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Os 70% em oposição a Bolsonaro vão às ruas?

Já que Bolsonaro não é capaz de ajudar o Brasil a sair da crise, precisamos tirá-lo de lá, o quanto antes.

7 de junho de 2020

Eduardo D'Albergaria, de Brasília, em 6 de junho de 2020

O antipetismo, que se consolidou ao longo dos anos 2010, teve tanta força que aglutinou posições políticas muito diferentes, de Bolsonaro a setores da esquerda, conquistou corações e mentes dos lavajatistas, partido Novo, PSDB e Ciro Gomes (com suas idas e vindas).

E por fim, em 2018, Bolsonaro foi capaz de se colocar como principal porta-voz do sentimento antipetista difuso e acabou eleito presidente da república. Já, naquele momento, fazendo surgir uma nova identidade no imaginário político: o anti-bolsonarismo. Uma frente diversa e progressista que ficou simbolizada pelas marchas do “Ele Não”.
Com a pandemia do Coronavírus, Bolsonaro, sob o argumento de proteger a economia, levou o Brasil a um numero de mortos superior ao de outros países, e, ainda por cima, com um impacto na economia ainda maior.
A gestão desastrosa de Bolsonaro não fez com que ele perdesse seus apoiadores - enquanto não for desmontada a máquina de desinformação nas redes sociais (incluindo o Whatsap), tudo indica que essa base se manterá fiel. Mas, por outro lado, a inabilidade do governo ampliou em muito o alcance político da oposição. Fazendo com que o anti-bolsonarismo passasse a ser algo bem maior do que o setor progressista, já bastante diverso, que lhe dera origem.
A saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça marcou ainda o descolamento de uma parte significativa da direita, que passou a se contrapor ao governo.
Essa composição heterogênea do anti-Bolsonarismo amplificado começa a se expressar em manifestos de personalidades e lideranças políticas e num movimento - que vai se formando - denominado Antifas, com foco nas manifestações de rua.
A esquerda, corretamente, está inserida nessas duas frentes e se vê entrecortada pelos dilemas e contradições dessas duas apostas táticas:

1) Faz sentido assinar manifestos amplos, com setores liberais ou que apoiaram o golpe institucional de 2016, que sequer defendem abertamente o impeachment de Bolsonaro?

2) É hora de se ir para as ruas quando o número de mortos continua a subir e batalhas campais entre policias e manifestantes podem tirar Bolsonaro das cordas?

Se a esquerda quer impedir o fechamento da democracia precisa enfrentar os desafios desse tempo de rearranjo político.
Os manifestos EstamosJuntos, Basta e a hashtag “Somos 70%” trazem um simbolismo importante: marcam o isolamento do Bolsonarismo e demonstram que, se ele avançar em seus projetos autoritários, encontrará resistência de muitos lados.
 

Mas a esquerda não pode ter ilusão. A mídia empresarial e a direita, agora, oposicionista tentarão dar uma cara ao antibolsonarismo que preserve a agenda econômica de Guedes. Por meses tentaram, sem sucesso, domesticar Bolsonaro, e ainda estão com muita dificuldade em apoiar o impeachment – pois sabem que essa resposta incisiva abre portas para a mudança da politica econômica.

Um caminho para que o anti-bolsonarismo amplificado se mantenha como portador de um projeto popular para o país é apostar – com todas as restrições desse momento – em manifestações de rua que sejam pontuais, resguardem os grupos de risco, mas que sejam expressivas. As ruas não podem ser propriedade exclusiva daqueles que pedem o fechamento do Congresso, do STF e a intervenção militar.
Da mesma forma, é preciso compreender que a revolta popular, somada à inexperiência politica dos atores que iniciaram a retomada das ruas (as torcidas organizadas) e a ilusão daqueles que apostam no enfrentamento físico para todas as situações, tendem a transformar as manifestações em batalhas campais.
Um dos braços mais importantes do bolsonarismo é sua influencia nas polícias estaduais (demonstrada com força no motim da PM cearense). Essas polícias têm todo interesse em provocar a escalada da violência, pois sabem que esse é um caminho para tirar Bolsonaro do isolamento e abrir espaço para que ele viabilize seu projeto autoritário.
Então é central que a militância experiente dos movimentos sociais consiga organizar táticas de segurança para os atos – que proteja os manifestantes da repressão policial, mas que também

impeça que até mesmo agentes infiltrados iniciem conflitos físicos.

Em suma, se a esquerda quiser ser protagonista da derrocada do Bolsonarismo, ela precisa fazer convergir movimentos amplos - e cheios de contradições internas - numa agenda para o país que parta de alguns passos iniciais:
1) O antibolsonarismo precisa abraçar a luta pela igualdade racial – em relação aos negros e negras (e nisso o exemplo norte americano inspira), como também do racismo estrutural contra indígenas, massacrados pela agenda econômica e ambiental deste governo.
2) Só é possível garantir isolamento social se a ajuda emergencial continuar a chegar aos mais pobres. As próximas semanas serão decisivas para garantir que ela seja estendida a outros setores vulneráveis, seja mantido o valor atual e que permaneça até o fim da crise sanitária e econômica.
3) Abriu-se uma janela para uma mudança estrutural decisiva: a tributação progressiva. A exemplo do Chile, é hora de se afirmar que os mais afetados pela crise não podem ser aqueles que paguem pela recuperação econômica.
4) As experiências internacionais já demostraram que – enquanto não há uma vacina à disposição - a única forma de proteger vidas e resguardar a econômia é a implementação de uma política que articule testagem em massa e habitação provisória para aqueles que estão contaminados e sem condições de se isolarem. Bolsonaro, que já demitiu dois gestores da Saúde e mantém a pasta sem ministro – enquanto os casos aumentam, e segue com o folclore da
cloroquina, já demonstrou ser incapaz de articular o poder público na implementação dessa agenda.
Já que Bolsonaro não é capaz de ajudar o Brasil a sair da crise, precisamos tirá-lo de lá, o quanto antes.