A guerra na Ucrânia está naquele ponto em que é muito difícil vislumbrar quando e como vai terminar. Mas há algo que é certo: vai terminar com os políticos sentados à mesa a assinar um acordo. Ou não, se a opção for a destruição total.
José Manuel Rosendo, meu Mundo minha Aldeia, 9 de maio de 2022
Vladimir Putin discursou em Moscovo durante a parada militar na Praça Vermelha para celebrar a vitória na guerra 1939-1945, mas não deixou qualquer pista para um eventual desfecho da guerra na Ucrânia. Em Estrasburgo, onde a União Europeia celebrou o Dia da Europa, também não tivemos nada de novo sobre o conflito na Ucrânia. Aliás, enquanto os discursos eram proferidos, a guerra não parou: os alertas de ataque soaram um pouco por toda a Ucrânia. A declaração de Robert Schuman em 1950, fundadora da Comunidade Económica do Carvão e do Aço, tinha por objectivo que a Europa não voltasse a viver as tragédias da primeira metade do século passado. E assim foi, durante algumas décadas, até à guerra na Bósnia (1992-1995) e, depois, até à guerra na Ucrânia. Isto significa que a Europa tem muito caminho a fazer até concretizar esse ideal de “Paz Perpétua”, em relação ao qual Immanuel Kant é apenas o mais citado dos teóricos. Há já alguns anos, um almoço em Évora colocou-me frente a frente com um jovem sírio que chegou a Portugal através da Plataforma Global para Estudantes Sírios, criada pelo saudoso Presidente Jorge Sampaio. Depois de saber que eu já fizera reportagem na Síria, a conversa ganhou fôlego e chegou ao momento que ainda registo na memória: será que os sírios apenas poderão escolher entre um ditador ou a guerra civil? O jovem sírio dizia que não. Os sírios têm direito a uma outra opção que não os sujeite a viver sob o peso de uma ditadura, nem com a tragédia de uma guerra civil. Não havia forma de discordar deste jovem sírio. Então, como se pode chegar aí, a essa outra opção, estando o país mergulhado numa guerra civil com um balanço trágico em perda de vidas humanas e destruição do país? Conversámos ainda durante algum tempo mas não encontrámos a chave para resolver esse problema do mundo. Aliás, a questão colocada por este jovem sírio e a sua aspiração mais do que legítima de não querer viver em ditadura nem em guerra civil, mas sim em democracia e liberdade, faz todo o sentido. Em relação a alguns países, não é raro encontrarmos quem defenda que mais vale serem governados por alguém com “mão pesada” do que entrarem em revoluções que acabam em guerra civil. Lá está, como se não houvesse outra possibilidade, e como se as pessoas, desses países, não tivessem direito a libertar-se de ditadores e viver em liberdade. Também em relação ao leste da Europa a questão coloca-se mais ou menos da mesma maneira: as pessoas têm o direito de viver em liberdade, sem serem forçadas a escolher entre um ditador e uma guerra como as únicas alternativas possíveis. E há países do leste europeu em que a democracia e a liberdade são ainda miragens, vestidas de formalismo democrático, mas como uma essência muito frágil se não apenas aparente. Sim, há regimes em que são os oligarcas que mandam e quando assim é não vale a pena falar de democracia. Tal como há regimes em que os oligarcas servem quem está no poder. São situações diferentes, mas em termos de democracia e liberdade resultam exactamente no mesmo. A guerra na Ucrânia, como acontece com quase todas as guerras, está naquele ponto em que é muito difícil vislumbrar quando e como vai terminar. Mas há algo que é certo: vai terminar com os políticos sentados à mesa a assinar um acordo. Ou não, se a opção for a destruição total. O que falta parece ser uma genuína vontade de compromisso. Dos dois lados – Ucrânia (e aliados ocidentais) e Rússia – parece faltar uma genuína vontade de entender o ponto de vista do outro. Este bloqueio é campo aberto para os falcões dos dois lados. E quem os segue de forma cega, ajudando a tocar os tambores da guerra, parece não ver o precipício de que se aproxima. A União Europeia, se não quiser ser chão de batalha, terá de fazer mais do que tem feito até agora. O Presidente francês, com todos os defeitos que lhe queiram apontar, e mesmo que queiram dizer que apenas fez uma encenação de mediação para dela tirar partido nas eleições presidenciais, foi a Moscovo dizer algo verdadeiramente pragmático: a segurança da Rússia está intrinsecamente ligada à segurança europeia. Ou seja, se a Rússia não tiver/sentir segurança, acontecerá o mesmo com a Europa. É a partir deste raciocínio que poderá fazer sentido uma tentativa para acabar com a guerra na Ucrânia. Como é evidente há quem esteja muito longe, noutro Continente, a enviar armamento e a proferir discursos que tornam a guerra ainda mais inaceitável a cada dia que passa, mas o caminho da Europa não deve ser esse. Só quem não percebe – ou tem interesse – nas consequências de um escalar da guerra e de um eventual alargar do conflito pode dizer que é preciso derrotar Putin e a Federação Russa. Putin pode não vencer a guerra, mas também não a irá perder, a não ser num cenário em que perdemos todos. A Europa que saiu destruída de duas guerras mundiais e conseguiu criar um sistema de vida em comum que nos garantiu a paz durante décadas, é certamente capaz de encontrar uma solução que nos volte a colocar nesse rumo. A Síria continua em guerra e não há solução anunciada que livre os sírios do ditador e da guerra civil; a Ucrânia continua invadida e também não se vislumbra solução para que as armas se calem. Todos os povos querem e merecem viver em paz. Os verdadeiros líderes políticos trabalham para isso.