Voltar ao site

A China é capitalista: por um antiimperialismo não nacionalista

Estudioso do gigante asiático, Friedman diz que, em última análise, a pergunta é se acreditamos que o Estado chinês e sua oposição à ordem liderada pelos EUA incorpora uma política libertária

17 de agosto de 2020

Eli Friedman*, publicado em Spectre Journal e em Europe Solidáire Sans Frontière, em 15/7/2020

A China do século XXI é capitalista. Isto significa uma transformação dramática para um país que, em fins dos anos 50 do século passado, havia basicamente eliminado a propriedade privada dos meios de produção, e que, até a década seguinte, se engajava numa das experiências políticas mais radicais do século XX. Apesar da profunda reorganização das relações de produção nos últimos quarenta anos, o Partido Comunista (PCC) mantém seu monopólio do poder e ainda é declaradamente socialista, embora agora com "características chinesas".

O caminho comunista da China ao capitalismo trouxe séria confusão para a esquerda (tanto dentro da China como globalmente) quando se trata de caracterizar o atual estado de coisas. Explicar esta questão é criticamente importante para a prática anti-capitalista, o que se torna ainda mais evidente devido ao crescente poder global do dragão asiático. Em última análise, trata-se de saber se acreditamos que o Estado chinês e sua oposição à ordem liderada pelos EUA incorpora uma política libertária.

Se, numa outra visão, entendemos a China não como uma tentativa de transcender o capitalismo, mas como uma competição fechada com os EUA pelo controle do sistema, isto leva a uma conclusão política muito diferente: devemos traçar nosso próprio curso de libertação radical, independente e oposto a todas as potências estatais existentes.

Os sinais do capitalismo chinês são abundantes. As metrópoles do país estão adornadas com Ferraris e lojas Gucci, logotipos corporativos nacionais e estrangeiros em neon se confundem no horizonte, há moradias de luxo em todos os grandes centros urbanos. A rápida evolução da China de um dos países economicamente mais iguais do mundo para um dos mais desiguais, sugere grandes mudanças estruturais. Podemos também ver a adesão da China à OMC, a insistência do governo de que o país é de fato uma economia de mercado, ou a defesa que, em Davos, Xi Jinping fez da globalização e de que o mercado desempenhe um "papel decisivo" na alocação de recursos, como evidências de que o Estado está abraçando o capitalismo. Da mesma forma, pode-se encontrar expressões culturais generalizadas que sugerem uma orientação capitalista subjacente, incluindo a valorização do trabalho árduo, um consumismo crasso e o culto ao gênio único dos heróis corporativos, desde Steve Jobs até Jack Ma.

Seria um erro, entretanto, confundir tais efeitos do capitalismo com o próprio capitalismo. A fim de chegar a uma visão mais completa sobre como o capital passou a ser o princípio orientador do estado e da economia da China, precisaremos sondar mais profundamente.

Economia, Trabalho, Reprodução Social

Ao propor uma crítica radical do capital, poderíamos, como Marx poderia sugerir, partir da mercadoria. Uma mercadoria é algo que é útil para alguém e contém um valor de troca. Sob um sistema capitalista de produção, o valor de troca domina, ou seja, é o lucro e não a utilidade que determina a produção das coisas. Marx começa o Capital com uma análise da forma da mercadoria porque ele acreditava que isso nos permitiria desvendar a totalidade do sistema capitalista.

 

Se olharmos para a China contemporânea, não há dúvida de que a produção de mercadorias foi universalizada. Isto é evidente nas vastas cadeias de fornecimento transnacionais que estão centradas na China, onde a exploração dos operários das fábricas que produzem tudo, desde celulares e carros até equipamentos médicos, vestuário e móveis, enriqueceu as corporações tanto nacionais quanto estrangeiras, resultando em um boom de exportação de proporções sem precedentes. Os gigantes tecnológicos chineses como Tencent, Alibaba, Baidu e ByteDance são distintos das empresas do Vale do Silício em alguns aspectos importantes, mas têm em comum seus esforços para produzir uma tecnologia que se orienta, antes de tudo, para a mercantilização da informação. Da mesma forma, as bolhas imobiliárias recorrentes e as empresas de desenvolvimento massivamente lucrativas sugerem que a habitação está sendo produzida em resposta às oportunidades do mercado. Em uma grande variedade de setores, é claro que a produção está orientada, antes de tudo, para gerar lucro, em vez de responder às necessidades humanas.

Talvez seja óbvio que a única razão pela qual centenas de milhões de pessoas tenham feito a escolha por assalariamento em fábrias e escritórios é porque não conseguem sobreviver nas áreas rurais empobrecidas de onde saem, e são obrigadas pelas forças do mercado a buscar trabalho nos centros urbanos.

 

Embora uma análise da produção de mercadorias seja esclarecedora, é mais potente politicamente abordar a questão do outro lado: em vez de perguntar o que o capital exige para assegurar sua própria expansão contínua, deveríamos perguntar como os seres humanos sobrevivem. Como então o proletariado chinês – um grupo de pessoas cuja única propriedade produtiva é sua própria força de trabalho – assegura sua própria reprodução social? A resposta é, como em qualquer outra sociedade capitalista, que os proletários devem descobrir alguma forma de se apegar ao capital se quiserem viver. Necessidades básicas como alimentação, moradia, educação, assistência médica, transporte e tempo para lazer e socialização não são garantidas como uma questão óbvia. Pelo contrário, a grande maioria das pessoas na China só pode garantir tais itens se primeiro forem capazes de se tornar úteis para o capital.

 

A sociedade chinesa é, naturalmente, altamente heterogênea, atravessada pela divisão sócio-econômica e pela consequente diversidade em estratégias de subsistência. A categoria demográfica e politicamente mais relevante para elucidar o argumento em questão é a do trabalhador migrante. Consistindo em quase trezentos milhões de pessoas que vivem fora de seu local de registro doméstico oficial (hukou), esta é uma força de trabalho gigantesca e a espinha dorsal da transformação industrial da China. Uma vez que um trabalhador migrante deixa seu local de registro hukou, ele abandona qualquer direito de reprodução subsidiada pelo Estado, tornando-se efetivamente um cidadão de segunda classe dentro de seu próprio país.

 

As relações de trabalho capitalistas foram politicamente controversas quando apareceram na China no final dos anos 70, pois muitos no PCC ainda apoiavam o sistema maoísta de "tigela de arroz de ferro", de emprego vitalício. Mas nos anos 90, esse debate já havia sido encerrado, sinalizado mais claramente pela Lei Trabalhista de 1994, que estabeleceu uma estrutura legal para o trabalho assalariado. Em vez de abrir um mercado de trabalho altamente regulamentado no molde social-democrata (como era o desejo de muitos reformadores), o trabalho foi mercantilizado sem regulação, permanecendo altamente informal. Mesmo após a implementação da Lei de Contratos de Trabalho de 2008, que se concentrou especificamente no aumento da prevalência dos contratos de trabalho legais, o número de trabalhadores migrantes com contratos caiu ao longo do início dos anos 2010, chegando a apenas 35,1% do total com cobertura formal em 2016.

 

Os trabalhadores sem contrato não gozam de proteções legais, o que torna extremamente difícil lidar com as violações dos direitos trabalhistas. Além disso, o seguro social – incluindo seguro-saúde, pensões, seguro contra acidentes de trabalho, desemprego e "seguro de nascimento" – é garantido somente pelo empregador. Ser relegado à informalidade trabalhista produz outras formas de exclusão e dependência do mercado para as pessoas que vivem fora de sua área de registro no hukou. Se, por exemplo, um não-local quer matricular seu filho em uma escola pública urbana, o primeiro requisito é produzir um contrato de trabalho local. Somente esta determinação expulsa de fato uma grande maioria de migrantes da escola pública.

 

Embora os mecanismos de distribuição nominal de bens públicos, como a educação, variem muito de acordo com a cidade, a lógica geral é aproveitar aqueles que o Estado determinou serem úteis para melhorar a economia local. Muitas grandes cidades têm planos "baseados em pontos", nos quais os candidatos devem acumular pontos baseados em uma série de métricas orientadas ao mercado de trabalho (por exemplo, nível mais alto de educação, certificações de habilidades, prêmios "trabalhador modelo") a fim de ter acesso aos serviços públicos. Todos os demais são deixados à mercê dos caprichos do mercado.

 

A situação dos proletários urbanos que trabalham no mesmo local que seu registro hukou é um pouco diferente, e certamente melhor do ponto de vista material. Eles têm acesso ao ensino público, possivelmente alguns subsídios habitacionais, e têm muito mais chance de ter um contrato de trabalho legalmente obrigatório. Os benefícios sociais na China não são generosos, e os gastos sociais como parte do PIB estão muito abaixo da média da OCDE, mas os residentes urbanos têm mais chances de ter acesso a eles. Profundas desigualdades de classe e regionais, assim como problemas fiscais, assolam o sistema. Como resultado, não há dúvida de que mesmo estes grupos relativamente privilegiados devem se tornar úteis ao capital a fim de garantir a si mesmos assistência médica adequada, moradia decente ou segurança na aposentadoria. O programa de subsistência dibao não é suficiente, nem se destina a apoiar a reprodução a um nível socialmente aceitável.

 

Poder político

Não apenas a economia chinesa é capitalista, como o Estado chinês é gerido e se movimenta no interesse geral do capital. Como em qualquer outro país capitalista, o Estado chinês tem sua autonomia relativa e pode-se discutir se os Estaos Ocidentais ou o chinê têm mais autonomia. Mas é suficientemente evidente que o Estado atingiu a estrela do valor capitalista, o que provocou uma profunda mudança na governança. Um exemplo particularmente notável foi a violenta repressão policial da greve de 40 mil trabalhadores na fábrica de calçados Yue Yuen (de capital de Taiwan) – a ironia histórica da intervenção da polícia de choque em nome dos capitalistas taiwaneses não se perdeu para os trabalhadores.

 

Esta lógica centrada no capital é abundantemente visível na política do chão de fábrica. A China tem visto uma explosão de insurgência operária nas últimas três décadas, e o país é o líder mundial em greves “selvagens”. Como o Estado reage quando os trabalhadores empregam a tradição de reter seu trabalho frente ao capital? Mesmo com as greves tendo inevitavelmente cada uma suas características específicas, a polícia intervém quase exclusivamente em nome do patrão, um serviço que a repressão estatal presta tanto a empresas privadas nacionais como a estrangeiras e estatais. Houve incontáveis ocasiões em que a polícia ou bandidos patrocinados pelo estado usaram da coerção para quebrar uma greve. Se a greve coloca elegantemente a questão: "De que lado você está?", o Estado chinês mostra nitidamente qual é o lado dele.

A violência do Estado também tem sido empregada no policiamento dos trabalhadores informais no espaço público urbano. A tão famosa chengguan, uma força para-policial formada em 1997 com o objetivo de fazer cumprir regulamentações não-criminais, emprega métodos chocantemente coercitivos para tirar os vendedores ambulantes e outros informais das ruas. A brutalidade regularizada gerou uma animosidade profunda e generalizada entre os trabalhadores informais do país, e os tumultos anti-chengguan são generalizados. No exemplo talvez o mais espetacular e violento, trabalhadores migrantes em Zengcheng, Guangdong,, saíram às ruas em massa em 2011 quando um rumor se espalhou de que uma mulher grávida havia abortado após ter sido agredida durante uma operação da chengguan. Após dias de distúrbios generalizados, o Exército de Libertação do Povo derrubou violentamente a insurreição.

Se pensarmos no capital não apenas como uma relação econômica baseada na exploração, mas uma relação política na qual o trabalho é subordinado, existem outras formas importantes nas quais a ação estatal é consistente com a lógica do capital. Nem bem a China estava embarcando em sua transição capitalista, em 1982, Deng Xiaoping decidiu retirar da constituição o direito à greve. Articulada a essa restrição aos direitos trabalhista, há a proibição expressa de auto-organização dos trabalhadores.

O único sindicato legal é a All China Federation of Trade Unions, uma federação explicitamente subordinada ao PCC e implicitamente subordinada ao capital dentro do local de trabalho. É prática comum que os gerentes de RH de empresas sejam nomeados como presidentes de sindicatos de nível empresarial sem sequer uma tentativa de simular a participação democrática dos trabalhadores. Demais será dizer que os trabalhadores não vêem esses sindicatos como representando seus interesses, e os esforços para construir organizações autônomas têm sido enfrentados com severa repressão.

A subjugação política do proletariado se estende também às estruturas formais do Estado. Como com todos os cidadãos, os trabalhadores não têm capacidade de auto-organização na sociedade civil, de formar partidos políticos ou de exercer qualquer tipo de delegação política, portanto, dependem inteiramente da boa vontade do PCC para representá-los. O partido não pretende mais representar os interesses dos trabalhadores e camponeses contra seus inimigos de classe, desde a admissão de capitalistas no partido e o avanço do conceito de "Três Representações" sob Jiang Zemin. Ele tem como objetivo representar os "interesses fundamentais da esmagadora maioria do povo da China". Tudo, em combinação com a proibição efetiva do Estado de reconhecer antagonismos de classe, é claro que a base social do governo de partido único passou por uma profunda contrarrevolução.

Mesmo uma avaliação superficial da constituição social do governo central revela que o capital não só tem bom acesso ao poder estatal, como é fundamentalmente inseparável do poder estatal. O número de representantes dos "trabalhadores da linha de frente" no Congresso Nacional do Povo (NPC) caiu para apenas 2,89% na sessão de 2003-8, um declínio dramático desde os anos 70. Uma concentração surpreendente de plutocratas no NPC e no Congresso Político Popular Chinês é o maior indicativo da formalização do poder político do capital: em 2018, os 153 membros mais ricos desses dois órgãos do governo central tinham um patrimônio estimado em 650 bilhões de dólares.

A legislatura procurou incorporar pessoas que fizeram seus bilhões no setor privado, como Pony Ma, chefe da gigante da internet Tencent. Mas a intersecção entre o poder econômico e político funciona também na outra direção: a família de Wen Jiabao (ex-primeiro ministro) alavancou suas conexões políticas para construir um imperio familiar com patrimônio calculado em US$ 2,7 bilhões. No século XXI, o capital gera o poder político assim como o poder político gera o capital.

Isto é certo: as falsas promessas do Estado chinês de guiar unilateralmente o mundo para um futuro socialista devem ser totalmente rejeitadas pelos anticapitalistas. A afirmação do partido governista de que a China é socialista simplesmente não é confirmada pela realidade. Há, porém, algumas características da economia que são bastante diferentes do país capitalista modal em 2020 (ainda os EUA) e, portanto, merecem um pouco mais de atenção.

O envolvimento do estado na economia

Não há dúvida de que a intervenção do Estado chinês na economia é mais extensa do que na maioria dos países capitalistas. Mas se nos preocupamos com o capitalismo em geral, em vez de sua forma neoliberal relativamente nova, a China não parece ser tão excepcional assim. As empresas estatais chinesas contribuem com 235 a 28% do PIB, um valor certamente elevado para o mundo de hoje. Mas dirigismo não é novidade para o capitalismo, aparecendo não apenas na França, como em vários países fascistas, na Índia pós-independência, e até mesmo em Taiwan controlado pelo Kuomintang – na ilha, as empresas estatais contribuíram com quase um quarto do PIB do país até os anos 80. A intervenção do Estado orientada para o aumento da eficiência, rentabilidade e previsibilidade não é antitética ao capitalismo, mas um componente necessário.

Voltando mais uma vez à perspectiva dos trabalhadores, veremos que a diferença entre o capital estatal e privado é mínima. Dezenas de milhões de trabalhadores do setor estatal foram demitidos nos anos 90 e início dos anos 2000 como parte da campanha do Estado para "esmagar a tigela de arroz de ferro". Lançando-os em um mercado de trabalho para o qual eles estavam totalmente despreparados, esta campanha de privatização gerou crises de subsistência e resistência maciça entre os antigos senhores da nação.

Após esta onda de retração e roubo de pensões dos trabalhadores e outros bens públicos, as demais companhias de propriedade estatal foram submetidas a "orçamentos duros" e a forças de mercado, inclusive em seus regimes trabalhistas. Como o sociólogo Joel Andreas documentou amplamente, as experiências reconhecidamente imperfeitas com a democracia no local de trabalho na era Mao foram evisceradas pela mercantilização, e os trabalhadores das estatais estão agora igualmente subordinados à administração como em uma empresa privada equivalente. Estas empresas não são de forma alguma propriedade pública - elas pertencem e são controladas por um estado irresponsável.

A questão da terra é relacionada ao anterior, mas distinta. De fato, todas as terras urbanas são propriedade do Estado enquanto todas as terras rurais são propriedade coletiva dos residentes locais. Mas, como um enorme volume de pesquisas tem demonstrado, a separação entre os direitos de uso e os direitos de propriedade tem dado origem a usos inconfundivelmente capitalistas da terra. Nas cidades isto significou um boom historicamente sem precedentes na construção de habitações-mercadoria, totalmente orientadas pelos sinais do mercado. Os governos urbanos são altamente dependentes, do ponto de vista fiscal, dos lucros dos leilões de terrenos, provocando um estreito alinhamento do governos locais com os dos incorporadores.

Os a hukou têm direito a um lote de terra, mas raramente ela é suficiente ou de qualidade suficiente para sustentar a reprodução social – como a migração e massa para as cidades sinaliza. A expansão das enormes cidades resultou em desapropriação em massa dos camponeses. Assim como os trabalhadores nas empresas estatais, os camponeses têm pouca capacidade de exercer supervisão ou controle sobre suas terras (nominalmente) de propriedade coletiva, e os líderes da aldeia falam em nome do coletivo. A conseqüência tem sido ciclos intermináveis de desapropriação de terras em que os camponeses geralmente recebem uma fração do valor de mercado de suas terras, enquanto que os quadros e os promotores ganham dinheiro.

Finalmente, para aqueles que mantêm terras rurais, a agricultura na China passou por uma profunda transformação capitalista, com os direitos de uso da terra sendo consolidados pelo agronegócio, enquanto vários insumos também são comercializados no mercado. O fato de essas terras serem mantidas formalmete como “coletivas” tem pouco efeito para impedir a “capitalização” do campo. A lógica da produção de valor, capitalista, tomou a economia e Estado, reformulando dramaticamente a estrutura social da China.

Mas a compreensão das relações de classe da China contemporânea é apenas um primeiro passo. Uma avaliação mais completa da complexa constituição de classe e de outras formas de hierarquia social, baseadas em raça (etnia), gênero, geografia (região) e cidadania, é necessária para formular uma resposta política adequada ao momento atual de profunda crise. Toda uma série de questões práticas urgentes não pode ser resolvida com base apenas na análise de classe, para não falar das estruturas liberais ou etno-nacionalistas dominantes.

Como devemos interpretar os esforços do Estado chinês para acelerar politicamente a resistência social em Hong Kong? E suas promessas de anexar Taiwan? E os projetos colonialistas de transplantar populações inteiras da etnia han em Xinjiang (província do extremo noroeste, originalmente de maioiria uigur) e no Tibete? O enorme crescimento do investimento global sob a Iniciativa Bel and Roads (Cinturão da Seda) é uma indicação de um império capitalista emergente? O que é uma resposta propriamente radical, anti-nacionalista e anti-imperialista à intensificação do conflito EUA-China?

Estas são algumas das perguntas mais urgentes que a esquerda enfrenta hoje, e não há respostas simples. Mas isto é certo: são as falsas promessas do Estado chinês de guiar unilateralmente o mundo para um futuro socialista. As palavras de Marx n’ A Ideologia Alemã ainda soam verdadeiras hoje em dia:

"O comunismo não é para nós um estado de coisas que deve ser estabelecido, um ideal ao qual a realidade [terá] que se ajustar. Chamamos de comunismo o verdadeiro movimento que suprime o estado atual das coisas".

Por mais reconfortante que seja confiar que uma superpotência emergente construirá o mundo que queremos, isso é uma ilusão. Teremos que construí-lo por nós mesmos. (Tradução Ana C. Carvalhaes)

(*) Eli Friedman é professor associado de Trabalho Internacional e Comparativo na Cornell School de Relações Industriais e Trabalhistas. Ele é autor de Insurgency Trap: Política Trabalhista na China Pós-Socialista (ILR Press, 2014) e co-editor de China on strike: Narratives of Workers' Resistance. (Haymarket, 2016).