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Por que precisamos barrar a PEC 45?

26 de abril de 2024

Editorial de Insurgência PSOL. 26 de abril de 2024.

Se aprovada, Proposta de Emenda Constitucional vai aumentar ainda mais o encarceramento da juventude negra

O Senado Federal aprovou, no dia 16 de abril, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que insere no artigo 5º da Constituição Federal o crime de posse ou porte de drogas ilícitas e similares em qualquer quantidade. Ainda que esta previsão legal já exista na Lei de Drogas, inseri-la na Constituição Federal amplia o retrocesso, pois vai na contramão do debate sobre a regulamentação das drogas no mundo inteiro. Depois da proposta de privatização dos presídios e estabelecimentos de medidas socioeducativas e a da sanção da lei que muda as regras para a saída temporária de presos, a PEC 45 representa mais uma ameaça ao direito à vida, dignidade e liberdade do povo negro brasileiro.

A constitucionalização do crime de porte e posse de drogas em qualquer quantidade tem o papel endurecer a legislação penal, que subsidia a guerra às drogas operada pela política de segurança pública brasileira. Uma guerra que se materializa no hiperencarceramento e em ações policiais que ceifam vidas nas periferias do nosso país todos os dias, em sua maioria de jovens negros. É a lei de drogas também a maior causa de encarceramento de mulheres em território brasileiro (cerca de 62%), em geral, negras e pobres.

Por isso, é fundamental reconhecer que essa é uma PEC racista! A PEC coloca nas mãos das autoridades policiais e de justiça a responsabilidade de caracterizar subjetivamente o crime de tráfico de drogas, que nitidamente já o fazem utilizando-se de perfilamento racial. A consequência é que pessoas brancas e ricas seguem sendo reconhecidas como usuárias e negros e pobres são condenados por tráfico, mesmo portando quantidades mínimas.

Usuário não é criminoso

Pessoas usuárias de drogas não são criminosas e dependentes químicos não podem ser penalizados por sua condição de saúde. Por isso, é tão preocupante a emenda apresentada pelo senador Efraim Filho, que admite a internação compulsória como uma das penas alternativas. É um retrocesso gigantesco frente às conquistas do cuidado em liberdade promovidas pela Reforma Psiquiátrica há mais de duas décadas. Estabelecimentos penitenciários não são espaços de promoção de saúde, pelo contrário. Violam direitos humanos, dificultam o acesso a tratamentos em caso de dependência e facilitam o crescimento de facções criminosas em seu interior.

Numa votação atropelada, com a presença de apenas 62 senadores, a PEC 45 foi aprovada em 1ª e 2ª votações por uma manobra do presidente da casa, sem considerar o interstício entre votações previsto no regimento interno do Senado. O PT foi o único partido a orientar voto contrário. Já o MDB e a liderança do governo liberaram as bancadas - um erro crasso, e as demais legendas se posicionaram favoráveis à aprovação da PEC. A inércia do governo foi decisiva nessa aprovação, já que ela se deu por apenas 4 votos. Agora, a matéria será objeto de debate da Câmara dos Deputados, onde o PSOL pode ter uma atuação decisiva em sua tramitação.

Queda de braço

É nítido que a pressa em aprovar a PEC 45 tem a ver com a disputa de poder entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Está em debate - e votação - no STF um recurso extraordinário sobre o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que discute exatamente se o simples porte e a posse de drogas para consumo próprio deve ou não ser considerado crime.

Estava se formando uma maioria no STF para o entendimento de que não deveria ser criminalizado. Contudo, o Congresso Nacional expressou indignação com a ideia de que o STF supostamente estaria usurpando o seu papel de legislar - como no caso da admissibilidade do Marco Temporal. Porém, o julgamento no STF estava paralisado porque o ministro Dias Tófolli pediu vistas do processo.

O outro lado dessa disputa acontece agora na Câmara dos Deputados, onde a PEC será votada. Na noite desta quinta-feira, 25, em mais uma demonstração de queda de braço com o Governo Federal, a movimentação do Centrão garantiu o deputado federal Ricardo Salles (PL/SP), ex-ministro do meio ambiente do ex-presidente Jair Bolsonaro, como relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

O deputado já adiantou sua posição favorável à PEC: “Na minha opinião, quem compra produto ilícito é tão bandido quanto quem vende. Logo, a PEC das Drogas faz justiça, equipara o receptor ao vendedor, como em qualquer outro crime”, afirmou Ricardo Salles, que é réu em um processo por exportação ilegal de madeira.

Incidir na Câmara e disputar as ruas

Não é demais dizer que a PEC 45, por si, é inconstitucional porque fere direitos e garantias individuais - como o direito à intimidade e à privacidade - cláusulas pétreas da nossa Constituição Federal. No entanto, não podemos esperar que a proposta seja aprovada no Congresso Nacional para esse reconhecimento junto ao STF, o que poderia levar anos - a exemplo do julgamento do recurso extraordinário que versa sobre a inconstitucionalidade do artigo 28.

Os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil também cumprem um papel decisivo nesse processo, tanto incidindo sobre a base do governo para pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira, a não colocar a PEC em votação, quanto disputando a opinião pública, nas redes e nas ruas. Todos os esforços coordenados são fundamentais para impedir que esse retrocesso avance nesta casa legislativa.

Enquanto os poderes constituídos medem forças, a população mais vulnerável desse país segue lutando pelo direito ao futuro. Agora, é papel do governo Lula se movimentar para barrar mais uma face do populismo penal operado pela extrema direita e o centrão contra o povo negro e pobre brasileiro.

Do lado de cá, seguimos defendendo o direito à vida, à dignidade e uma outra política de drogas no país, com regulamentação da produção e da circulação das substâncias psicoativas, investimentos em educação para o uso de drogas e redução de danos, o cuidado em liberdade e a reparação para os territórios atingidos pela guerra às drogas.