O problema não é mais a falta de vacinas. Até o final de 2021, os países ricos terão 1,2 bilhão de doses não utilizadas na geladeira, de acordo com a Airfinity, uma empresa de análises com sede em Londres. Destas, 50 milhões com vencimento em dezembro serão jogadas fora. Na África, a República Democrática do Congo e o Malawi sabem muito bem o que significa vacinas jogadas fora e queimadas porque expiraram. Em abril, Kinshasa devolveu 1,3 milhão de doses à Covax, a organização internacional para distribuição aos países pobres; Malawi queimou 20.000 em maio; pelo menos sete outros estados africanos destruíram 450.000.
Elena Dusi e Raffaella Scuderi, La Repubblica, 27 de novembro de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A União Europeia tem 67% das pessoas vacinadas com duas doses, os EUA 58% e a África 6%. A meta que a OMS se propôs - vacinar 40% da população dos países pobres até o final de 2021 - agora já é impossível. A combinação de problemas varia das reservas às promessas de doações não cumpridas, de falta de confiança das pessoas à banal escassez de seringas.
A desinformação e a conspiração vencem a razão e o bom senso. Na África, os governos falam pouco com a população e as campanhas de vacinação contra a Covid não atingem a todos. Não é de surpreender que os africanos, sem confiança, tirem suas próprias conclusões pegando notícias das redes sociais e digam não à vacina. E eis que no WhatsApp em Moçambique viraliza a foto do braço de um vacinado com uma moeda colada que apareceu depois da vacinação.
“Há décadas morremos de malária como moscas. Nenhuma vacina nos salvou. Como é possível que em poucos meses eles tenham descoberto aquela da Covid?”, fala Maxence, da Tanzânia. Os africanos sabem o que é a malária. A Covid? Uma gripe simples que às vezes traz a morte. Os casos na África, embora aumentando, são poucos. “Tenho tantos amigos vacinados que contraíram novamente a Covid. Para que tenho que me vacinar se depois fico doente de novo?”, disse Robert do Quênia. “O governo não explica nada. Dizem-nos: vacinem-se e basta”.
Na África, apenas 5 dos 54 países atingirão a meta de 40%, e não os mais populosos: Seychelles, Maurício, Marrocos, Tunísia e Cabo Verde. O Burundi tem uma taxa de vacinação de 0,0025%. Com essa mistura de fatores, não há o que surpreender se hoje chega do continente uma variante capaz de tornar ineficazes aquelas vacinas que estão acumuladas nas nossas geladeiras. E a decisão da Organização Mundial do Comércio de cancelar, por causa da Ômicron, a reunião que deveria discutir a abolição das patentes parece uma zombaria. O encontro não acontecerá nem mesmo de forma virtual.
Até agora, calcula sempre a Airfinity, os EUA doaram 25% das doses prometidas. Nos últimos meses, eles aceleraram um pouco e devem chegar a 300 milhões até o final do ano. A UE cumpriu 19% dos seus empenhos, distribuindo quase exclusivamente os frascos de AstraZeneca que ninguém mais queria. Até a Índia - com sua enorme fábrica, o Serum Institute - está atrasada com os empenhos. Em março, assolada pela Delta, parou as exportações. As expedições, quase uma zombaria, recomeçaram justamente naquele dia 26 de novembro em que a Ômicron foi batizada. Das 200 milhões de doses da AstraZeneca prometidas aos países pobres, a Índia entregou até agora 50 milhões.
A ameaça feita pela Casa Branca em maio de apoiar a abolição de patentes (repetida há dois dias por Joe Biden) serviu em parte para acelerar as doações, pelo menos pela Pfizer. A Moderna renunciou imediatamente aos seus direitos de patente, mas ninguém jamais copiou sua fórmula. O know-how é importante para produzir os frascos. “São necessárias tecnologias avançadas - explica Isabella Panunzi, chefe de vacinação dos Médicos Sem Fronteiras - mas se houvesse essa transferência, poderiam ser produzidas em um prazo razoável”.
"Aqui entre a gente há pouca informação - diz Jackson Songok, do Sudão do Sul, um operador Amref - Quando veem que não há efeitos colaterais, então se convencem". Galgalo, de Burkina Faso: “As vacinas vêm do Ocidente. Eles nos usam como cobaias, já fizeram isso no passado. Por que confiar?”.
Da análise de cinco mil hashtags em seis países africanos realizada pelo Centro de Análise e Mudança Comportamental (Cabc) de Capetown, 8% são a favor, 35% hesitantes, 21% acreditam em uma conspiração planetária e 20% são céticos. A favor são aqueles que confiam em seus governos.
A OMS está tentando fazer o milagre lançando e financiando um consórcio de laboratórios africanos (Technology Access Pool, ou C-Tap) para produzir a vacina de forma autônoma. Mas até agora nenhuma das grandes empresas ajudou os cientistas do continente em termos de know-how. Que permanecem parados na linha de partida.