do país, notadamente nas cidades. Por exemplo, as regras dizem que todos podem receber comida de um brâmane, em razão da sua “pureza”, sem ele poder aceitar, no entanto, dos seus inferiores. Uma regra difícil de ser respeitada em um restaurante público qualquer da cidade.


Mas é certamente no plano profissional que as castas mais evoluíram. Com a aparição de novas profissões, o número crescente de jovens indianos educados e as cotas de postos de trabalho para as castas baixas e os dalits, aqueles que podem pagar não se ocupam necessariamente dos trabalhos ligados ao seu jati. Dessa forma, menos de 10% dos homens brâmanes são sacerdotes ou professores védicos.


Também estamos testemunhando certa mobilidade social e econômica, notadamente no seio das classes médias, que são as primeiras a lucrar com o desenvolvimento econômico do país. Esses mesmos setores médios, como explica Sudhir e Katharina Kakar em Os Indianos - Retrato de um povo (edições do Sul), encaram com mais facilidade amizades ou casamentos inter-casta, mesmo que sejam raros.


9. Os não-hindus também são organizados em castas
Se as castas tiveram sua origem na tradição hindu, o sistema tocou quase toda a sociedade indiana, mesmo as demais religiões. Os não-hindus são, por definição, excluídos do sistema brâmane, mas isso não impede que também se organizem por uma lógica hierárquica - mesmo se a essência da casta pareça incompatível com os princípios religiosos.


Dentro da comunidade cristã da Índia, é estabelecida uma distinção a partir da época em que eles ou seus ancestrais se converteram ao cristianismo. O antropólogo especialista em Índia, Louis Dumont, ainda percebe que há os cristãos “antigos”, que segundo a lenda tiveram seus ancestrais convertidos por Saint-Thomas, e formam entre si grupos endógamos.


Em um artigo publicado em “La Croix” em setembro de 2015 intitulado “O destino invejável de cristãos intocáveis na Índia”, a jornalista Vanessa Dougnac explica que os dalits, atraídos pela mensagem de igualdade e de um sistema de educação e santidade da Igreja Católica, “veem seu sonho de igualdade desaparecer no dia da sua conversão”. Se oficialmente, a Igreja indiana não reconhece as castas, ela reproduz as desigualdades em seu seio. Os cristãos intocáveis e tribais são rejeitados pelas altas castas. Mesmo que eles sejam 70% dos cristãos indianos, menos de 10% dentre eles são membros do clero. Enfim, os dalits e adivasis cristãos perdem seu acesso às reservas de cotas do Estado no não reconhecimento de castas pela Igreja.


Louis Dumont explica em seu “Homo hierarchicus” que os muçulmanos estão em melhor situação que os intocáveis, especialmente graças ao longo período de dominação política dos príncipes muçulmanos. Eles são, por eles mesmos, divididos em vários grupos fechados e de profissões hereditárias. Os Ashrafs, descendentes de imigrantes árabes, persas ou afegãos, e quaisquer hindus de classes superiores convertidos, compõem uma classe nobre, com uma forte tendência a casarem-se no interior desse círculo. Depois, há os Ajlafs, a classe média muçulmana, geralmente composta de convertidos de castas intermediárias e inferiores. Finalmente, na base estão os Arzals, que o Dr. Ambedkar via como o equivalente dos intocáveis.


A religião Sikh, que foi parcialmente construída em oposição ao hinduísmo, recusando a noção de puro e impuro, também é teoricamente oposta a qualquer forma de dominação de casta ou grupo. Mas a maioria dos convertidos vem de castas dominantes, por exemplo, os Jats, a elite rural de Punjab, que mantêm seus preconceitos em relação aos intocáveis. Alguns, portanto, acabaram se organizando em uma comunidade autônoma, em torno de seu próprio gurudwara, o local de culto Sikh.


Única exceção notória: o budismo. Os principais textos dessa religião nascida na Índia foram escritos numa época em que o sistema de castas já estava em voga - e Buda o critica vivamente. Essa rejeição das castas foi o que fez, por exemplo, o dirigente dalit Abedkar converter-se ao budismo no fim de sua vida. Sob sua influência, numerosos dalits e indianos de baixas castas se converteram a partir de meados do século XX, na esperança de escapar de sua condição de casta.


10. As castas estruturam a paisagem política indiana
Nas últimas décadas, pudemos assistir um declínio dos varnas - à exceção talvez dos brâmanes - na dimensão ritual das castas, enquanto os jatis e a identidade sócio-política dos grupos tem se afirmado. Pode ter parecido que nas décadas após a independência, e com o desenvolvimento econômico da Índia, que as castas estavam perdendo terreno. Mas a expansão das cotas para as “outras classes atrasadas”, em 1989, trouxe o debate sobre cotas de volta à vanguarda da arena política, calorosamente contestada pelas castas superiores que se consideravam prejudicadas pela reserva de assentos. Movimentos sociais ou manifestações, ou pior, violências de casta ligada à questão das cotas têm sido numerosas nos últimos anos.


Os indianos continuam a votar em função de sua casta, antes de votar de acordo com sua profissão. Afim de fazer valer seus direitos, certos jati se organizam em grupos políticos. Os partidos de casta se são criados, acabam tendo mais importância a nível regional. No entanto, as castas têm particularidades próprias a cada região, e esses movimentos ficam muito difusos para pesar nas eleições nacionais.


Mas os principais partidos políticos entenderam o interesse de abordar as castas mais baixas e os dalits, que constituem a maioria dos eleitores. Durante as últimas campanhas eleitorais, o BJP, cujo discurso nacionalista e pró-hindu geralmente fala mais às castas superiores, não hesitou em pisar nos canteiros do Partido no Congresso para tentar reunir as vozes dos dalits.


A casta tornou-se um argumento eleitoral por si só, ao mesmo tempo em que a religião ocupa cada vez mais espaço no discurso político, que a chegada ao poder do BJP, o partido nacionalista hindu, encarna plenamente. Apesar disso, o Supremo Tribunal da Índia proibiu em janeiro de 2017 o uso de identidades religiosas e de casta em campanhas eleitorais [7]. Os juízes decidiram que uma eleição ganha solicitando votos de uma determinada casta ou religião poderia ser considerada corrupta, e seu resultado anulado. Mas em um país onde questões de castas e religião também estão ligadas a questões políticas, essa lei pode ser difícil de aplicar.

Mathilde Loire é uma jornalista apaixonada pela Índia, pela cultura pop e as novas tecnologias. Graduada no Centro Universitário de Ensino de Jornalismo (CUEJ), em Strasbourg, viajou pela Ásia em diversas viagens. Originalmente publicado em Asialyst. 31 octobre 2017. Tradução de Antonio P Souza.

Notas
[1] http://constitution.org/cons/india/const.html
[2] https://idsn.org/india-official-dalit-population-exceeds-200-million/
[3] https://indianexpress.com/article/india/india-others/one-in-four-indians-admit-to-practising-untouchability-biggest-caste-survey/
[4] Simplificando, a prática da intocabilidade consiste em recusar-se a receber, ser servido ou até ser tocado (no caso dos brâmanes) pelos intocáveis, por causa de sua alegada impureza.
[5] https://www.lexpress.fr/actualite/monde/asie/inde-deux-intouchables-candidats-a-la-presidentielle_1920713.html
[6] https://www.senat.fr/ga/ga57/ga57_mono.html#toc16
[7] https://www.theguardian.com/world/2017/jan/03/indias-top-court-bans-religion-and-caste-from-election-campaigns