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O trauma da segunda onda: quando cresce o medo do futuro

A segunda onda mostra que o verdadeiro trauma não está no passado, mas no futuro. Ao destruir a ilusão da retomada da vida em que todos acreditávamos, ampliou o horizonte do pesadelo.

30 de outubro de 2020

Ansiedade diante dos possíveis fechamentos. O aspecto traumático acompanha todas as possíveis recaídas.

Massimo Recalcati, Repubblica, 30 de outubro de 2020

A primeira onda foi um soco na cara. Com dificuldade suportamos e superamos sua violência. O verão foi vivido como o anúncio do fim de um pesadelo. Por isso, a segunda onda foi tão inesperada quanto a primeira. Ninguém a esperava. Apenas algumas Cassandras insistiam em nos advertir. Mas o ar que respiramos era, sem dúvida, o de um retorno à vida. A privação de liberdade se inverteu em sua mais obtusa reafirmação sem considerar a presença, embora aparentemente silenciosa, do vírus ainda entre nós. A remoção do mal prevaleceu. Não apenas nos negacionistas, mas, basicamente, em todos nós. O parêntese de terror estava se fechando. Estávamos convencidos disso.

A segunda onda era escrita nos livros de história da medicina e das epidemias, mas nunca aconteceria conosco. Com esse exorcismo inconsciente, quisemos esquecer o mais rápido possível o horror que vivemos. Nesse aspecto, a segunda onda parece ainda mais terrível do que a primeira, porque implica o luto da cura. É o caráter traumático que acompanha toda recaída.

O inevitável despreparo que caracterizou a primeira onda revela-se, portanto, também na segunda, mas, desta vez, com o agravante da culpa: sabíamos, mas quisemos ignorar o que sabíamos. Fomos novamente pegos de surpresa, embora a segunda onda já estivesse toda escrita na primeira. A miopia da vida que quer viver para além de sua proteção é uma forma do que Freud chamava de pulsão de morte. A renúncia à prudência que caracterizou nosso verão mostra a alma-cigarra do ser humano que nosso tempo escolheu patrocinar numa única direção.

Cada tímido chamado à cautela era vivenciado como um abuso de poder, expressão de uma ditadura sanitária com traços sádicos. Mas a reafirmação da liberdade sem limites nos jogou de volta no drama. Poderemos aprender alguma coisa com esta lição? Ao ouvir meus pacientes durante a primeira onda, o sentimento que prevalecia era o de perplexidade diante do desconhecido. O sintoma mais comum era o da fuga fóbica e do isolamento social diante do avanço da epidemia. Esse sintoma coincidia com as medidas sanitárias necessárias para desacelerar a propagação maligna do vírus (distanciamento, confinamento, quarentena, rastreamento). Confrontados com a iminência e a incerteza do perigo, encontrar fronteiras seguras teve para muito um efeito des-angustiador.

Na segunda onda, o quadro clínico parece profundamente modificado. O pânico que havia caracterizado as primeiras manifestações sintomáticas individuais e coletivas - o assalto a trens e supermercados - parece assumir nuances mais escuras. Não é mais apenas a resposta ao sentimento de se sentir preso e sem saída (primeira onda), mas é a sensação de precipitar sem nenhuma rede de proteção, abandonados a si mesmos, sem mais futuro. É um pânico entrelaçado com uma experiência profundamente depressiva.

A segunda onda mostra que o verdadeiro trauma não está no passado, mas no futuro. Ao destruir a ilusão da retomada da vida em que todos acreditávamos, ampliou o horizonte do pesadelo. O segundo tempo do trauma é mais traumático do que o primeiro, porque mostra que o mal não se esgotou, mas ainda está vivo entre nós. As esperanças alimentadas pelo verão foram destroçadas. Essa desilusão é o sentimento que hoje prevalece.

É sempre mais difícil levantar-se da segunda queda do que da primeira. É uma lição clínica: o retorno do trauma - sua recorrência - pode ser mais traumático do que da primeira vez. O pânico da segunda onda traz consigo o sentimento de nunca mais poder voltar à vida. Por esse motivo, creio, muitos de meus pacientes deprimidos pedem expressamente para poderem fazer as sessões pessoalmente e não remotamente, como costumava acontecer durante a primeira onda. Eles sentem a necessidade de reduzir a distância, de não se sentirem caindo no vazio da tela. É a condição em que se encontram todas as subjetividades mais frágeis e mais duramente provadas pela crise econômica. Eles tem a necessidade de uma presença tangível que lhes dê apoio imediato, uma cura sem tardar.

Massimo Recalcati é psicanalista italiano e professor das universidades de Pavia e de Verona. Reproduzido de IHU-Unisinos. A tradução é de Luisa Rabolini.