Aguardada pela CPI da Pandemia nesta terça, advogada Bruna Morato, que ajudou a produzir dossiê com denúncias, conta ao EL PAÍS como a operadora de saúde persegue profissionais há mais de um ano
Felipe Betim, El País Brasil, 26 de setembro de 2021
Representante de 12 médicos que trabalham ou trabalharam na Prevent Senior, a advogada Bruna Morato promete “levar a verdade” à CPI da Pandemia. Ela foi convocada para depor na próxima terça-feira, dias depois de os senadores ouvirem, na última quinta-feira, o diretor-executivo da operadora de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior, refutar um dossiê que aponta irregularidades no tratamento de pacientes com covid-19. Morato diz ter uma série de documentos que respaldam o conteúdo do dossiê, resultado de um ano e meio reunindo as denúncias apresentadas por seus clientes e encaminhadas ao Ministério Público. Ao longo desse período, explica ela, a Prevent Senior “caçou” os profissionais responsáveis pelas denúncias, para que sirvam de exemplo a outros médicos. “Estão sendo perseguidos, estigmatizados e desqualificados”, diz a advogada.
Morato atua na área de consulta jurídica e assessora médicos vinculados à Prevent Senior desde 2014. Em março deste ano, ainda no início da pandemia, eles começaram a relatar à advogada as primeiras irregularidades sobre ao uso de cloroquina e outros medicamentos ineficazes. O Ministério Público foi acionado e abriu inquérito. “Eu também levei muito tempo para acreditar na história, para entender a história”, conta. “Obviamente tive que pedir provas, documentos. Busquei pacientes para checar as denúncias. As coisas foram acontecendo como uma bola de neve. Tudo foi duplamente checado”, assegura.
Em julho deste ano, a Prevent Senior contava com 542.471 clientes, a maioria em São Paulo, com um aumento de quase 12% em relação a agosto do ano passado, segundo os dados disponíveis no portal da Agência Nacional de Saúde (ANS). Cerca de 4.000 pacientes internados na rede de hospitais da operadora morreram com covid-19 ao longo da pandemia. Isso representa cerca de 22% dos 18.000 usuários que chegaram a ser hospitalizados por conta da doença nas unidades administradas pela empresa, segundo os dados divulgados por Batista Júnior durante a CPI.
As suspeitas apontadas pelo dossiê são gravíssimas. O documento mostra como a operadora, voltada para idosos, testou em seus hospitais o chamado kit-covid —composto por hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos ineficazes contra a covid-19— em pacientes infectados sem o aval dessas pessoas ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Quer dizer, elas teriam sido cobaias de um experimento ilícito. Além disso, a seguradora também teria ocultado mortes pela doença, como forma de apresentar as melhores estatísticas de recuperação. Antes disso, no início da pandemia, a empresa chegou a acumular 30% das mortes por covid-19 no Brasil, concentrando muita atenção negativa naquele momento.
Durante a sessão no Senado de quinta-feira, Batista Júnior reclamou que os médicos denunciantes acessaram prontuários de pacientes que não eram seus, extraíram dados e divulgaram para a imprensa e para a CPI. Também afirmou que os prontuários compilados no dossiê estão incompletos e podem ter sido adulterados. “É mentira”, afirma Morato, que aparecerá em público pela primeira vez desde que as denúncias começaram a vir à tona, por meio do canal Globonews. “As informações foram entregues aos senadores de forma integral pelo Conselho Regional de Medicina [de São Paulo, Cremesp]”, explica. “São mais de 4.000 páginas devidamente apresentadas pela própria instituição, em ordem cronológica, com a evolução do dia a dia dos pacientes. Nós apenas indicamos onde estavam essas informações, para que os senadores pudessem solicitá-las ao organismo”, acrescenta. A advogada também garante que as mensagens de texto de celulares que os senadores expuseram durante a sessão com Batista Júnior foram entregues de forma integral, sem edições ou cortes.
Esses prontuários chegaram ao Cremesp porque a Prevent Senior denunciou os médicos ao conselho por supostamente terem vazado informações sobre determinados pacientes, indica Morato. Seria mais uma forma de persegui-los. “A partir disso, o próprio Cremesp solicitou esses prontuários para avaliar as informações.” Morato reafirma que os profissionais não acessaram os dados de pacientes que não eram seus, o que seria considerado uma infração médica. Mas como, então, esses profissionais ficavam sabendo de casos como o do médico Anthony Wong e de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang? Ambos morreram de covid-19 após passarem por tratamento com o ineficaz kit-covid, mas, em seus prontuários e atestados de óbito, não consta a doença. “Quando pacientes com certa notoriedade são internados e passam a ser atendidos por um grupo de médicos, esse mesmo grupo de profissionais passa informações para seus colegas”, explica a advogada. “Independentemente do acesso ao prontuário, os médicos começam a comentar entre si que fulano evoluiu de tal forma, está tomando tal medicamento...”
Batista Junior alegou ainda à CPI da Pandemia que os médicos denunciantes haviam sido demitidos por “graves falhas éticas e morais, como invasão de prontuários e tratamento inadequados”. Mas, de acordo com Morato, a Prevent Senior sequer sabe quem eles são exatamente. A empresa, prossegue a advogada, apenas “intui” quem são e promove demissões.
Conforme as informações foram saindo, explica Morato, outros médicos passaram a também colaborar com informações. “Começamos a receber as respostas que não tínhamos”, explica. Sobre seus clientes, ela garante que estão todos empregados e trabalhando. A disputa com a Prevent Senior não afetou a credibilidade deles no mercado. “Eles amam seus paciente e só querem prestar um bom serviço médico, trabalhar com autonomia e dar o tratamento correto”, explica. “Mas, a partir do momento em que você existe um conceito arraigado de lealdade e obediência dentro de uma instituição como a Prevent Senior, não existe autonomia”, conclui ela, refutando a retórica da empresa de que os médicos devem ter autonomia para prescrever medicamentos, inclusive aqueles ineficazes. No caso da operadora, os indícios apontam que a autonomia para fazer o certo não existe.