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Raul Zibechi: a rejeição ao emprego, no centro da crise

7 de novembro de 2021

Desde as grandes lutas do movimento operário e sindical dos anos 1960, não se observava um abandono tão massivo de postos de trabalho. Agora, trata-se de um movimento de base, sem direção, mas contundente no sentido de que muitos trabalhadores rejeitam a escravidão assalariada.

Raúl Zibechi, La Jornada, 5 de novembro de 2021. A tradução é do Cepat.

O Escritório de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos publicou um dado, em agosto, que chama a atenção: 4,3 milhões de trabalhadores deixaram seus empregos apenas naquele mês, representando quase 4% da força de trabalho. Não são trabalhadores demitidos por seus patrões, mas que voluntariamente abandonaram o emprego.

Naquele país, desde abril, cerca de 20 milhões de trabalhadores abandonaram seus empregos e houve um recorde de aposentadorias, cujo número dobrou em relação a 2019. Em 38 países da OCDE, são 20 milhões a menos de trabalhadores ativos do que antes da pandemia; 14 milhões abandonaram o mercado de trabalho, não trabalham e nem procuram emprego. Em comparação com 2019, são 3 milhões a mais de jovens entre os que não trabalham e nem estudam.

A construção de moradias caiu ao mínimo não apenas pelo aumento dos preços dos materiais e os atrasos na entrega, mas pela falta de mão de obra. No Reino Unido, existe quase um milhão de vagas de trabalho não preenchidas. Segundo The Financial Times, são necessários 400.000 caminhoneiros na Europa para regularizar o transporte de cargas.

Para o Nobel de Economia Paul Krugman, durante a pandemia, os trabalhadores tiveram um notável aprendizado. A desordem do trabalho criada pela pandemia foi uma experiência em que muitos perceberam, em seus meses de inatividade forçada, o quanto odiavam seus antigos trabalhos.

Desde as grandes lutas do movimento operário e sindical dos anos 1960, não se observava um abandono tão massivo de postos de trabalho. Agora, trata-se de um movimento de base, sem direção, mas contundente no sentido de que muitos trabalhadores rejeitam a escravidão assalariada, conforme Lenin definiu o emprego.

É verdade que após aquele momento luminoso para os trabalhadores, o capitalismo conseguiu recompor a dominação, sobre novas bases como o toyotismo e a automação do trabalho fabril, mas também expulsando camadas inteiras de jovens do mercado de trabalho. As novas tecnologias colocadas a serviço da acumulação de capital precarizaram o emprego e provocaram uma queda dos salários, condições contra as quais agora milhões se rebelam.

Penso que temos algumas coisas a aprender desse movimento. Primeiro, lembrar, em sintonia com Silvia Federici e outras pessoas, que o trabalho assalariado não é o caminho da emancipação, como erroneamente consideramos por muito tempo, em especial nós que viemos do campo marxista. Cada vez temos mais e mais empreendimentos capazes de criar postos de trabalho fora do mercado capitalista, com pequenas iniciativas, tanto na produção como nos serviços.

Centenas de milhares de pessoas realizam trabalhos criados por coletivos autogeridos, que controlam seus tempos e modos de fazer, sem capatazes, nem patrões, baseados na ajuda mútua, na cooperação e no espírito comunitário. Alguém pode dizer que são poucos e marginais, quando se olha para a grande produção do capital, mas se esquece que os movimentos antissistêmicos sempre nascem nas margens, nunca no centro.

O segundo ponto é a importância estratégica dessa forma de trabalho, quando é coletiva. Os povos originários, por exemplo, e muitos camponeses e moradores das periferias urbanas realizam trabalhos não assalariados com os quais conseguem viver dignamente. Existe alguma relação entre a notável capacidade de resistência, de luta e de transformação dos povos originários e o fato de que trabalham comunitariamente?

No Brasil, por exemplo, esses povos representam 1% da população total, mas são o principal ator coletivo contra as mudanças climáticas e a preservação da vida, assim como um sujeito coletivo capaz de interpelar o sistema com força suficiente para que as classes dominantes o considerem um inimigo a ser derrotado.

O terceiro ponto, nessa abordagem, consiste na escala, como nos ensina Fernand Braudel. O capitalismo é filho da grande escala. Recentemente, pôde abrir suas asas com a conquista da América, o que abriu as comportas do mercado global. Em pequena escala, na comunidade, na aldeia, o capitalismo pode, apenas pode, ser demarcado e mantido na linha.

A fábrica, com milhares de trabalhadores, e o campo, com milhares de hectares de monoculturas, precisam ser administrados por especialistas, já que as comunidades não podem controlar a vastidão. Esses personagens são os futuros burgueses, quando chegarem ao poder estatal. Em todo caso, são um obstáculo para as mudanças, conforme demonstram as lutas do século XX.

Estamos em uma curva da história. Diante dos nevoeiros que nos cercam na tempestade, só a ética e uma leitura acertada da história e do presente podem iluminar o caminho dos povos.