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Raymond Williams: 100 anos de cultura e sociedade

30 de agosto de 2021

Raymond Williams continua sendo um autor de leitura obrigatória pelas chaves que oferece para compreender, a partir de uma perspectiva teórica ampla, não apenas fenômenos como o Brexit ou novas formas de comunicação como as redes sociais, mas também a relação profunda e contraditória, mas sempre atual, entre política, cultura e sociedade

Roberto del Valle Alcalá, El Salto, 31 de agosto de 2021. A tradução é do Cepat.

Completam-se 100 anos do nascimento de Raymond Williams (1921-1988), escritor, crítico literário e teórico cultural galês, cuja obra representa um dos momentos altos do pensamento humanístico e social, na língua inglesa, durante a segunda metade do século XX.

Nascido a poucos quilômetros da fronteira com a Inglaterra, em uma família operária ligada à ferrovia e às lutas sindicais dos anos 1920, Williams é uma das figuras centrais da Nova Esquerda e uma referência indispensável na tradição socialista britânica. A publicação de Culture and Society, em 1958, marca um ponto de inflexão na história moderna, tanto da crítica literária como da teoria social.

Reconhecido como um dos textos fundantes do que depois iria se chamar “estudos culturais”, o livro propõe uma reconstrução histórica do conceito de cultura, entendido como resposta às transformações e crises geradas pelo capitalismo a partir da Revolução Industrial. Para Williams, a noção de cultura é holística e dinâmica, acima de tudo uma “forma total de vida” que não pode ser reduzida a artefatos concretos ou textos canônicos.

Nasce, aqui, uma ruptura com a tradição elitista do pensamento cultural inglês, de Matthew Arnold a T. S. Eliot, mas também uma tentativa de atualizar o sentido de uma crítica de raiz romântica aos processos de abstração e “racionalização” da modernidade capitalista. Esta nova ideia de cultura representa, sobretudo, um esforço em reconstruir uma experiência social verdadeiramente inclusiva e democrática, capaz de dar resposta à divisão e fragmentação impostas pela sociedade industrial e suas estruturas de produção e comunicação.

Para Williams, a realidade emergente dos meios de comunicação de massa, sobretudo a partir de meados do século XX, apresenta um desafio social e político de primeiro nível. O grande auge da imprensa popular e de novas tecnologias como a televisão não representa em si um avanço democratizante, mas também não implica automaticamente um ataque aos valores culturais de ordem superior. O que esses desenvolvimentos comunicativos expõem, segundo Williams, é a necessidade de situar a criação e transmissão de experiências e significados coletivos (ou seja, a própria ideia de cultura) no centro dos processos de transformação social.

Não é possível estimar o verdadeiro sentido da aposta teórica de Williams sem entender o contexto de paralisia ideológica em que se encontravam os diversos “socialismos” britânicos nos anos 1950. Por um lado, a crise do stalinismo na esfera do Partido Comunista, cujo ápice se situa em 1956, coincidindo com a repressão soviética da Revolução Húngara. Por outro, a fragmentação no seio do Partido Trabalhista entre “revisionistas” partidários da acomodação ideológica à nova sociedade “opulenta” (teorizada por economistas como J. K. Galbraith) e esquerdistas comprometidos com o programa tradicional de socialização dos meios de produção. Para Williams, nenhuma dessas opções pode, em si, oferecer resposta à necessidade de democratização na vida coletiva, já que todas almejam reproduzir politicamente fórmulas de construção social enraizadas na própria modernidade capitalista

Sua prolífica trajetória, na qual se destacam romances como Border Country (1960) e ensaios como The Long Revolution (1961), The Country and the City (1973) e Marxism and Literature (1977), oferece ao mesmo tempo uma reflexão analítica sobre a problemática associada à ideia de cultura e uma resposta crítica ao imperativo da transformação social.

De fato, toda a obra de Williams pode ser lida como uma tentativa de pensar a sociedade enquanto busca da comunidade através das múltiplas “fronteiras” erguidas pela história do capitalismo. Para Williams, não se trata de recuperar uma essência ideológica ou de fixar uma realidade institucional, mas de medir as fraturas em que repousa a experiência social moderna e buscar fórmulas comuns de recomposição e transformação.

A resposta política, assim como a cultural, não pode ser dada de antemão e precisa ser uma exploração permanente de opções, uma abertura a “múltiplos socialismos”, em que novos desafios históricos e demandas emancipatórias (como o ecologismo, que ocupa um lugar cada vez mais proeminente em seu pensamento, a partir dos anos 1970) possam ter lugar.

Raymond Williams continua sendo um autor de leitura obrigatória pelas chaves que oferece para compreender, a partir de uma perspectiva teórica ampla, não apenas fenômenos como o Brexit ou novas formas de comunicação como as redes sociais, mas também a relação profunda e contraditória, mas sempre atual, entre política, cultura e sociedade.