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O perigo Alckmin: Trajetória do ex-governador

Alckmin e a Opus Dei: uma trajetória em quatro tempos

28 de janeiro de 2022

[Muito tem se debatido sobre a possível participação de Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente na chapa de Lula para as eleições deste ano. Trata-se de uma iniciativa coerente com o sentido político que o ex-presidente propõe ao país: um governo de união nacional do "progressismo" com setores de direita para a "reconstrução nacional" pós-Bolsonaro, que também tem atraido lideranças populares de esquerda e até ex-militantes do PSTU convertidos em às ideias de Kautsky. Parece que o voto no ex-presidente provavelmente será a ferramenta disponível para o país encerrar o governo Bolsonaro, mas é igualmente evidente que para muitos na esquerda fora do PT a campanha eleitoral é também o caminho para se integrar ao governo de "reconstrução nacional" com os conservadores.

Outro nome (empresarial?) para vice da chapa não alterará a política definida por Lula, mas Alckmin carrega uma carga simbólica especial de conservadorismo reacionário, mesmo em relação ao que era o PSDB até seus governos, e vale a pena resgatá-la. Abaixo, quatro instantâneos da vida e trajetória política do ex-governador de São Paulo por três mandatos: Eliane Brum e Ricardo Mendonça examinam a relação de Geraldo Alckmin com a Opus Dei, a corrente católica de extrema-direita - a Obra (um dos setores da Igreja que mais combate o Papa Francisco); Marco Aurélio Weissheimer retoma o tema, mas introduz também o tema da sua relação com a botique de luxo Daslu; Gilberto Maringoni entrevista o ex-deputado Renato Simões sobre o passivo do ex-governador na área de direitos humanos e corrupção; e Altamiro Borges volta aos escândalos de corrupção no Metrô de São Paulo na gestão Alckmin. J.C.]

O governador e a Obra

Geraldo Alckmin, pré-candidato à Presidência pelo PSDB, recebe formação cristã do Opus Dei em encontros noturnos no Palácio dos Bandeirantes

Eliane Brum e Ricardo Mendonça, Revista Epoca, janeiro de 2006 

O governador paulista, Geraldo Alckmin, é um dos políticos brasileiros com ligações mais estreitas com a Obra. Elegeu Caminho, o guia escrito pelo fundador Josemaría Escrivá, como seu livro de cabeceira. 'Acostuma-te a dizer que não' é um dos ensinamentos que mais aprecia, conforme contou em entrevistas à imprensa. Um popular sacerdote do Opus Dei, o padre José Teixeira, foi seu confessor. Nos últimos anos Alckmin tem recebido formação cristã no Palácio dos Bandeirantes de um influente numerário, o jornalista Carlos Alberto Di Franco. 'Laboriosidade' foi o tema de um dos últimos encontros.

A reunião é chamada informalmente de Palestra do Morumbi, numa alusão ao bairro onde se localiza a sede do governo do Estado de São Paulo. Alckmin e um grupo de empresários, advogados e juristas recebem preleções de cerca de 30 minutos sobre virtudes cristãs, seguidas de uma troca de impressões. O encontro periódico, realizado à noite, começou numa sala reservada do palácio e depois foi transferido para a ala residencial.

A idéia, segundo Di Franco, surgiu de uma conversa do governador com o padre Teixeira. Alckmin aproximou-se do sacerdote da Obra anos atrás por orientação de sua prima em primeiro grau, a numerária Maria Lúcia Alckmin - que, por coincidência, tem o mesmo nome da primeira-dama. 'Ele me ligou um dia, quando ainda era vice-governador, e perguntou se eu conhecia um sacerdote com quem pudesse se confessar. Eu indiquei o padre Teixeira', conta Maria Lúcia. O religioso promoveu a amizade entre Alckmin e Di Franco. Um dos participantes do encontro, o desembargador aposentado e professor de Direito da USP Paulo Fernando Toledo, diz que o governador tucano é um dos 'alunos' mais aplicados: 'Ele toma nota de tudo'. Outro membro do grupo, José Conduta, dono da corretora Harmonia, relata que Alckmin não faltou a nenhuma reunião, mesmo quando disputava a reeleição, em 2002. 'Me surpreendia o fato de ele encontrar agenda', comenta.

Entre os membros do Círculo, como é chamado o encontro, estão João Guilherme Ometto, vice-presidente da Fiesp, Benjamin Funari Neto, ex-presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, e Márcio Ribeiro, ligado à indústria têxtil. Todos são católicos praticantes e alguns deles colaboradores da Futurong - obra social idealizada pelo padre Teixeira que atende 285 crianças e adolescentes na periferia de São Paulo.

Os laços do governador com o Opus Dei iniciaram-se com a família. Seu tio, José Geraldo Rodrigues de Alckmin (1915-1978), ministro do Supremo Tribunal Federal indicado ao cargo pelo então presidente, general Emílio Garrastazu Médici, foi o primeiro supernumerário do Brasil. Mas foi o pai do governador, Geraldo José, quem lhe trouxe, pela primeira vez, um conselho extraído do Caminho. Alckmin carrega o bilhete com o ensinamento número 702 de Escrivá na carteira há quase 30 anos. O pai não pertencia ao Opus Dei, mas à Ordem Terceira de São Francisco. Quando era prefeito de Pindamonhangaba, em 1978, data do cinqüentenário do Opus Dei, Alckmin homenageou Escrivá batizando uma rua da cidade com seu nome.

Primo do governador, o ex-numerário José Geraldo Alckmin (os nomes José Geraldo e Geraldo José são repassados a cada geração) diz que a ligação se iniciou com a necessidade de anulação do primeiro casamento de dona Lu Alckmin. 'Ela casou-se e foi para Londres com o marido. Quando chegou, descobriu que ele vivia numa comunidade hippie. Voltou para o Brasil e namorou meu primo', conta. 'Como meu tio é muito católico, queria um casamento religioso. Foi aí que entrou o Opus Dei, para obter a anulação.' A prima Maria Lúcia nega que a Obra tenha intercedido junto ao Vaticano. 'Foi um reconhecimento de nulidade do matrimônio e não vejo nenhuma possibilidade de o Opus Dei ter definido isso', afirma. Alckmin e dona Lu casaram-se em 16 de março de 1979.

ÉPOCA solicitou uma entrevista com o governador sobre sua relação com o Opus Dei, por meio de sua assessoria, repetidas vezes. A primeira foi há quatro semanas. Não obteve resposta. Na entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em dezembro, no qual Alckmin anunciou publicamente que era candidato à Presidência, o editor de ÉPOCA Guilherme Evelyn perguntou sobre sua ligação com a Obra. O governador disse apenas que seu tio era do Opus Dei e seu pai franciscano. Em seguida, declarou-se amigo do rabino Henry Sobel e fez uma preleção sobre preconceito e pluralidade religiosos.

 

Entre a Daslu e o Opus Dei

Marco Aurélio Weissheimer, Carta Maior, 18 de janeiro de 2006

Uma pequena nota intitulada "Cruz-credo", publicada no Painel da Folha de São Paulo (17/01/2006), coloca gasolina na fogueira que começa a arder no ninho tucano. "Tucanos viram com apreensão a ligação de Alckmin à prelazia católica ultra-conservadora Opus Dei, feita por revista semanal. Acham que, com sinal trocado, pode causas estragos como a fuga de FHC à questão sobre seu ateísmo em debate de 85", diz a nota. A revista em questão é a Época que em sua edição desta semana traz uma matéria de capa sobre "os segredos da organização mais poderosa e influente dentro da Igreja Católica", o Opus Dei. A matéria de doze páginas conta, entre outras coisas, que o governador paulista é um dos políticos brasileiros com ligações mais estreitas com a organização. Os tucanos ligados a Alckmin desconfiam da autoria da nota, vendo nela as digitais do prefeito de São Paulo, José Serra. Mas, para além da guerra surda que ameaça se alastrar no PSDB, a nota da Folha e a reportagem de Época ajudam a mostrar algumas facetas obscuras do jeito tucano de ser e de agir.

E essas facetas são reveladoras do modo de pensar e agir dos dois principais postulantes tucanos à candidatura presidencial. O governador Geraldo Alckmin, maldosamente apelidado por seus adversários de "picolé de chuchu", oscila entre o elogio do mundo do consumo, dos negócios e das celebridades e pretensões místicas que encontram no Opus Dei um terreno fértil. Vejamos, em primeiro lugar, o terreno mundano. Em junho de 2005, Alckmin desfez o laço da fita de inauguração da Daslu, apontada então como o maior "templo do consumo" do país. Em uma crônica memorável, Mônica Bérgamo, da Folha de São Paulo, descreveu assim o entusiasmo do governador paulista com a nova loja: "E soam os violinos da Daslu Orchestra, formada por 50 músicos. São 12 horas de sábado. Alckmin, que chegou ao prédio de helicóptero, desfaz a fita. A Daslu é o traço de união entre o bom gosto e muitas oportunidades de trabalho, diz. Só para a família de Alckmin são duas: trabalham lá a filha e a cunhada dele, Vera". Apenas alguns meses depois da inauguração, o bom gosto e as oportunidades de trabalho acabaram atingidos por denúncias de contrabando e sonegação.

Anticomunismo e condenação da modernidade

No terreno espiritual, a reportagem de Época, trouxe detalhes sobre o envolvimento de Alckmin com o Opus Dei, criado em 1928 pelo espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer, canonizado pelo papa João Paulo II em 2002. A canonização deu-se em tempo recorde para os padrões da igreja, apenas 27 anos depois de sua morte. Foi um reconhecimento pelos serviços prestados pela ordem ao papado de João Paulo II, particularmente em sua cruzada contra o regime comunista na Polônia e, de um modo mais amplo, contra religiosos e teólogos progressistas ligados à Teologia da Libertação. Segundo o teólogo Juan José Tamayo-Acosta, autor de "Fundamentalismos y Diálogo Entre Religiones", durante seus quase 27 anos de pontificado, João Paulo II pôs em prática a concepção de Igreja própria do Opus Dei: cruzada anticomunista lançada no pontificado de Paulo 6°; condenação da modernidade, na linha de Pio 9° e Pio 10°, por considerá-la inimiga do cristianismo: restauração da cristandade por meio de uma "nova evangelização".

Segundo a matéria assinada pelos jornalistas Eliane Brum e Ricardo Mendonça, nos últimos anos Alckmin vem recebendo formação cristã do Opus Dei em encontros noturnos no Palácio dos Bandeirantes. "Elegeu Caminho, o guia escrito pelo fundador Josemaría Escrivá, como seu livro de cabeceira. "Acostuma-te a dizer que não" é um dos ensinamentos que mais aprecia, conforme contou em entrevista à imprensa", relatam os jornalistas. Um dos professores do governador seria o jornalista Carlos Alberto Di Franco, importante numerário da ordem. Os numerários são membros celibatários que vivem em centros do Opus Dei e cumprem um rígido programa diário de rezas e rituais. Além de dar "formação cristã" a Alckmin, Di Franco é representante no Brasil da Escola de Comunicação da Universidade de Navarra (Espanha) e diretor do Master em Jornalismo, um programa de "capacitação de editores" que já formou mais de 200 cargos de chefia dos principais jornais do país. Ele é um dos executores da política do Opus Dei para a mídia no Brasil e na América Latina.

As palestras do Morumbi

Os encontros com Alckmin no Palácio Bandeirantes receberam o nome de "Palestra do Morumbi" e reúnem um pequeno grupo de empresários e profissionais do Direito. Ainda segundo a matéria de Época, entre outros participam dessas conversas João Guilherme Ometo, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Benjamin Funari Neto, ex-presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, e Márcio Ribeiro, ligado à indústria têxtil. Segundo Di Franco, nessas reuniões são tratados "temas relacionados a práticas ou virtudes cristãs". A revista Época já solicitou repetidas vezes uma entrevista com Alckmin para falar do assunto, mas até agora não obteve resposta. O silêncio e a ausência de transparência são marcas características do trabalho religioso e político do Opus Dei. Enquanto prelazia, uma figura jurídica do Direito Canônico, a organização é totalmente independente de bispos e dioceses, só obedecendo ao seu prelado, cargo que hoje é ocupado por dom Javier Echevarría. Este, por sua vez, só presta contas ao papa.

Não deixa de ser surpreendente que uma das principais lideranças nacionais do PSDB e aspirante à presidência da República tome o Opus Dei como uma referência para sua formação religiosa. Ao menos no papel, o PSDB nasceu como um partido de centro-esquerda que pretendia desenvolver um projeto social-democrata para o país. Mas essa surpresa é apenas parcial. A hegemonia do neoliberalismo nas últimas décadas teve a capacidade de transmutar programas e agendas e hoje a lógica da mercadoria, que tem na Daslu um de seus símbolos mais bizarros, é o verdadeiro programa do partido (aliás, da imensa maioria dos partidos brasileiros, chegando a contaminar inclusive o principal partido de esquerda do país, o PT). Para além das práticas bizarras de mortificação pessoal (como o uso de instrumentos para chicotear as nádegas nuas uma vez por semana), o silêncio, a falta de transparência, a preocupação em influenciar a mídia e o estabelecimento de estreitas relações com lideranças políticas e empresariais mantém uma sintonia fina com a lógica que rege o mundo hoje.

Não tem chicotinho da Louis Vuitton?

Outro traço comum entre o Opus Dei e essa lógica é o desprezo pela imensa maioria dos mortais. Conforme relata a matéria de Época, para os membros da ordem "parte significativa dos católicos não passa de católicos de censo, que servem para expandir as estatísticas, mas seguem apenas as crenças pessoais". No livro de cabeceira de Alckmin, o fundador do Opus Dei manifesta total desprezo a essas pessoas: "Que conversas! Que baixeza e que...nojo! e tens de conviver com eles, no escritório, na universidade, no consultório...no mundo". Cena interessante para uma peça de realismo fantástico: Alckmin convida seus amigos do Opus Dei para uma visita a Daslu. Param diante de uma loja e um dos convidados pergunta: - "Não tem chicotinho da Louis Vuitton?". A frase do espanhol fundador da ordem já foi repetida diversas vezes e com diferentes inclinações no universo Daslu, tendo como alvo do desprezo o "populacho", todos aqueles que não estão a altura de pisar aquele "solo sagrado".

Não consta "e seria ainda mais surpreendente" que lideranças tucanas como José Serra e Fernando Henrique Cardoso mantenham vínculos com o Opus Dei. Mas o silêncio, a falta de transparência, a influência na mídia e o desprezo por aqueles que não são "iniciados" e "bem nascidos" em seu mundo aparecem em propostas como a instalação de rampas anti-mendigos em São Paulo ou em declarações de amizade a Henry Kissinger. A se confirmar as digitais de Serra na exploração das matérias que explicitam as relações de Alckmin com o Opus Dei, saberemos, na verdade, que o prefeito de São Paulo dificilmente poderia participar da organização ultra-conservadora. Em um texto intitulado O otimismo cristão, Josemaría Escrivá diz que a tarefa do cristão é "afogar o mal em abundância de bem". Os desafetos de Serra garantem que ele adota essa máxima, só que em sentido contrário, produzindo abundância de mal para atingir seus objetivos.

Para finalizar, uma reflexão do historiador e crítico social Russell Jacoby para tentar entender essa mistura exótica de social-democracia, Daslu e Opus Dei. Em seu livro O fim da utopia (Record), Jacoby escreveu: "A vitalidade do liberalismo encontra-se em seu flanco esquerdo, que funciona como seu crítico e cobrador. Sempre que a esquerda renuncia a um sonho, o liberalismo perde chão, torna-se flácido, instável". E aponta uma ironia fundamental: "a derrota do radicalismo priva o liberalismo de sua vitalidade". O que dizer da aproximação de uma das principais lideranças políticas do PSDB com uma organização que acredita que chicotear as nádegas nuas uma vez por semana é uma condição para ingressar no reino de Deus? O que dizer da enfurecida reação tucana às investigações da Polícia Federal sobre as práticas da Daslu, para não falar dos discursos deslumbrados durante a inauguração do templo de consumo de luxo ao lado de uma favela? Se é verdade que o PT enredou-se em caminhos que colocaram em risco a sobrevivência da esquerda no Brasil, os caminhos adotados pelo PSDB flertam perigosamente com um fundamentalismo de direita exótico que vai da Daslu a Opus Dei, misturando vestidos da Gucci de 11 mil reais (o mais simples), instrumentos para chicotear as nádegas e rampas antimendigo.

 

“Alckmin é ligado a Opus Dei e não tolera investigações sobre sua atuação”

Gilberto Maringoni, Carta Maior 24 de março de 2006

SÃO PAULO - Nesta segunda parte da entrevista, o deputado estadual Renato Simões (PT-SP) avalia a área de Direitos Humanos do governo Alckmin, suas ligações com a organização católica de ultra-direita, Opus Dei, e lista as principais Comissões Parlamentares de Inquérito, de um total de 69, cuja instalação é bloqueada pelo governador. “Nem mesmo CPIs propostas pelo PSDB são aprovadas”, diz Renato.

DIREITOS HUMANOS

“É um desastre, um retrocesso brutal em relação ao governo Covas. Alckmin não tem o menor apreço pelos Direitos Humanos. Ele introduziu práticas condenáveis e revogou procedimentos positivos, conquistados em governos anteriores. Isso se mede em todas as áreas, como Febem, Segurança Pública, sistema penitenciário, Secretaria de Justiça, políticas sociais etc. O governador nomeou o sr. Saulo de Abreu Filho para a Secretaria de Segurança, em meio a uma grave crise do setor, com carta branca para reprimir brutalmente o que fosse necessário, seja a criminalidade, sejam os movimentos populares. Saulo era um assessor especial do governo designado para resolver problemas na Febem. Ele assumiu a Secretaria, sob o argumento de levar ao órgão o sucesso obtido na Febem. Que sucesso era este? Foi o período em que fugas e rebeliões foram contidas às custas de enorme truculência, com restrição de observação por parte da sociedade e implantação da concepção de que o monitor designado para tratar crianças e jovens é um carcereiro como outro qualquer.

A crise da Segurança, em 2002, teve alguns episódios muito marcantes. Foi a época das mortes dos prefeitos Toninho e Celso Daniel, dos seqüestros de Washington Olivetto e G. Aronson, das mega-rebeliões nos presídios e do crescimento das estatísticas de violência e criminalidade. O Secretário anterior, Marcos Vinícius Petreluzzi, caiu nesse contexto.

Saulo é responsável pela escalada da repressão contra os movimentos populares. No ano passado, uma manifestação dos estudantes das universidades públicas, em volta da Assembléia, foi dissolvida com cassetetes e bombas de gás. A Casa foi invadida pela tropa de choque. Na mesma época, os estudantes da PUC foram violentamente reprimidos na avenida Sumaré e os perueiros, no início do governo Serra (2003), sofreram brutalidades. Em greves pelo interior, a ação da polícia sempre se pauta pela truculência”.

OPUS DEI

“A ligação de Geraldo Alckmin com o Opus Dei é conhecida. Ele não apresenta sequer um verniz social-democrata, como tinha Mário Covas. É uma figura de formação católica rígida. Todas as suas referências familiares são de pessoas extremamente direitistas. O Vale do Paraíba, sua região de origem, é a sede do reacionarismo católico no Estado. A presença da TFP e do Opus Dei na região é muito antiga e forte. Um tio do governador é figura central na organização, em nível nacional. O próprio Alckmin diz que um de seus livros de cabeceira é “Caminho”, do monsenhor espanhol Josémaria Escrivá de Belaguer (1902-1975), fundador do Opus Dei e canonizado pelo Papa João Paulo II.

ÉTICA

Alckmin nunca se submeteu ou deixou prosperar qualquer investigação séria. Na Assembléia Legislativa, nunca permitiu a instalação de nenhuma CPI sobre tema algum. Mário Covas tinha uma relação mais democrática com o Legislativo. Ele fazia o que todo governo faz. Evita as CPIs mais problemáticas e tenta, através da maioria parlamentar, controlar as Comissões instaladas. Havia cinco CPIs funcionando simultaneamente em seu governo, o máximo permitido por lei. Agora temos 69 pedidos parados. Alckmin na prática anulou a ação legislativa. Isso provocou uma reação que dividiu sua base de apoio, no ano passado”.

CPIs

Eis os pedidos mais importantes, que não seguem adiante, graças à mão-de-ferro do governo.

1. CDHU – Companhia do Desenvolvimento Habitacional e Urbano, “Tem por finalidade executar programas habitacionais em todo o território do Estado, voltados para o atendimento exclusivo da população de baixa renda”, segundo sua página na internet. Pedida em abril de 2004, para investigar denúncias de irregularidades. Segundo Renato Simões, “a empresa foi o caixa 2 do PSDB na gestão Mario Covas, quando presidida por Goro Hama. Deixou de ser caixa 2 para ser caixa preta de Alckmin. Investe cada vez menos em habitação. As denúncias são de superfaturamento de terrenos e materiais, compras sem licitação e corrupção de lideranças populares”.

2. FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. Proposta em abril de 2003, para investigar quem lucra com a gestão da Fundação, seu inchaço administrativo, partidarização da gestão, superfaturamento e dispensa de licitação em compras.

3. RODOANEL – Obra que visa criar uma malha rodoviária em volta da Capital, para aliviar o trânsito urbano e dar maior eficiência à circulação rodoviária. Proposta em novembro de 2005, para investigar superfaturamento, pagamentos indevidos por obras não realizadas e uso de material sem especificação própria, o que motivou, em um trecho, afundamento da pista.

4. APROFUNDAMENTO DA CALHA DO RIO TIETÊ – Maior obra do governo. Proposta em junho de 2005. Os dois únicos contratos julgados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) verificaram favorecimento a empresas japonesas indicadas pelos bancos da mesma nacionalidade, financiadores da obra.

5. CESSÃO DE ÁREA PÙBLICA À TV E RÁDIO CANÇÃO NOVA – Proposta em fevereiro de 2006. Uma área do governo do Estado, de 87 alqueires, na cidade de Lorena deveria ser destinada a um dos seguintes empreendimentos públicos: A) Expansão da Faculdade de Engenharia Química de Lorena (Faenquil), a ser incorporada como campus isolado da USP ou da Unesp, B) Finalidade de reforma agrária. “Uma intervenção de Gabriel Chalita, Secretário de Educação e apresentador de programa na emissora, ligada à ala conservadora da Igreja, alterou a destinação pública em favor de interesses privados”.

6. CONTRATOS DE PUBLICIDADE DA NOSSA CAIXA – Proposta em fevereiro de 2006. Os contratos com as agências Full Jazz Comunicações e Publicidade e Colucci Propaganda venceram em 2003. No entanto, o banco seguiu trabalhando e pagando as empresas. “Em maio de 2005, diante de um requerimento da Assembléia, ambas mentiram acerca dos valores cobrados e da realização de um suposto processo licitatório”. Segundo Simões, “uma denúncia anônima relata que esses contratos fazem parte do financiamento da base de apoio ao governo, semelhante ao esquema Marcos Valério. Há denúncias de pagamentos antecipados e favorecimentos, via publicidade, a vários políticos”. Segundo o parlamentar, todas as denúncias que puderam ser investigadas coincidem com a realidade.

7. EXECUÇÕES NA CASTELINHO – Proposta em fevereiro de 2004, para apurar a execução de 12 pessoas, supostamente integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), ocorrida em 5 de março de 2003, próximo a Sorocaba. A área da Polícia Militar responsável foi o GRADI (Grupo de Repressão e Análise de Delitos de Intolerância). Criado com outros objetivos, segundo Simões, suspeita-se que o Grupo atue como cobertura legal para grupos de extermínio. “Ele operaria retirando prisioneiros do sistema carcerário e os infiltraria em quadrilhas, montando emboscadas que resultam em mortes violentas. Estas ocorrem sob o argumento de perdas em combate”.

8. IRREGULARIDADES EM EMPRÉSTIMOS À ELETROPAULO – Proposta em abril de 2003. Deveria investigar o favorecimento da empresa estadunidense AES na compra da Eletropaulo. O diretor do BNDES, à época da privatização, em 1998, Pio Borges da Fonseca, é o mesmo que assessorou a AES na utilização de moedas podres, trabalhando simultaneamente para interesses públicos e privados. Isso resultou num calote milionário ao BNDES.

9. CPI DE 980 CONTRATOS – Todos já julgados irregulares pelo TCE em várias áreas da administração, como Metrô, Cetesb, CDHU, concessão de rodovias etc.

10. ÁREAS CONTAMINADAS – Há cinco pedidos de CPIs sobre esta questão, referentes a mais de 300 áreas contaminadas em todo o Estado, de responsabilidade de empresas de petróleo e química. Destas, 255 já foram identificadas pela Cetesb, em cidades como Paulínia, Santo Antônio de Posse, Mauá e outras.

Há ainda dezenas de pedidos de CPIs referentes a TV Cultura, favorecimento à Coca-Cola, renúncia fiscal e tributária, guerra fiscal, fraudes da empresa Telefônica, futebol e outras. Os proponentes pertencem a quase todos os partidos da Casa, incluindo o PSDB. “Nenhuma foi adiante, por pressão do palácio dos Bandeirantes”, constata Renato Simões.

 

Metrô, mídia e os segredos de Alckmin

A decisão de impor o sigilo a documentos relacionados ao transporte público foi tomada às vésperas das eleições de 2014, com a cumplicidade da mídia.

Altamiro Borges, em seu blog 13 de outubro de 2015

Questionado na Justiça e bombardeado nas redes sociais, o governador Geraldo Alckmin finalmente decidiu recuar na decisão ditatorial de impor sigilo de 25 anos para todos os documentos referentes ao Metrô de São Paulo. Tornados "ultrassecretos", a sociedade teria ainda maiores dificuldades para descobrir os corruptos do "trensalão" - o esquema de propina envolvendo poderosas multinacionais e vários tucanos de alta plumagem - e as razões dos atrasos nas obras deste setor, que causam tantos prejuízos aos paulistas. A sorte do "picolé de chuchu" é que a mídia chapa-branca já tenta aliviar sua imagem. A revista Época, por exemplo, postou no maior cinismo que "Alckmin revoga sigilo de 25 anos dos documentos do metrô" - como se o governador não tivesse qualquer culpa pelo ato suspeito.

O caso é escandaloso. Ele evidencia a total falta de transparência do PSDB e a seletividade da mídia privada. A decisão de impor o sigilo para centenas de documentos relacionados ao transporte público em São Paulo - o que inclui o Metrô, os trens da CPTM e os ônibus intermunicipais da EMTU - foi tomada às vésperas das eleições de 2014, que garantiram a reeleição folgada de Geraldo Alckmin. Os documentos receberam o carimbo de "ultrassecretos", o que significa que só poderiam vir a público após 25 anos. A medida ditatorial, que relembra os piores anos do regime militar e segue os dogmas fascistoides da seita Opus Dei - tão apreciada por Geraldo Alckmin -, só foi revelada nesta semana. Mesmo assim, o governador ainda aguardou três dias para anunciar sua "decisão" de revogar o sigilo. 

Segundo a própria revista da famiglia Marinho, que evita incomodar o tucano, "entre os documentos tornados ultrassecretos estavam relatórios e estudos relacionados ao atraso nas obras do metrô de São Paulo. Também havia documentos que poderiam estar relacionados às denúncias de cartel nas licitações do metrô e CPTM. A lista inclui estudos de viabilidade, relatórios de acompanhamentos de obras, projetos, boletins de ocorrência da polícia e vídeos do programa 'Arte no Metrô'". Pelo teor da "reporcagem", até parece que Geraldo Alckmin também foi pego de surpresa. Ele não sabia de nada. É um santo! "Nós vamos revogar essa decisão do Metrô e só ficará, se houver necessidade, alguma coisa que possa pôr em risco a segurança do usuário", declarou à generosa e cordial revista Época.

Já a Folha - o primeiro jornal a revelar a existência dos documentos ultrassecretos - foi mais dura na critica ao governo paulista. Em editorial nesta quinta-feira (8), o diário da famiglia Frias afirmou que a medida "configura um golpe contra os princípios da publicidade e da moralidade da administração. O vexame aumenta quando se recordam os escândalos das licitações relacionadas ao transporte sobre trilhos em São Paulo". O jornal até ironiza a atitude cínica de Geraldo Alckmin. "Em reação à notícia, o governador saiu-se com uma versão tucana do 'eu não sabia'". Duas dúvidas, porém, permanecem. A Folha só soube agora deste ato autoritário, passadas as eleições de outubro? Ela manterá o tema em destaque ou - como sempre faz com os amigos tucanos - logo vai abafar o escândalo? A conferir!

Trensalão e metrô fantasma

As dúvidas são justificadas. Afinal, a mídia chapa-branca - seduzida pelo Palácio dos Bandeirantes com milionários anúncios publicitários, compras de assinaturas e outras regalias - costuma ser bem seletiva no seu "jornalismo investigativo" sobre os governos tucanos de São Paulo. No caso do setor de transporte, a manipulação é gritante. O escândalo do "trensalão", por exemplo, só veio à tona em decorrência das investigações feitas na Europa, que resultaram num processo de "delação premiada" da Siemens e Alston. Até hoje a imprensa chapa-branca - e não apenas a Folha - evita utilizar o termo "trensalão" e rotula carinhosamente o esquema criminoso de "cartel dos trens". 

Além de abafar a corrupção no setor, ela também evita produzir matérias mais aprofundadas e críticas sobre o caos no transporte público após mais de 20 anos de hegemonia tucana em São Paulo. No final de setembro, por exemplo, o governador Geraldo Alckmin anunciou que o monotrilho da zona leste da capital paulista - uma de suas peças da campanha nas eleições do ano passado - não será mais entregue neste ano. Pela terceira vez, a conclusão da obra foi adiada por mais três anos. Já em agosto, o Metrô confirmou que várias estações da linha 5-Lilás, linha 17-Ouro e linha 4-Amarela, previstas para serem entregues em 2014, tiveram sua conclusão adiada para 2018. Viraram "obras fantasmas"!

Estes novos atrasos confirmam a situação vergonhosa da malha metroviária de São Paulo. Inaugurada faz 40 anos, ela continua irrisória para os 21 milhões de habitantes da região metropolitana. Seus 78 km são os menores do mundo - a Cidade do México, por exemplo, conta com 225 km de trilhos para os 21,4 milhões de moradores. Desmandando no Estado desde 1995, os governadores tucanos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin inauguraram apenas 37,2 km de trilhos - uma média medíocre de 1,9 km ao ano. É o famoso "choque de indigestão" do PSDB, sem planejamento, sem investimento e com várias denúncias de falcatruas encobertas - mesmo antes dos tais documentos ultrassecretos.