Voltar ao site
OMS: o mundo perante a nova onda de coronavírus

Dois instantâneos do novo quadro da pandemia

19 de julho de 2021

OMS: mundo vive "situação perigosa" e se distancia do fim da pandemia

Jamil Chade, UOL, 19 de julho de 2021

A OMS (Organização Mundial da Saúde) lança um alerta sobre a situação da pandemia da covid-19 no mundo e aponta para um aumento no número de novos casos de contaminação de 11,5% em apenas sete dias. Para a entidade, é "hora de ser honestos" e admitir que não se sabe quando a pandemia vai terminar. 

"Estamos numa situação muito perigosa", disse Maria van Kerkhove, diretora técnica da OMS, nesta segunda-feira em Genebra. "Ainda vemos aumento de mortes e casos", afirmou. Além do aumento da transmissão, os óbitos nos últimos sete dias tiveram uma expansão de 1% no mundo. "Estamos nos distanciando do fim da pandemia", lamentou. Para ela, o vírus continua a manter o controle sobre sua disseminação.

Questionados sobre o fim da pandemia, os representantes da OMS admitiram: não há como saber quando isso vai ocorrer. "Temos de ser honestos com os pacientes: não sabemos", admitiu Mike Ryan, diretor de operações da agência. "O que sabemos é que, se fizermos as coisas certas, vamos terminar com a pandemia mais cedo", disse. Para ele, deve haver maior distribuição de vacinas se o mundo quer ver o fim da crise. 

Por enquanto, porém, os números continuam a crescer. No Sudeste Asiático, o aumento de novos casos em uma semana foi de 12%, contra 21% na Europa.

Nas Américas, a alta em contaminações foi de apenas 0,5% e houve uma queda de mortes de 5%. Mas a OMS alerta que não existe nada a ser comemorado. "Foram quase 1 milhão de novos casos nas Américas e 22 mil mortes. Portanto, ainda estamos longe do fim nas Américas", disse Maria van Kerkhove. 

Ela destacou a existência de 300 mil novos casos no Brasil e apontou como certos países estão "presos" numa situação de "elevada intensidade de transmissão" e não conseguem promover uma queda mais drástica da contaminação. "Isso é preocupante, já que os instrumentos existem", disse.

Mike Ryan também destacou como a região sul-americana tem vivido um prolongado período de intensa transmissão. Ele também destaca como, diferentemente da Europa, a vacinação ainda não garantiu uma queda importante no número de mortes na região. 

Segundo ele, governos não podem depender apenas da vacina para desacelerar o vírus. "As vacinas funcionam. Podem não funcionar perfeitamente. Mas quem está imunizado tem chance muito menor de morrer", disse Ryan.

Mas, segundo o representante da OMS, o mundo está distante de conseguir uma cobertura suficiente para evitar contaminações e mortes. "Só a vacina não funciona", insistiu.

Só controle da pandemia pode relançar economia

Ryan ainda criticou governos que, há um ano, optaram por abrir suas economias. "Foi um tiro no pé", alertou. Sem citar nomes, o representante da OMS insistiu que a evolução da doença mostrou que apenas com o controle do vírus é que a economia pode voltar a crescer. 

Ele admite que certos governos tiveram de abrir suas economias como forma de garantir a renda de sua população. Mas alertou contra líderes que usaram a economia como justificativa. "Isso é uma tolice", criticou. "Se precisar abrir a economia, faça com os olhos abertos, avaliando os riscos", apelou.

A recente alta no número de casos, segundo a OMS, vem ainda da proliferação de novas variantes do vírus. Para a agência, a mutação Delta caminha para ser a versão dominante do coronavírus no mundo, já presente em mais de cem países. Mas a OMS deixa claro que, no atual ritmo de contaminações, essa não será a última mutação.

Além da mutação, a proliferação de aglomerações e o uso errado de medidas sociais, como distanciamento, máscaras e testes, estão contribuindo para uma pandemia que não dá sinais de terminar. A desigualdade no acesso às vacinas ainda é outro fator, considerado como fundamental.

A Europa perande a nova onda de covid

Continente reage de forma desigual ao avanço da variante delta, enquanto ensaia novos métodos para evitar os confinamentos e as restrições drásticas.

Marc Bassets, El País Brasil, 19 de julho de 2021

A pandemia da covid-19 às vezes dá a impressão de ser a história de um eterno retorno. É como se fosse preciso recomeçar cada vez que o vírus parece ter sido derrotado; como se a chamada nova normalidade fosse uma miragem que se afasta no horizonte quando se mostra ao alcance da mão. Foi o que ocorreu nas últimas semanas com algo que não estava nos planos de muitos cidadãos e políticos: a irrupção na Europa da variante delta do vírus, mais contagiosa que as variantes anteriores. Com ela, foi pelos ares a ideia de que estes meses se pareceriam mais com o verão boreal de 2019, quando ninguém tinha ouvido falar do vírus SARS-Cov-2, que com o de 2020, quando os europeus ainda se deslocavam com prudência por seus países e pelo continente, mas com a esperança de que o fim da pandemia seria iminente.

A ideia de que se está voltando à estaca zero é imprecisa, porque, com bilhões de pessoas já vacinadas no mundo e centenas de milhões na Europa, tudo mudou, e o mundo pós-covid-19 está mais perto do que nunca. “Não acho que seja um retorno ao ponto de partida”, tranquiliza o epidemiologista Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra. “Quem está vacinado poderá viver um verão mais ou menos normal”, confia.

Por enquanto não está sendo assim. Após dois meses, entre maio e julho, nos quais os países da União Europeia começaram a suprimir as restrições, cada um ao seu ritmo; após uma primavera em que as engrenagens da economia voltaram a girar a todo ritmo; após semanas de relaxamento coletivo, em que milhões de cidadãos começaram a tirar as máscaras como um ato de libertação... Depois de tudo isto, hoje os casos dispararam: há um mês, eram registradas 38.000 novas infecções por dia em todo o continente (incluindo a Rússia, o país mais atingido, e o Reino Unido); agora são mais de 130.000, segundo dados da agência Reuters. E as restrições voltaram.

Como aconteceu do início desta crise, há um ano e meio, os países europeus e suas regiões não agem em uníssono contra a nova onda. Na Catalunha, na Cantábria e em Portugal, por exemplo, o toque de recolher foi adotado novamente. Os Países Baixos, como outros lugares, voltaram a fechar as discotecas, cuja abertura havia se tornado um símbolo da liberdade recuperada. As autoridades reimpuseram a obrigação de usar máscaras ao ar livre em algumas partes da França especialmente afetadas pela variante, como o departamento (província) dos Pirineus Orientais, na fronteira com a Catalunha.

“O vírus está vivo, então se adapta, procura estratégias de sobrevivência à sua maneira”, constata François Heisbourg, assessor do think tank Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Também os europeus buscam sua estratégia, e não a encontram. “A UE tem competências limitadas em política sanitária”, recorda Heisbourg, “isto é assim, e provavelmente não mudará rapidamente, e menos ainda onde a política sanitária é regional e não nacional”. “Não sei se há uma resposta espanhola à pandemia, mas sei que há uma andaluza, uma madrilenha, uma catalã…”, exemplifica.

Vacinação na França

Em poucos países a nacionalização da resposta é tão evidente, por sua tradição centralista e presidencialista, como na França. Na segunda-feira, o presidente Emmanuel Macron dedicou a parte principal de um discurso televisivo não às reformas econômicas, como previa antes da irrupção da variante delta, e sim às medidas para acelerar a vacinação. A primeira delas é a obrigação de imunização para profissionais do setor sanitário. Essa obrigatoriedade já existe na Itália, ao passo que na Alemanha a chanceler Angela Merkel rejeitou esse caminho. A segunda medida é que ninguém poderá entrar em bares, restaurantes, aviões ou trens inter-regionais se não apresentar um certificado de vacinação ou exame negativo para covid-19.

“Foi um discurso que estabeleceu um rumo, de capitão de navio, não agradável de escutar, mas eficaz”, diz Heisbourg. O epidemiologista Flahault considera que Macron anunciou, sem dizer explicitamente, um novo confinamento geral, do qual só os vacinados estariam isentos. E acrescenta: “A resposta francesa é original, não foi usada em nenhum lugar do mundo e busca tanto aumentar a cobertura com vacinas como confinar, pois só as pessoas com baixíssimo risco de transmissão, já vacinadas, terão direito de ir aos lugares onde houver uma alta contaminação”. Outros países optaram pela pedagogia ou, como a Grécia, por um cheque aos jovens que se vacinarem, para gastar em atividades culturais e nas férias do verão. O método francês é diferente: obrigar com sutileza, ou, como diz Flahault, confinar sem admitir. “É necessária uma taxa de vacinação superior a 90% para ter a esperança de bloquear a propagação do vírus”, avisa Flahault. Atualmente a UE tem quase metade da sua população vacinada; falta um longo caminho por percorrer.

O discurso de Macron motivou reações de protesto: 18.000 pessoas participaram de um ato contra a obrigatoriedade das vacinas no sábado em Paris, segundo o Ministério do Interior, e 96.000 em dezenas de outras manifestações no resto da França. Mas o convencimento foi imediato e maciço. Nos três dias seguintes, 2,6 milhões de franceses marcaram hora pelo site Doctolib para se vacinar. Na sexta-feira foram injetadas 879.597 doses, um recorde. Uma delas foi para Clément Foulon, de 24 anos. “Estou me vacinando para viajar de férias ao exterior e ir ao restaurante com a minha namorada”, dizia ele junto ao centro de vacinação montado em frente à Prefeitura de Paris. “Eu não era muito favorável a me vacinar, queria esperar um pouco”, observa. Mudou de opinião após ouvir Macron. “Não tinha outra opção”, admitiu.

Os europeus enfrentam vários dilemas. Readotar as restrições, como estão fazendo Portugal e Espanha, ou suprimi-las, como fará a Inglaterra a partir desta segunda-feira? Estimular a vacinação com a ameaça implícita de não poder frequentar lugares públicos, como na França, ou por meio da persuasão, como na Alemanha?

“É preciso estimular todo mundo a se vacinar, é a única maneira de sair da pandemia, mas [o certificado covid] não é a ferramenta correta”, argumenta Luiza Bialasiewicz, professora de governança europeia na Universidade de Amsterdã. Bialasiewicz adverte para o perigo de exigir o certificado de vacinação ou exame negativo não só para cruzar as fronteiras nacionais da UE, mas dentro dos próprios países e inclusive de um mesmo bairro, na entrada do cinema ou do bar. “Quem controlará estas novas fronteiras, as dos restaurantes?”, pergunta-se. “Como garantir que quem controla não discriminará certas pessoas, ou que não verificará os documentos de uma maneira aleatória, ou porque não vai com a cara de alguém?”.

Mas o fato é que esse certificado já virou um passaporte, como se vê nos trens que trafegam diariamente entre a Espanha e a França. A cena ocorreu em um de alta velocidade em 2 de julho passado. O trem acabava de entrar em Perpignan, nos Pirineus Orientais, a primeira estação francesa. Os policiais franceses verificaram se os viajantes portavam o certificado com o teste ou a vacinação. Só uma mulher com hijab e vários homens de origem não europeia não o possuíam. Um agente lhes disse que teriam que pagar uma multa de 135 euros (823 reais), e foram obrigados a descer em Perpignan.