Precisando de 308 votos para ver avançar seu desejo de tumultuar a eleição de 2022 com a desnecessária inclusão de uma impressora em cada urna eletrônica, Jair Bolsonaro contou com apenas 229 na noite desta terça (10). Se por um lado, isso é uma clara derrota, por outro, afasta qualquer chance de impeachment no curto prazo e reforça Jair como subordinado do centrão.
Leonardo Sakamoto, UOL, 11 de agosto de 2021
Para a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro por qualquer um dos crimes de responsabilidade dos quais é acusado, de ataques a instituições da República, sabotagem do combate à pandemia, prevaricação mediante corrupção na compra de vacinas até tentativa de fraudar as eleições, são necessários 342 votos da Câmara, dois terços do total de deputados.
As 64 faltas e a única abstenção da votação, de Aécio Neves (PSDB-MG), jogaram contra o projeto. O que não significa, contudo, que todos esses parlamentares estejam ao lado dos 218 colegas que votaram contra. Pelo contrário, parte das ausências demonstra receio em desagradar o bolsonarismo e o restante da opinião pública ao mesmo tempo.
Além disso, uma parcela dos votos contrários à proposta de emenda constitucional veio de aliados no centrão do presidente. Alguns avaliavam a medida como desnecessária, golpista e causadora de tumulto. Outros queriam deixar claro que não aceitam ordens do ministro da Defesa, general Braga Netto, que ameaçou o Congresso em nome do voto impresso em julho.
Aliados do presidente, os dois principais partidos do centrão, PP e PL, negaram a ele 54 votos para a PEC - 36 deles na forma de "não vai rolar, meu amigo" e outros 18 "opa, não pude ir votar, foi mal". O PL deu mais votos contra (23), com sete faltas, do que a favor (11). Para entender o que isso significa, o PSDB, crítico ao governo, deu mais votos a favor (14) do que contrários (12), com cinco faltas e o não sufrágio de Aécio.
No final, isso serviu como um lembrete de que sem o centrão, Bolsonaro é apenas o gerente de uma loja de blindados e tanques com problemas no motor. E que diante dos 132 pedidos de impeachment que estão na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é melhor o gerente se lembrar que não é sócio do centrão, mas um funcionário de luxo.
Esse agrupamento de parlamentares não quer um Bolsonaro muito fraco a ponto de perder sua galinha das emendas, dos cargos, dos ovos de ouro, mas nem muito forte a ponto de vê-lo dispensar o centrão em contexto (mais) autoritário. O melhor é um presidente zumbi, um morto-vivo, que diga talkey e atenda aos pedidos.
Em abril de 2016, a então presidente Dilma Rousseff (PT) foi afastada com 367 votos favoráveis, 137 contrários, duas ausências e sete abstenções. Em outubro de 2017, a Câmara rejeitou por 251 a 233, com duas abstenções e 25 ausentes, a autorização para a abertura de processo contra Michel Temer (MDB) no Supremo Tribunal Federal. Em 2 de agosto daquele ano, os deputados já haviam arquivado outra denúncia semelhante movida pela Procuradoria-Geral da República (sim, nós tínhamos uma) por 263 a 227.
Pesquisa Ibope, divulgada em 28 de setembro de 2017, apontou que Temer marcava míseros 3% de aprovação enquanto ostentava 77% de reprovação. Dilma, uma semana antes do impeachment, contava com 13% de aprovação e 63% de reprovação, de acordo com o Datafolha. Ambos institutos têm metodologia diferentes, mas o que importa é a ordem de grandeza.
A petista foi abandonada pelo centrão, enquanto o emedebista era o centrão. Nas votações que rejeitaram a abertura de processo contra Temer, um balcão de negócios para liberação de emendas foi instalado no plenário da Câmara. Funcionou.
Bolsonaro, que contava, em 8 de julho, com 24% de aprovação e 51% de rejeição, segundo o Datafolha, esqueceu que amaldiçoou e desprezou o centrão e entregou a ele a alma de seu governo. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) tornou-se o ministro-chefe da Casa Civil, ou seja, o primeiro-ministro, deslocando o general Luís Eduardo Ramos para a "zeladoria" do Palácio do Planalto.
As principais tarefas de Ciro Nogueira é manter o governo vivo e, se possível, com algum nível de governabilidade, visando a pavimentar a reeleição do presidente. Com o apoio do centrão.
Como já disse aqui, a fumaça dos escapamentos dos blindados da micareta militar presidencial e as promessas golpistas do presidente ajudaram a esconder da sociedade boiadas ambiental, trabalhista e eleitoral que o parlamento está passando, em prejuízo à coletividade. De certa forma, enquanto todos estão entretidos em um morto-vivo que cospe na democracia, o centrão, cuida dos negócios da família. Um casamento perfeito que, pelo menos no curto prazo, não deve se desfazer.
Uma mudança nesse quadro dependeria das manifestações contrárias ao governo crescerem significativamente em tamanho, trazendo outros grupos sociais para demonstrarem insatisfação com Jair Bolsonaro nas ruas. O Congresso Nacional diante de uma corrosão significativa da popularidade de Bolsonaro, que está em um contexto pior que o de Temer, com mais de 565 mil mortes por covid-19, 14,8 milhões de desempregados e uma fome galopante, aumentaria o custo do apoio somente até determinado ponto. Depois disso, começaria a abandonar o barco em nome da autopreservação.