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Os prenúncios da terceira onda da Covid

Artigos da BBC Brasil, Deutsche Welle e Folha de S.Paulo

22 de maio de 2021

Covid-19: relatório da FioCruz alerta para aumento de casos e risco de terceira onda no país

O mais recente Boletim Infogripe, publicado nesta sexta-feira (21/05) por especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), revela que a situação da pandemia de covid-19 no Brasil voltou a piorar em pelo menos oito Estados.

BBC Brasil, 21 de maio de 2021

Em outros dez, a tendência de queda nos números está se estabilizando, o que também representa uma preocupação.

Os dados analisados compreendem a semana epidemiológica 19, que vai de 9 a 15 de maio.

"Como vem sendo alertado desde a atualização da semana 14, diversos desses estados ainda estão com valores similares ou até mesmo superiores aos picos observados ao longo de 2020", aponta o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, num comunicado divulgado pela própria FioCruz.

"Tais estimativas reforçam a importância da cautela em relação a medidas de flexibilização das recomendações de distanciamento para redução da transmissão de covid-19, enquanto a tendência de queda não tiver sido mantida por tempo suficiente para que o número de novos casos atinja valores significativamente baixos", completa o especialista.

Como o relatório foi feito?

O Boletim Infogripe é publicado semanalmente e avalia as notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

Todos os hospitais do Brasil são obrigados a transmitir ao Ministério da Saúde as informações de pacientes internados com problemas respiratórios.

Esses relatórios são fundamentais para entender a situação da saúde pública no país e lançar mão de políticas capazes de conter surtos e epidemias.

Embora a SRAG não seja sinônimo de covid-19, é de se esperar que, durante uma pandemia, a maioria das hospitalizações por incômodos respiratórios tenha algo a ver com o vírus em maior circulação no momento — atualmente, o Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual.

Os especialistas da FioCruz usam esses bancos de dados públicos para fazer comparações entre as semanas epidemiológicas e ver como o número de indivíduos afetados pela tal da SRAG se modifica com o passar do tempo.

Quais as descobertas do relatório?

O Boletim Infogripe desta semana traz um alerta importante: o sinal de crescimento nos casos de SRAG em oito Estados.

São eles: Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Tocantins, Distrito Federal e Rio de Janeiro

Em duas dessas unidades (Distrito Federal e Rio de Janeiro), a probabilidade de uma nova subida acontece no curto prazo, em três semanas.

Nas demais, esse provável repique pode se consolidar no longo prazo, dentro de um mês e meio.

Um segundo achado importante: em outros dez Estados, que apresentavam anteriormente uma tendência de queda nas notificações de SRAG, foi observada uma interrupção nesse processo, com uma estabilização dos números.

Isso significa que as curvas, antes descendentes, estão se mantendo iguais e podem até voltar a crescer nos próximos períodos.

Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo se encaixam nesse segundo grupo.

Um mesmo cenário (aumento ou reversão na queda dos casos) foi observado em diversas capitais brasileiras e nas macrorregiões da saúde, como aponta o relatório da FioCruz.

O que essas descobertas sinalizam?

Em primeiro lugar, esses indícios sugerem que o retorno às atividades econômicas e sociais aconteceu muito cedo.

Ao primeiro sinal de arrefecimento, muitos prefeitos e governadores aliviaram as medidas restritivas tomadas anteriormente, que reduziram de forma considerável a quantidade de pessoas fora de casa.

Com mais gente nas ruas, o coronavírus também voltou a circular com maior intensidade.

Mais gente infectada, por sua vez, é sinal de uma maior procura por pronto-socorros e postos de saúde, num momento em que as taxas de ocupação de leitos continuam bem longe do ideal.

E isso pode representar uma piora na situação da pandemia nas próximas semanas.

"Tal situação, caso ocorra, não apenas manterá o número de hospitalizações e óbitos em patamares altos como também manterá a taxa de ocupação hospitalar em níveis preocupantes, impactando todos os atendimentos, não apenas aqueles relacionadas à síndromes respiratórias e covid-19", aponta Gomes.

Portanto, um aumento das internações pode aprofundar ainda mais a crise sanitária, aumentar os casos e mortes por covid-19 e levar a um novo colapso do sistema de saúde, o que alguns epidemiologistas encaram como uma "terceira onda".

Alerta ligado há semanas

A título de comparação, na semana epidemiológica 9 (que compreende o período entre 28 de fevereiro e 6 de março), quando o país estava à beira do colapso, a incidência média de SRAG era de 15,5 casos por 100 mil habitantes.

Atualmente, essa taxa está em 11,4, o que é um número extremamente alto na avaliação dos autores do relatório.

Numa reportagem publicada em 30 de abril, a BBC News Brasil ouviu especialistas para entender o que o país deveria fazer para evitar uma eventual terceira onda da covid-19.

À época, o relaxamento das medidas restritivas já chamava atenção de epidemiologistas e matemáticos, que alertavam para uma possível subida nos casos e mortes pela doença.

Os movimentos de prefeitos e governadores foram classificados como "precipitados" e "preocupantes".

"Começamos a viver um cenário parecido ao que ocorreu após a primeira onda, com um platô elevado de casos e mortes. As decisões das próximas semanas serão cruciais para entendermos o que vai acontecer daqui em diante", disse o físico Silvio Ferreira, professor da Universidade Federal de Viçosa.

O epidemiologista Jesem Orellana, da FioCruz Amazônia, já destacava que a queda momentânea e tímida nas estatísticas da pandemia não era algo a ser comemorado.

"Essa queda é esperada e não representa nenhuma vitória sanitária, até porque não estamos tomando medidas de controle efetivas na esfera nacional. Eu estou muito preocupado, inclusive, com a interpretação equivocada do atual momento por nossas autoridades", confessa Orellana.

Os especialistas alertavam para os riscos representados pelas comemorações do Dia das Mães (09/05) e a chegada de temperaturas mais frias, que nos levam a permanecer mais tempo em locais fechados e próximos de outras pessoas.

O que fazer?

Diante de um possível novo aumento, o ideal era que o Brasil adotasse medidas mais rígidas, que envolvessem não apenas uma interrupção das atividades econômicas e sociais, mas também um amplo programa de testagem, isolamento de casos e rastreamento, controle das fronteiras e vigilância genômica de novas variantes.

"Junto com isso, precisaríamos de um Estado empenhado em proporcionar alívio financeiro às famílias em situação de vulnerabilidade e aos pequenos comerciantes e empresários de pequeno ou médio porte", pontua Orellana.

A descoberta recente dos primeiros seis casos no país da linhagem B.1.617, detectada pela primeira vez na Índia, também liga o sinal de alerta e precisa ser acompanhada de perto pelas autoridades sanitárias.

Do ponto de vista individual, é primordial que todos tomem as medidas necessárias para proteger a si e a todos ao redor, que passam invariavelmente por sair de casa o mínimo possível.

Caso seja necessário ir à rua, todas as recomendações de prevenção continuam a valer: use máscaras (de preferência, PFF2 ou N95), mantenha distanciamento físico de pelo menos 1,5 metro de outras pessoas, lave sempre as mãos e dê preferência a locais abertos, bem arejados e com boa circulação de ar.

E, quando chegar a sua vez, vá até o posto de saúde para receber a vacina.

Pela primeira vez, mais da metade dos internados em UTIs tem menos de 60 anos no Brasil

Deutsch Welle Brasil, 22 de maio de 2021

Fiocruz alerta que pandemia está "rejuvenescendo" no país. Dados mostram que mediana de idade de pacientes com covid-19 em UTIs caiu de 68 anos para 58 anos desde o começo do ano.

Pela primeira vez desde o começo da pandemia, mais da metade dos internados com covid-19 em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no Brasil tem menos de 60 anos.

A informação foi divulgada nesta sexta-feira (21/05) pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Boletim Observatório Covid-19.

A análise comparou a primeira semana de janeiro com a primeira semana de maio e verificou que a mediana da idade de internações em UTIs foi de 68 anos para 58 anos. Em relação a internações hospitalares, a mediana caiu de 66 anos para 55 anos.

O boletim também mostra que cada vez pessoas mais jovens estão morrendo devido à covid-19 no Brasil. Em relação aos óbitos, ao longo deste ano, os valores de mediana de idade caíram de 73 anos para 63 anos.

De acordo com a Fiocruz, a pandemia está "rejuvenescendo". Alguns dos motivos para a mudança do perfil dos infectados são a redução dos casos graves em idosos devido à vacinação e a maior exposição dos jovens em razão do relaxamento de medidas de restrições e da necessidade de sair para trabalhar.

A Fiocruz também alertou no boletim que as taxas de ocupação de leitos de UTIs covid-19 para adultos no Sistema único de Saúde (SUS), que vinham mantendo tendência de queda lenta, mas consistente, apresentaram pequenas elevações em muitos estados e capitais na semana de 10 a 17 de maio.

Segundo o boletim, a análise reforça que é preciso ficar atento. "Caso não seja mantida uma queda sustentável, a pandemia poderá retomar a sua expansão", alerta o documento.

No total, o Brasil registra oficialmentemais de 15 milhões de casos de covid -19 e mais de 446 mil mortes. Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 589 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33 milhões) e Índia (26 milhões).

De acordo com a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, cerca de 18% da população brasileira recebeu ao menos uma dose de vacinas contra a covid-19 e 8,5%, as duas.

Mortes por covid-19 param de cair no Brasil e indicam início de nova alta

Nathan Lopes, UOL, 22 de maio de 2021

RESUMO DA NOTÍCIA

Em meados de maio, média de mortes se estabilizou perto de 2.000 por dia

Número vinha caindo após picos registrados no mês de abril

Queda na adesão ao distanciamento social também preocupa médicos

A média móvel de mortes por covid-19 no Brasil parou de cair e já sinaliza que está iniciando uma tendência de alta, rumo que a média de casos já registra desde o final de abril.

O cenário seria reflexo da flexibilizado medidas de restrição em diversos estados, da queda no ritmo de vacinação, e do fato de que, cada vez mais, parte da população tem desrespeitado as medidas de distanciamento social e de uso de máscara.

No último dia de abril, o país tinha uma média móvel diária de 2.523 óbitos. Em 15 de maio, caiu para 1.910 mortes. Desde então, a escalada recomeçou. Em 20 de maio, a média chegou em 1.971. 

Nossa média móvel se estabilizou perto de 2.000 mortes por dia. Isso é alto demais. Alto demais "Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia).

Para o virologista da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), a interrupção na queda já era de se esperar. Ele cita que "houve uma abertura por parte das cidades, dos estados". "E quando isso acontece, comércio reabrindo, as pessoas passam a ter maior mobilidade novamente. E o que se vê é o índice de infecção aumentar." 

O epidemiologista Wanderson Oliveira, secretário de Serviços Integrados de Saúde no STF (Supremo Tribunal Federal), diz que, na medida que se observa alguma redução nos números da pandemia, "a tendência é as pessoas relaxarem um pouco mais". "E acaba tendo mais contato. Depois de quarentena, você tem um aumento esperado." Oliveira esteve no Ministério da Saúde no início da crise sanitária. 

"A população está cansada das restrições, mesmo sabendo dos perigos que corre, com infecções e reinfecções", pontua o infectologista Leonardo Weissmann, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia)."Porém, o vírus se fortalece e circula com maior velocidade quando existe maior circulação de pessoas."

Distanciamento ainda necessário 

Presidente da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), o infectologista Carlos Magno Fortaleza reforça que ainda estamos em um momento com necessidade de restrições para tentar frear a disseminação do vírus, que já matou cerca de 450 mil pessoas no país. "Com essa ilusão que nós não temos de fechar muito, que é impopular, nós prolongamos a agonia sanitária e a agonia econômica. E entra nessa sanfona, que irá até o momento em que tivermos a maior parte da população vacinada."

A média móvel de casos já está em elevação há mais tempo. Em 26 de abril, o cálculo era de 56.106 casos por dia. Quase um mês depois, em 20 de maio, a média diária havia chegado ao patamar de 65.962 novos casos. 

Os especialistas apontam que este já era um sinal de que a situação dos óbitos iria piorar, já que, com mais casos, cresce a quantidade de internações, as quais, em alguns casos, resultam em mortes. No estado de São Paulo, por exemplo, a lotação de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) voltou a ser crítica em algumas regiões.

Oliveira lembra que os números de casos "estão sempre atrasados", porque os dados de hoje são resultado do efeito da circulação do vírus há três semanas. Além disso, também há a subnotificação, o que faz com que o número oficial possa não ser o real sobre a pandemia no país, pela falta de testagem, que deveria ser ampliada.

Cansaço e negacionismo 

Fortaleza vê dois fatores que podem explicar o comportamento da população, mais reticente em cumprir medidas de isolamento: o cansaço e o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Contra restrições desde o início da pandemia, apesar de autoridades sanitárias apontarem que essa é a melhor saída para a crise, Bolsonaro chegou a classificar como idiota quem fica em casa.

Acredito que a maioria dos governadores têm consciência do absurdo que é flexibilizar neste momento. O problema é que a sociedade mesmo se mobiliza contra [as restrições] Carlos Magno Fortaleza, infectologista

Para Fortaleza, "tudo que essas pessoas precisam é de um direcionamento correto e firme" e que não se "pode deixar os governadores sozinhos nessa posição". "A gente precisa que outros players políticos colaborem da mesma forma."

Vacina não libera aglomeração 

O presidente da SPI atestou na prática a falha de comunicação sobre o combate à pandemia. Ele é responsável pelo estudo sobre os efeitos da imunização em massa com a vacina AstraZeneca em Botucatu, no interior paulista, que aconteceu no final de semana passado. 

"Foi só a prefeitura dizer que a população toda seria vacinada e, duas semanas antes [da imunização], a população toda se aglomerou", conta o infectologista. "Nós passamos um caos. Eu passei a noite [de 19 para 20 de maio] toda acordado atendendo paciente que chegava no pronto-socorro." O número de casos e internações por covid-19 teve alta na cidade.

Como leva cerca de três semanas para o imunizante começar a fornecer proteção, Fortaleza diz imaginar que Botucatu ainda viverá "três semanas de pavor, com pessoas se expondo absurdamente porque acham que a vacina liberou para fazer isso". 

Variantes do coronavírus, junto com aglomerações, só reforçam para o infectologista a necessidade de restrições à circulação de pessoas e medidas protetivas. "O lockdown não distingue cepa, variante. O lockdown protege contra qualquer variante. O uso de máscara protege contra qualquer variante. A única coisa que depende da variante é a vacina." Oliveira, por sua vez, reforça essa visão lembrando que a vacina para uma parcela da população só será realidade no final do ano.

Agora, os brasileiros precisam ter ciência de que o "efeito sanfona" nos números continuará "até ter a população imunizada com vacinas eficazes", diz Fortaleza. "Estou falando 'vacinas eficazes' porque, se elas não forem eficazes contra essa variante indiana que já está lá no Maranhão, não vai adiantar nada."

O presidente da SPI diz entender que as restrições "são uma coisa terrível, uma coisa amarga". "Eu tenho, na minha família, um irmão que vivia de alugar geradores para eventos enormes. Passou a não ganhar nada", disse. Por situações como essa, que Oliveira ressalta a necessidade de o governo providenciar um auxílio financeiro, por financiamento ou empréstimo, para empresas, o que permitira que se parasse tudo no Brasil por três semanas. "Se a gente fizer isso, a gente para com a epidemia." 

Fortaleza ainda pontua: "Se nós tivéssemos feito o distanciamento correto, eficaz, efetivo, intenso, coordenado, nacional, seguido de um bom controle de fronteiras, nós já estaríamos com a economia recuperada".