Entre 2013 e 2019, o equivalente a 32 milhões de hectares de florestas tropicais foram desmatadas ilegalmente para produção de itens como soja, carne bovina e óleo de palma. Brasil é um dos líderes no ranking.
Duda Menegassi, O Eco, 24 de maio de 2021
Mais de dois terços das florestas tropicais do mundo exploradas pelo agronegócio entre 2013 e 2019 foram devastadas de forma ilegal para a produção de itens como carne bovina, soja e óleo de palma. Os dados são de um estudo divulgado nesta terça-feira (18) pela Forest Trends. Com o título de “Colheita ilícita, bens coniventes”, o relatório revela como a produção da agricultura comercial foi o motor de 60% de toda área florestal perdida no planeta, o equivalente a 46,1 milhões de hectares, da qual 69% dela foi desmatada de forma ilegal, o que corresponde a 32 milhões de hectares – uma área maior que o estado de São Paulo. A maior parte do desmatamento ilegal identificado no estudo ocorreu em dois países: Brasil e Indonésia.
O estudo destaca ainda que 31% dessa área de floresta explorada pelo agronegócio no mundo – legal ou não – foi exportada para outros países, bem distantes das áreas de florestas tropicais devastadas, como Estados Unidos, China, Reino Unido e países da União Europeia. Um dos objetivos do relatório é justamente revelar até que ponto os itens agrícolas produzidos na América Latina, Sudeste da Ásia e África e exportados para todo o mundo estão relacionados à destruição ilegal de florestas. O Brasil, por exemplo, é visto como um país de alto risco de exposição ao desmatamento ilegal, pois em 2019 no mínimo 95% do desmatamento foi feito de forma criminosa.
Por ano, as produções do agronegócio, com destaque para carne bovina, cacau, soja e óleo de palma, derrubam 4,5 milhões de hectares de florestas tropicais de forma ilícita, o que corresponde a uma área maior que o estado do Rio de Janeiro desmatada de forma ilegal anualmente. Esta derrubada é responsável ainda pela liberação de 2,7 gigatoneladas de emissões de carbono por ano e um dos principais fatores de liberação de gases de efeito estufa nestes países detentores das florestas, como o Brasil.
Outro ponto destacado pelo relatório é a aceleração da perda florestal. Entre 2000 e 2012, a média era de 7,2 milhões de hectares de floresta tropical destruídos por ano no mundo. Este volume teve um salto e aumentou 52% no período entre 2013 e 2019, que apresentou um volume médio anual desmatado de 10,9 milhões de hectares por ano. Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo (RDC) juntos foram responsáveis por 51 por cento de toda a perda de floresta tropical entre 2013 e 2019. Todos os três viram aumentos na perda anual média (de 14 por cento, 17 por cento e 162 por cento, respectivamente ) durante este tempo, alerta o relatório.
A porcentagem de áreas desmatadas ilegalmente pelo agronegócio também aumentou, de 3,5 milhões de hectares por ano entre 2000 e 2012 para pelo menos 4,5 milhões de hectares anuais entre 2013 e 2019, um crescimento de 28%.
“Todos nós devemos ficar chocados com o fato de a derrubada ilegal de florestas para o agronegócio ser o maior impulsionador do desflorestamento e que isso não para de crescer. Se não interrompermos urgentemente este desmatamento ilegal, não teremos a oportunidade de vencer as três crises que a humanidade enfrenta: mudança climática, perda da biodiversidade e novas pandemias,” afirma Art Blundell, que chefiou o estudo da Forest Trends.
Para determinar o grau em que os produtos agrícolas, consumidos internamente e no exterior, são cultivados em terras de florestas desmatadas ilegalmente, os autores examinaram dados disponíveis sobre desmatamento ilegal em 23 países com cobertura florestal do Sudeste da Ásia, América Latina e África.
Somente em 2019, 55 bilhões de dólares em exportações dos 23 países do estudo de caso estavam relacionados à destruição de florestas tropicais para a produção de dez itens básicos, a maioria dos quais cultivada na América Latina e Ásia, aponta o relatório, que destaca que consumidores da Europa, Reino Unido, China, Estados Unidos ou outro que importe esses produtos, correm o risco de conivência ao adquirirem esses produtos em seus países.
“O relatório traz um alerta aos países importadores no sentido de ampliar a conscientização e informação de que estão contribuindo diretamente com o aumento de desmatamento por commodities (carne, soja, madeira, óleo de palma, cacao, café, etc), sendo que 69% de florestas tropicais destruídas entre 2013 a 2019 ocorreu de forma ilegal. No Brasil, por exemplo, segundo dados do INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] foram desmatados 9.9 milhões de hectares na Amazônia entre 2007-19 e só em 2020 se desmatou mais 1.1 milhão de hectares.
Assim, o aumento na pressão dos mercados consumidores pode contribuir para medidas de comando e controle, e para frear o desmatamento no Brasil. É um grande desafio, pois o Brasil está sofrendo uma desestruturação da política de meio ambiente. Exemplo em curso são as leis de Licenciamento Ambiental (PL 3729/04) e a da Regularização Fundiária (PL 2.633 e PL 510), quadro que praticamente anula a governança e governabilidade do Brasil sobre o desmatamento. Então é necessário que medidas sejam tomadas nos países compradores, como por exemplo, exigências de certificado de origem, e leis que criem salvaguardas efetivas para evitar que os commodities exportados do Brasil, assim como de outros países, não causem desmatamento como está ocorrendo atualmente. O estudo revela um dado assustador, 95% do desmatamento no Brasil ocorreu de forma ilegal, assim como 89% na Colômbia, e 50% no Peru”, ressalta José Roberto Borges, diretor da Iniciativa Comunidades e Governança Territorial, da Forest Trends. O relatório aponta ainda que, no Brasil, 25% das áreas de floresta transformadas pela agricultura foram para produtos de exportação (leia na íntegra).
A cultura do agronegócio mais associada ao desmatamento ilegal é a soja, que também é usada para alimentar o gado e outros animais, com cerca de 93% do cultivo em terras desmatadas de forma ilegal; empatada com o cacau, também com 93%; e seguido de perto pela carne bovina, com 91%; e pelo couro, com 87% de produção em áreas deflorestadas de forma ilícita. Os pesquisadores alertam que o impacto de outros produtos básicos, tais como café e milho, está em crescimento. Entre os países estudados, o Brasil lidera nas exportações de soja, carne bovina e couro.
“O problema é mais complexo, não se pode apenas responsabilizar as grandes empresas. Existe uma divisão dentro do setor do agronegócio, o produtor na ponta e as empresas que vendem insumos (tratores, fertilizantes, traders). O produtor rural na ponta não está cumprindo com a legislação e não quer recuperar vegetação nativa, atualmente o governo os incentiva neste sentido. Já o agronegócio que está mais organizado, por exemplo, pela Associação Brasileira do Agronegócio, tem uma visão mais conectada com o mercado global, com os consumidores mais responsáveis, mas é o setor menos expressivo do agronegócio brasileiro”, analisa José Roberto Borges.