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Aldear a política: Carta dos povos indígenas ao povo brasileiro

APIB se pronuncia sobre as eleições nacionais e estaduais de 2022

16 de fevereiro de 2022

Brasília. APIB, 8 de fevereiro de 2022.

Parentes e parentas, 

Considerando a situação que vive nosso país e particularmente os nossos povos, diante das políticas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro e em razão das eleições para Presidente e cargos legislativos, fazemos o seguinte chamamento.

Cenário de Morte

Nunca, na história democrática dos últimos 34 anos do Brasil, os direitos dos nossos povos foram tão vilipendiados como foi no atual governo de Jair Bolsonaro. Um projeto político autoritário, ditatorial e fascista foi colocado em prática para destruir o Brasil. O direito sagrado à vida foi menosprezado com sua política negacionista frente à Pandemia da Covid- 19 que levou a morte  mais de 600 mil pessoas no Brasil, dentre essas parentes nossos. Tal política foi caracterizada por nós e pela maioria da população de genocida e implicou na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no âmbito do Senado Federal, que recomendou o indiciamento de 66 pessoas, incluindo Bolsonaro, por crimes que vão de corrupção na compra de vacinas ao negligenciamento de políticas na saúde que aumentaram casos de contaminação e morte por Covid-19, no Brasil.

Com sua política econômica ultraliberal, de favorecimento do capital privado, e de abertura da economia ao capital estrangeiro, provocou um país mais desigual, com o aumento do desemprego, da inflação, da pobreza, da miséria e da fome. 

Com relação aos nossos povos, considerados por esse governo como minorias inferiores, houve um desmonte sem precedentes das instituições e políticas específicas conquistadas por nós a partir da Constituição de 1988. Recordamos a extinção dos colegiados em que participavamos para incidir na definição dessas políticas que nos dizem respeito. A Funai, entregue ao controle dos ruralistas, eximiu-se da sua missão institucional de proteger e promover os nossos direitos, especialmente o nosso direito às nossas terras, que como outros territórios e áreas protegidas sofrem as consequências da política de devastação deste governo, omisso e incentivador de crimes cometidos por garimpeiros, grileiros e madeireiros, dentre outros invasores.

Eleições 2022

Diante desse cenário de abandono e de morte, particularmente neste ano de eleições, certamente é fundamental continuarmos a protagonizar as mobilizações que tornaram visíveis, em nível nacional e internacional, as violações recorrentes dos nossos direitos.Seguiremos nossa resistência secular a todos esses atropelos, despojos e destruições que as elites, mancomunadas com poderes do Estado, continuam a praticar contra nós, e ainda com o cinismo de muitas vezes querendo nos convencer de que vivemos num “Estado de Direito”, na verdade, erguido somente para elas.

O ano de 2022, em que essas mesmas elites tentarão mais uma vez se perpetuar no poder, não pode mais ser visto apenas como um cenário de disputa político-eleitoral, mas também de disputa de projeto do país que queremos, no qual sejamos respeitados como povos diversos e diferenciados. Este é o momento em que todos os setores democráticos e populares devem se unir para construir uma força política e social capaz de gerar mudanças profundas nessa situação de degradação econômica, política, social, ética, cultural e tecnológica em que o Bolsonarismo afundou o país. Para isso, além da organização e mobilização das nossas bases, precisamos nos atentar à necessidade de ampliarmos as nossas lutas no campo institucional.

A nossa opção será sempre pela eleição de um candidato a presidente da República que tenha compromisso com as lutas e reivindicações históricas das maiorias oprimidas e excluídas, e pela eleição de candidaturas aos parlamentos, estadual e nacional, que se identifiquem com a defesa da democracia, da justiça social, dos direitos humanos, do meio ambiente, da soberania nacional e dos nossos direitos fundamentais.

Como parte importante desse horizonte, mais do que nunca, faz-se necessário lutar contra as desigualdades no processo eleitoral e no sistema político brasileiro. Historicamente somos invisibiliazdos, geralmente em razão da nossa identidade étnica, e por conta do racismo institucional, do preconceito e da discriminação que induzem a sociedade a ignorar a nossa condição de sujeitos políticos, protagonistas do nosso destino. O resultado dessa exclusão é a sub-representação gritante dos nossos povos nos parlamentos, situação que atinge também as mulheres e os negros.

Com essa configuração, nos Parlamentos, principalmente no Congresso Nacional, os prejuízos contra os nossos direitos são imensuráveis. Donos ou representantes do capital (do agronegócio, da mineração, do sistema financeiro, e tantas outras empresas privadas), aprovam a seu bel-prazer leis antipopulares, voltadas a garantir as suas metas de lucro e acumulação, mesmo que isso signifique, como verificou-se nos últimos anos, o roubo, a degradação e devastação dos nossos territórios e da Mãe Natureza como todo.

A presença indígena, através dos nossos representantes nesses espaços fará muita diferença, como foi atestado no último período pela aguerrida atuação parlamentar  da nossa primeira  deputada federal eleita, Joênia Wapichana, que desdobrou-se e batalhou até a exaustão para brecar iniciativas legislativas que visavam regredir ou suprimir os nossos direitos consagrados na Constituição Federal de 1988.

Dessa forma, parentes e parentas, considerando que 2022 será um ano de eleições para cargos de deputados estaduais e federais, senadores, governadores e presidente da República, a APIB chama a todos os povos, organizações e lideranças indígenas do Brasil a intensificarmos o trabalho de base. É preciso que cada Estado tenha candidaturas indígenas dispostas para disputar e conquistar nestas eleições o direito de ocupar cargos nos parlamentos estaduais e no Congresso Nacional. É preciso entender as novas regras sobre coeficiente eleitoral e montar estratégias para viabilizar nossas lideranças nesta disputa, que segue sendo desigual. Vamos somar nossas forças em candidaturas conectadas com nossas bases e lutas do movimento indígena para darmos continuidade na nossa resistência ancestral.

VAMOS ALDEAR A POLÍTICA. Por um parlamento cada vez mais indígena! 

Brasília – DF, 08 de Fevereiro de 2022.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB