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Susana Botár: Só a mobilização derrota a reforma administrativa

A luta e os desafios contra a reforma que mais prejudicará os servidores públicos

17 de agosto de 2021

Daniel Lopes entrevista Susana Botár, advogada do Fischgold Benevides Advogados e assessora jurídica da Frente Servir Brasil.

Durante as últimas semanas vivemos retrocessos quase diários aprovados a luz das câmeras instaladas no Congresso Nacional. De atropelos de Lira às respostas da rua, a mobilização pela reforma que mais prejudicará os servidores públicos e toda a cadeia de serviços do estado brasileiro fica fio a fio para ser colocada em pauta com as pressões internas e externas do governo federal, a situação é ainda mais degradante para quem luta pela sua propría estabilizade: os servidores. Que fazer?

Passamos de ano em ano no último período por reformas que prejudicaram os trabalhadores, da Trabalhista a Previdência, em que passo a PEC da Reforma Administrativa avança essa agenda de retrocessos?

Susana Botár - A PEC 32, de fato, é mais um enorme retrocesso, mas a vejo como um perigo ainda maior do que as outras reformas. Na trabalhista e previdenciária, em que pese as evidentes perdas para a classe trabalhadora, a essência da CLT ainda foi mantida, assim como a estrutura básicas dos regimes de previdência. A exemplo, o regime de capitalização das aposentadorias, modelo fracassado que levou milhares à pobreza no Chile e defendido pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, não foi aprovado. 

Já no caso da PEC 32, ela tem o potencial de não apenas desvirtuar, mas de realmente destruir o modelo de Administração Pública estabelecido na Constituição de 1988 e que vinha sendo aperfeiçoado ao longo dos últimos 30 anos. A título ilustrativo, a PEC 32 autoriza a completa privatização dos serviços públicos por meio de “instrumentos de cooperação” com entidades privadas, mesmo com fins lucrativos, e a precarização das relações de trabalho também no serviço público, com o fim da estabilidade e do concurso público como regras.

Cada vez mais o sucateamento dos servidores é evidente, vemos a pressão para mais cargos comissionados e menos técnicos, além da agenda de privatizações. É preciso em algum nível fazer uma "contrarreforma" administrativa?

Há um consenso hoje de que é preciso melhorar a Administração Pública, mas claramente não é este o objetivo desta Reforma Administrativa. A PEC 32 é uma mistura de estado mínimo com patrimonialismo e autoritarismo, ou seja, de Paulo Guedes com Bolsonaro, o pior dos mundos: praticamente se acaba com Estado e, do que sobrar dele, reparte-se entre os amigos, com cargos comissionados e rachadinhas, e, para quem discordar, demissão, já que a estabilidade praticamente acabou. 

E nem mesmo sob o ponto de vista de justiça fiscal a PEC é promissora, porquanto para além de que não foram feitos quaisquer estudos ou avaliações técnicas de real impacto orçamentário-financeiro, a Reforma tende a aumentar o gasto público e a corrupção. Apenas a título ilustrativo, com a PEC 32, mais de 1 milhão de cargos comissionados ficarão à disposição para livre indicação política e troca de favores. Além disso, as classes de fato mais privilegiadas não são abarcadas pela Reforma Administrativa, que mira diretamente na base do serviço público, em especial de servidores estaduais e municipais, com perdas de direitos, inclusive para os atuais servidores.s

Uma Reforma Administrativa realmente útil sequer dependeria de uma PEC, que é muito mais difícil de aprovar, o que evidencia que a escolha deste caminho mais tortuoso se deu com o intuito apenas de retirar garantias constitucionalizadas, como a estabilidade. Precisávamos, na realidade, de um pacote de leis ordinárias e complementares voltadas a disposições constitucionais nunca ou ainda mal regulamentadas, a exemplo da avaliação dos servidores e dos próprios serviços públicos pelos usuários, e a implementação de mais ferramentas de gestão pública e de controle, bem como de mais financiamento público, para combater o sucateamento que o serviço público vem sofrendo.

Hoje a PEC  tramita a passos lentos na câmara, vemos que o Governo Bolsonaro tem certa dificuldade junto ao Centrão de avançar com consenso na pauta, como é possível avançar a luta contra sua aprovação?

O Presidente Arthur Lira está decidido a votar a Reforma Administrativa o quanto antes, mais especificamente em agosto, pois, com as eleições de 2022 chegando, ele sabe que isso reanimará o mercado financeiro para apoiar Bolsonaro, em que pese os erros imperdoáveis do governo. Mas Lira também sabe que, mesmo com um Congresso reformista, aprovar a Reforma não é fácil.

Por isso, é urgente que não só os servidores públicos das esferas federal, estadual e municipal, em especial aqueles de menores salários, porque são eles os mais gravemente atingidos pela Reforma Administrativa, mas também todos os cidadãos se mobilizem já contra a PEC 32, porquanto a sua aprovação dará fôlego à reeleição de Bolsonaro.

Se conseguirmos pressionar os parlamentares para que este projeto não seja aprovado até novembro, depois disso, há remotas chances de que ele continue a andar. Por isso, é preciso mobilização total nestes 3 próximos meses, que serão fundamentais. É como uma maratona, não podemos desistir agora. Só a mobilização pode parar esta PEC.