Voltar ao site

Bolsonaro costura discurso para candidatura em 2022

2 de junho de 2021

Sem convencer como inimigo do vírus, presidente aposta em dados positivos da economia

Igor Gielow, Folha de S.Paulo, 2 de junho de 2021

Depois do Bolsonaro da gripezinha em março de 2020 e do presidente tentando adequar seu discurso à tragédia nacional, a Planalto Vídeos Caseiros entrega ao país o candidato à reeleição de 2022.

O pronunciamento feito por Bolsonaro na noite desta quarta (2), panelaços à parte, alinhavou exatamente a retórica possível ao presidente hoje e, se tudo der certo para seus planos, para a largada da campanha eleitoral.

Primeiro, claro, ele voltou a rapidamente lamentar tardiamente o quase meio milhão de cadáveres da pandemia. E passou a desfiar ações associadas à vacinação, particularmente a chegada aos 100 milhões de doses distribuídas.

Que quase metade delas sejam responsabilidade do esforço de seu rival João Doria (PSDB-SP) e a outra parte só viu a luz pela pressão paulista, naturalmente nenhuma palavra.

Isso para não falar que os quantitativos, como o pessoal da saúde gosta de dizer, que poderiam ser maiores não fosse a sabotagem sistemática do Planalto, como a CPI da Covid demonstra com clareza.

Bolsonaro prometeu vacinar todos que quiserem ser vacinados, claro, até o fim do ano. Isso no mesmo dia em que Doria estabeleceu um calendário ambicioso para fechar a imunização de adultos em São Paulo. Ao fim, uma coisa está ligada à outra.

Dali o candidato Bolsonaro entrou no que mais gosta, dizer que preservou empregos e que "nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa". Novamente, não era sua atribuição, felizmente, qualquer política local, apesar de ir ao Supremo Tribunal Federal tentar impedir medidas contra a terceira onda da Covid-19.

Vieram exageros normais de campanha, como considerar o Brasil um líder de vacinação sem fazer a contagem proporcional pela população, e falatório sobre o protelado e minguado auxílio emergencial.

Bolsonaro significativamente não passou recibo direto aos protestos de sábado (29), os maiores contra seu impopular governo, e preferiu apostar no certo: os números favoráveis da economia.

Tanto a real, que registrou bom crescimento do Produto Interno Bruto na parcial desta semana e, segundo o presidente atesta corretamente, pode ficar acima dos 4% neste ano. Já o desemprego, esse fica para o ano que vem.

A Bolsa de Valores batendo recordes históricos no sorriso de Bolsonaro lembrou os tempos em que ele era aplaudido nos salões da Faria Lima em 2018 —só para o fato ser negado por envergonhadas testemunhas e participantes dos encontros.

Se tal encantamento vai significar reatamento definitivo, é algo a ver. Paulo Guedes (Economia) deixou de ser o prestidigitador de antes.

O centrão foi contemplado com os "avanços com o Congresso", ainda que apenas coisas velhas tenham sido apresentadas. Em campanha, tanto faz.

Um pouco mais de boa vontade é necessária para a parte do discurso dedicada ao "avanço nas privatizações" seguido de uma ode à Ceagesp, o inexplicavelmente estatal entreposto de alimentos em São Paulo, como exemplo de empresa pública.

"Estatais do passado davam prejuízo", vaticinou Bolsonaro, que tem em figuras colocadas por aliados seus os comandantes da Ceagesp, onde já havia ensaiado discurso de campanha no fim do ano passado.

A coisa piora um pouco quando chegamos a obras que presumivelmente estarão nas imagens de inaugurações de pontilhões em 2022: transposição do rio São Francisco e ferrovia Norte-Sul. Quantos candidatos e governantes já não as usaram?

A polêmica da Copa América trazida para o Brasil foi citada lateralmente.

De forma óbvia, dada a alta tensão dos protestos da oposição e os temores de infiltração bolsonarista nas polícias militares também passou ao largo, com exceção do recado final.

Todos os ministro do governo, diz Bolsonaro, defendem a liberdade. Parafraseando Pilatos, é de se questionar o que é liberdade para a turma além de "jogar dentro das quatro linhas" e defender "o direito de ir e vir de culto religioso", como disse o chefe.

Ao fim, Bolsonaro apresentou um rascunho coerente do que poderá mostrar no ano que vem. Se será suficiente, isso é insondável agora.