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Transfronteiriças: por um primeiro de maio feminista e internacional

As greves e lutas das mulheres estão mais vivas que nunca

28 de abril de 2020

Dezenas de coletivos feministas de todo o mundo estão divulgando esta semana um manifesto das feministas por um 1º de Maio de luta, feminista e internacionalista. O texto abaixo foi produzido por uma articulação de feministas que nasceu em Santiago do Chile, em janeiro passado, em meio ao II Encontro Plurinacional das Mulheres (chilenas) que Lutam. Participam da articulação internacional agrupamentos e movimentos de Argentina, Alemanha, Andorra, Bélgica, Bolívia, Brasil, Chile, França, Estado espanhol, Itália, Estados Unidos, Holanda, México, Suíça e Kurdistão. Este manifesto pelo 1º de maio é a segunda iniciativa daquela articulação, da qual as mulheres da Insurgência são co-fundadoras, assim como outras militantes de vários países da IV Internacional.

As greves e lutas feministas estão mais vivas que nunca

Nesta data histórica, que une mulheres e homens trabalhadores de todo o mundo na luta pelos seus direitos, as feministas do mundo inteira estão chamadas, como uma força transfronteiriça e como memória das lutas recentes, a convocar:

Por um 1º de Maio Feminista Transfronteiriço!

Continuamos a levantar fortemente a nossa voz perante a urgência de denunciarmos juntas e juntos que estamos perante uma crise na reprodução da vida, que torna ainda mais precário e intenso o trabalho produtivo e reprodutivo que nós mulheres, lésbicas, travestis, trans, queers e não binárias fazemos. É por isso que precisamos de nos organizar e lutar juntas.

A pandemia global da COVID-19 tornou ainda mais visível não só a crise capitalista e do patriarcado, como também a urgência de transformar a sociedade e suas desigualdades como um todo. Milhões de trabalhadoras/es durante esta pandemia continuam a trabalhar nos armazéns logísticos sem proteção e com salários baixos. As condições de trabalho dos migrantes tornam-se ainda mais precárias e as várias medidas que mantêm a irregularidade da migração, como a regularização seletiva nos EUA, Europa e outras regiões, são implementadas apenas para intensificar a superexploração.

Milhões de profissionais da saúde e trabalhadoras labutam sem parar, com salários baixos e sem condições decentes, pondo todos os dias em risco suas vidas. Milhares de trabalhadoras domésticas são despedidas sem receberem quaisquer benefícios. Milhões de mulheres estão sobrecarregadas com trabalho de cuidados e milhões de trabalhadores informais, da classe trabalhadora, precários e precárias estão desempregados. A crise pandêmica mostra claramente que os empregos necessários para a reprodução social são os mais explorados, feminizados, racializados e precários.

Ao mesmo tempo, o atual confinamento mostra que milhares de mulheres, lésbicas, travestis e transexuais não podem ficar em casa e proteger a sua saúde porque têm de continuar a trabalhar. Às/aos que ficam em casa, o sistema patriarcal liberta-os/as dos cuidados dos idosos e das crianças mais vulneráveis, colocando um fardo sobre o trabalho doméstico para o qual nunca houve um limite de horas ou de salários. Para muitas, as casas não são lugares seguros, porque isso significa estar exposta à violência dos seus parceiros todos os dias. O feminicídio e a violência contra as mulheres e as pessoas LGBTQI+ têm se intensificado nesta crise, cuja gestão da segurança omite esta realidade. Quanto às mulheres com alguma diversidade funcional, cujos cuidados e vida quotidiana estão sujeitos a ritmos muito particulares, o seu papel na sociedade é invisível.

Recusamo-nos a deixar o futuro assemelhar-se a este presente e recusamo-nos a regressar à normalidade neoliberal, cuja insustentabilidade se revela nesta crise. Lutamos para acabar com o extrativismo, a pecuária industrial em grande escala e a produção alimentar, que subordina todas as espécies vivas e a terra aos lucros do capital.

Estamos hoje lutando para sobreviver no meio de uma pandemia, mas estamos também nos organizando agora para enfrentar as consequências de longo prazo que isso terá nas condições econômicas e de sobrevivência de milhões de pessoas em todo o mundo.

Não queremos sair desta "emergência" ainda mais endividada/os e precária/os! Exigimos que a riqueza seja utilizada para garantir que nenhuma pessoa fique sem um rendimento ou seja forçada a endividar-se para sobreviver. A riqueza será para sustentar a vida e deixar de ser apropriada por uma minoria privilegiada. Exigimos que o acesso ao sistema de saúde seja garantido gratuitamente e que os direitos de saúde mental, sexual e (não) reprodutiva sejam reconhecidos como direitos essenciais, porque o confinamento obrigatório não pode ser uma desculpa para não podermos decidir sobre o nosso corpo e para garantir a nossa autonomia.

Nos bairros populares, há ruídos contra o feminicídio e redes de autodefesa contra a violência masculina. Nas comunidades, as mulheres indígenas, que sempre lutaram contra a destruição do planeta, enfrentam um estado que se aproveita do isolamento para implantar projetos extrativistas. Em todas as prisões, os e a encarceradas denunciam as condições desumanas de detenção e a falta de proteção sanitária. Por todo o lado, os migrantes revoltam-se contra a superlotação dos centros de detenção e reclamam os seus papéis, sem os quais as suas vidas, ainda mais com esta pandemia, estão sujeitas a condições de exploração e violência crescentes. Em fábricas e armazéns, explodem greves exigindo que funcionem apenas atividades essenciais, sustentadas em condições dignas.

Nos últimos anos, a greve feminista tem sido a ferramenta que tem unido as nossas lutas a nível global e nos permitido rejeitar a violência patriarcal na sua dimensão estrutural: em casa, nas ruas, no local de trabalho, nas fronteiras. Na greve dos dias 8 e 9 de Março passado, transbordamos as ruas com o nosso poder feminista, milhões de nós em todo o mundo. Durante a pandemia e nos próximos meses, o processo de insubordinação alimentado pela greve feminista transforma o nosso trabalho reprodutivo num campo de luta para desafiar a divisão sexual e racista do trabalho e para exigir a socialização do trabalho assistencial. Queremos cuidados de saúde abrangentes e o reforço dos serviços básicos

Exigimos que todas as tarefas não essenciais para sustentar e cuidar da vida sejam suspensas: ou os postos de trabalho são duradouros ou não são! Exigimos o fim da subordinação, da exploração, da precarização. Exigimos também que nos seja assegurada proteção contra o vírus em trabalhos essenciais.

Queremos subverter tudo para pôr fim à violência patriarcal e racista da sociedade neoliberal, para podermos abortar em segurança, livremente e de graça, para não nos endividarmos ainda mais, para termos as nossas liberdades. O que a greve feminista global nos ensinou foi que quando estamos juntos somos fortes e agora, mais do que nunca, temos de levantar a mesma voz, mais forte, a fim de evitar a fragmentação que a pandemia parece impor.

Queremos uma saída feminista transfronteiriça da crise para não voltarmos a uma normalidade feita de desigualdades e violência. No dia internacional das mulheres e dos homens trabalhadores, vamos gritar toda a nossa raiva contra a violência de uma sociedade que nos explora, oprime e mata.

No dia 1º de Maio, mais do que nunca, dizemos que as nossas vidas não estão ao serviço dos seus lucros. No dia internacional das mulheres e dos homens trabalhadores afirmamos mais uma vez que a sociedade pode ser organizada sobre novas bases, que é possível uma vida sem violência patriarcal e racista e livre de exploração.