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Vacinação e racismo

Manifesto da Coalizão Negra por Direitos

19 de junho de 2021

A Coalizão Negra por Direitos vem a público apresentar este manifesto sobre as relações diretas entre a vacinação contra a COVID-19 e seus reflexos na vida e na saúde da população brasileira. O histórico da escravização no Brasil e os processos de atualização e novos mecanismos e tecnologias para manutenção do racismo na sociedade fazem com que a população negra ainda seja violentada pela falta de acesso a direitos básicos. Somos a maioria nas favelas, em situação de rua, trabalhos precarizados e nas prisões e também a maioria das vidas abreviadas pela gestão racista e genocida da pandemia do coronavírus.

A incidência e a mortalidade pela COVID-19 em um país onde o racismo estrutura as relações sociais e que é marcado por fortes desigualdades é muito maior na população negra. Os dados reforçam a afirmação de que a pandemia, causada pelo coronavírus, tem consequências mais graves e fatais sobre os corpos e vidas negras, mais afetos a comorbidades específicas, como a hipertensão, diabetes e anemia falciforme. O racismo segue sendo um dos temas centrais na conjuntura brasileira, e os dados de mortes causadas pela COVID-19 apontam isso. 

Há, da parte do governo federal, uma estratégia deliberada de retenção das informações sobre a pandemia, gerando a escassez de dados transparentes e precisos. Estudo realizado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde Pública da PUC-RJ demonstra que as desigualdades raciais permeiam a pandemia e reforçam a crise social, política e econômica. Apesar de a primeira pessoa a receber a dose da vacina contra a COVID-19 ter sido uma mulher negra, essa não é a realidade do processo de vacinação no país, pois, segundo os dados do levantamento realizado pela Agência Pública, em março de 2021, para cada pessoa negra que recebeu uma dose, duas pessoas brancas são vacinadas. As desigualdades causadas pelo racismo são tão latentes que, em um país de maioria populacional negra, com 119,2 milhões de pessoas (IBGE, 2019), somente 1,7 milhões de pessoas negras receberam a vacina, enquanto 3,2 milhões de pessoas brancas foram imunizadas. 

A população negra também foi a mais afetada pelas consequências sociais e econômicas da pandemia. Com o avanço da precarização do emprego e a baixa remuneração, e com a retração e o desmonte de políticas públicas de acesso à renda, como o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial, a fome e a falta de moradia são elementos que marcam a gestão genocida da pandemia. 

Um outro agravante é vermos o Plano Nacional de Imunização – PNI, historicamente reconhecido pela universalização do acesso à vacinação, romper com o princípio da equidade, um dos pilares do Sistema Único de Saúde, o SUS, ao permitir que grupos e segmentos corporativos tenham prioridade no processo de imunização, mesmo que estes não façam parte dos segmentos reconhecidamente vulneráveis a essa doença. Essa quebra da equidade teve como consequência a paralisação do critério idade na vacinação, sabidamente um dos fatores de morbidade e mortalidade por COVID-19. 

Reconhecer o dado da realidade de que a pandemia acirrou as desigualdades que acompanham a história da sociedade brasileira e adotar medidas efetivas para prevenir o adoecimento e morte de pessoas negras pela COVID-19 é essencial para que a vacinação possa ser efetivamente utilizada como um instrumento de estratégia de imunização coletiva. 

Em vista desses dados alarmantes e da necessidade urgente de preservar a vida de pessoas negras através de sua priorização no processo de vacinação, a Coalizão Negra Por Direitos vem assinalar a importância de que as autoridades governamentais observem a realidade e o quadro de desigualdades raciais vigente para tornar o processo de vacinação menos nocivo à população negra. Desse modo, torna-se imprescindível considerar o seguinte: 

1. Que a expectativa de vida de pessoas negras é sabidamente menor que a de pessoas brancas;

2. Que pessoas negras são mais afetadas por comorbidades específicas que as incluem nos grupos de risco; 

3. Que as pessoas negras estão majoritariamente sujeitas a condições precárias de trabalho e que são a maioria dos trabalhadores em serviços essenciais; 

4. Que as pessoas negras estão majoritariamente sujeitas a moradias precárias;

5. Que as pessoas negras estão majoritariamente sujeitas a grandes deslocamentos pelas cidades do Brasil e mais expostas à contaminação.

Assim, a Coalizão Negra Por Direitos vem a público externar sua preocupação com a condução da política de combate à pandemia na forma em que vem se realizando. Entendemos que a população negra, o grupo majoritário mais afetado pela crise da COVID-19, merece atenção prioritária para que o atual quadro de desigualdade de tratamento seja enfrentado com parcimônia e equidade. 

Sobre a Coalizão Negra Por Direitos

A Coalizão Negra Por Direitos reúne 200 organizações, grupos e coletivos do Movimento Negro Brasileiro para promover ações conjuntas de incidência política nacional e internacional. As entidades definem estratégias para intensificar o diálogo com o Congresso Nacional e com instituições, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a pauta racial, além de fortalecer ações nos estados e municípios brasileiros nesse sentido.

Em: https://coalizaonegrapordireitos.org.br/2021/06/18/vacinacao-e-racismo-manifesto-da-coalizao-negra-por-direitos/